quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A importância da discussão parlamentar do 0E 2025

 

Esteve em curso (em 30 e 31 de outubro), a discussão parlamentar da Proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE 2025), apresentada pelo governo, com vista à aprovação na generalidade, passando à discussão na especialidade.

A questão da viabilização ou não da viabilização do OE 2025, cuja proposta é elaborada por um governo de apoio parlamentar minoritário, já fez correr muita tinta, na imprensa, e gastar muita saliva aos comentadores de rádio e de televisão.    

Recordo que, na campanha eleitoral para a disputa das eleições internas do Partido Socialista (PS), o candidato José Luís Carneiro se afirmou disponível para viabilizar o OE 2025, caso a Aliança Democrática (AD) ganhasse as eleições legislativas antecipadas, mas sem maioria na Assembleia da República (AR). Já Pedro Nuno Santos recusava tal compromisso, alegando que não fazia sentido comprometer-se, por antecipação, com documento não conhecido, nem sequer elaborado.

Contudo, muitos comentadores entendiam que o secretário-geral do PS devia comprometer-se a viabilizar o OE 2025, pelo interesse nacional (não o exigindo à AD para com o PS), como fizera Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto presidente do Partido Social Democrata (PSD), em relação a governos de António Guterres (mito que desmontei, em tempo). E poderia fazê-lo, pondo condições, o que o vinculava à execução (não é verdade: a abstenção liberta do compromisso), ou não pondo condições, o que, alegadamente, o libertava da cumplicidade com o governo.

À medida que as linhas gerais e específicas do documento iam sendo conhecidas, enquanto os partidos à esquerda do PS prometiam o voto contra, Pedro Nuno Santos, com o partido supostamente dividido, nesta matéria, clamava que este não era o orçamento do PS. Entrou em negociação com o governo, fez propostas e recebeu contrapropostas. O governo fez aproximações e o PS também. Todavia, não chegaram a acordo e as reações discursivas de cada um dos lados eram desabridas e reciprocamente acusatórias.

Por seu turno, os partidos à direita da AD exigiam, para viabilizar o OE 2025, que o governo negociasse. E o Chega ousou prometer o voto a favor com a contrapartida de o governo promover um referendo sobre a imigração, o que foi rejeitado. Caso contrário, votaria contra, como votou.

Entretanto, o PS garantiu a viabilização do OE 2025, pela abstenção, quer na aprovação na generalidade, quer na votação final global. Porém, garantiu a discussão de várias matérias na discussão na especialidade. Assim, alguns acusam o PS de muleta do governo, enquanto o Chega acusa o governo de se vender ao PS. E AD e Chega entretiveram-se em acusações de mentira.

Dizem alguns observadores que o secretário-geral do PS, garantindo antecipadamente a viabilização do OE 2025, esvaziou o interesse do 42.º Congresso do PSD e o debate parlamentar.

Quanto ao 42.º Congresso do PSD, parece que é verdade, mas se o partido só tinha esse como tema de interesse, então é partido muito pobre. Já o debate parlamentar não perde interesse, porquanto, a discussão é pública e aberta a todos/as os/as deputados/as, e não apenas às cúpulas partidárias. E, a todo o momento, os parlamentares podem apresentar projetos de alteração, melhorando ou piorando a proposta do governo.

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A intervenção inicial do primeiro-ministro (PM), no debate do OE 2025, revelou um chefe do governo “moderado, mas em ataque antecipado”, para “queimar” qualquer argumento contra as negociações com o PS de terem feito da proposta um documento de bloco central. Para tanto, frisou que “o Orçamento é apenas da Aliança Democrática (AD) e que os socialistas são a maior força da oposição”, embora tenha havido um “esforço de compromisso” com o PS.

Segundo o PM, o executivo negociou “até ao limite a partir do qual se desvirtuaria o programa de Governo”. “Ir além disto em aspetos essenciais, seja na generalidade, seja na especialidade, seja no tocante à margem orçamental, seja na direção política governativa, descaracterizaria o Orçamento e seria uma ofensa à escolha dos Portugueses nas eleições”, argumentou.

Para evitar colagem ao PS, o PM, com a veste de oposição ao PS, criticou a estratégia orçamental do anterior governo e garantiu que, no seu, “há vida e objetivos para além dos excedentes orçamentais”. E questionou: “De que serviram contas certas, se apesar de os Portugueses estarem asfixiados em impostos, o Estado engordava e os serviços públicos definhavam?”

O PS desafiou o PM a apresentar reformas estruturais que justifiquem o crescimento económico previsto. “Pedia ao primeiro-ministro para nos explanar as duas reformas revolucionárias que vão fazer a taxa de crescimento disparar. Qual é a fórmula estrutural nova que vai fazer duplicar taxa de crescimento para 3,4%? Diga, para termos certeza que é capaz de distribuir folga orçamental e que tem uma ideia para a economia nacional”, atirou Pedro Nuno Santos.

Já o Chega atirou farpas à bancada socialista. “O PS deixou de ser o partido da oposição. Passou a ser o partido que sustenta o governo”, resumiu André Ventura, sustentando que o Chega é “o maior partido da oposição”, o que Luís Montenegro negou, para clarificar que, para o governo, “o maior partido da oposição é o PS”.

Rita Matias, também do Chega, relevou que “os jovens votaram à direita” para dizerem: “Chega de socialismo.” Porém, o governo desprezou a maioria de direita e “aliou-se ao PS”, disse.

Todavia, a Iniciativa Liberal (IL) também sustenta que a proposta do executivo em nada espelha o Programa do Governo da AD, sendo, em tudo, semelhante aos orçamentos do PS a despesa corrente, a carga fiscal e o número de funcionários públicos, ao invés do que apregoou a campanha eleitoral a AD, nomeadamente, prometendo uma “descida de impostos já”. Rui Rocha anotou que o PM “tem dito que não é liberal, mas não [se] esperava que se tornasse socialista tão depressa”. E Rodrigo Saraiva, do mesmo partido, acusou Estado de estar demasiado presente em demasiadas áreas e funções.

Num debate parlamentar sem resposta a diversas questões colocadas pelos deputados da oposição, o PM respondeu ao líder da IL. “Perguntou-me se fazemos tudo aquilo que queríamos? Não, não fazemos. Num governo minoritário até descer impostos é difícil”, alegou.

Em determinado momento, o chefe do governo clarificou não ter desistido da redução da taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) para 15%, até ao fim da legislatura, mas notou que “é uma impossibilidade”, devido às “circunstâncias [composição da AR] que existem”.

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O OE 2025 não é criticado apenas a nível político. Também a nível técnico é criticado. O Conselho das Finanças Públicas (CFP), liderado por Nazaré da Costa Cabral, calcula que o valor total dos instrumentos de controlo da despesa pública, em 2025, mais do que duplica, face a 2024, para um valor equivalente a 1,5% do produto interno bruto (PIB). Na análise à proposta de Orçamento do OE 2025, divulgada a 29 de outubro, disse que isso, em parte, é explicado por a proposta orçamental não prever um conjunto de exceções.

O CFP estima que o total desses instrumentos ascende a 4313,2 milhões de euros, em 2025, comparativamente com os 2480,2 milhões de euros, em 2024 – “um acréscimo de 1833 milhões de euros, que decorre, sobretudo, do aumento das cativações iniciais (de 1244,1 milhões de euros, maioritariamente, nos programas de Infraestruturas, Defesa e Finanças) e da dotação centralizada destinada à regularização de passivos e aplicação de ativos (aumento de 588,9 milhões de euros na despesa com ativos financeiros)”, explica.

Além disso, anota que, para o aumento das cativações iniciais terá contribuído o aumento das dotações inscritas e o facto de o OE2025 “não prever um conjunto de exceções que existiam anteriormente, reforçando assim o poder discricionário dos ministros setoriais”. E assinala que foi eliminada a norma que limitava a aplicação de cativações iniciais, resultantes do OE 2025 e do decreto-lei de execução orçamental, a um máximo equivalente a 90% dos cativos iniciais aprovados em 2017. “A eliminação desse limite [correspondente a cerca de 1,7 mil milhões de euros, que vigorou desde o OE 2018] permite que as cativações iniciais para 2025 atinjam um novo máximo de 2,5 mil milhões de euros, um valor que supera os 1,9 mil milhões de euros, registados em 2017 e que corresponde a mais do dobro do montante aprovado para 2024.”

A 28 de outubro, na AR, os partidos, à exceção dos que suportam o governo, questionaram o ministro das Finanças sobre as cativações, o qual disse e redisse que os valores de 2024 e de 2025 não são comparáveis e que, ao fazê-lo, se “está a comparar maçãs com peras”.

Também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), coordenada por Rui Baleiras, voltou a criticar a utilização dos instrumentos de controlo de despesa não convencionais, advertindo que são opacos e entrópicos e se sobrepõem aos tetos de despesa aprovados pela AR, assim como alertando para o impacto negativo nos serviços públicos. “Os instrumentos não convencionais, tal como as cativações, são exemplos deprimentes da Administração Pública a trabalhar para si própria”, lê-se no relatório entregue na AR pelos técnicos que dão apoio aos deputados.

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O OE 2025 inclui um cenário macroeconómico e orçamental “cauteloso”, na ótica do governo: crescimento da economia de 1,8%, neste ano, e de 2,1%, em 2025, com o excedente de 0,4%, em 2024, e de 0,3%, em 2025, e com a redução da dívida pública para 95,9%, neste ano, caindo para 93,3%, em 2025. Entre as medidas com maior destaque estão o IRS Jovem (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) e a redução em 1% do IRC, pontos negociados com o PS.

O PM assegurou que o OE 2025 não aumenta impostos e permite “um resgate do estado social e dos serviços público”, tal como permite valorizar os setores chaves da economia, desde a agricultura às pescas, passando pela indústria, pela valorização do capital humano, pelo investimento na investigação e na inovação e pelo reforço dos “fatores de competitividade” do país, diminuindo “os custos para atrairmos mais investimento”. E deixou claro que nem é “liberal”, nem “socialista”. 

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António Mendonça Mendes, vice-presidente do grupo parlamentar do PS (ex-secretário de Estado nos governos de António Costa), no artigo “OE 2025: Uma oportunidade perdida”, publicado a 30 de outubro, no jornal ECO online, refere que “corremos sérios riscos, a prazo, de voltar a ter uma situação orçamental difícil” e que “a maior expressão deste desafio é a projeção do próprio governo para que, em 2027 e [em] 2028”, anos em que o crescimento económico abrandará e “a capacidade de medidas discricionárias”, do lado da receita ou da despesa, “estará mais limitada, tal como é evidenciado no plano orçamental de médio prazo”.

Passa ao de leve pelo facto de muitos terem admitido que os partidos podiam definir o sentido de voto, independentemente do conteúdo do OE 2025. Aliás, o PM, antes de liderar o Partido Social Democrata (PSD), dizia não precisar de ver um orçamento do PS para determinar o voto contra. Porém, “mudam-se os tempos”.

Depois, sustenta que a precariedade do apoio parlamentar minoritário ao governo torna a situação propícia a decisões de curto prazo, com a “tentação de agradar a diferentes segmentos eleitorais”, podendo descurar “o interesse coletivo de médio prazo”.

Refere que a situação orçamental herdada pelo governo era confortável e que, há muito, o PSD reivindicava o direito de governar em tempos de normalidade orçamental, isto é, ao invés do que foi o seu último ciclo de governação, marcado pela intervenção da troika. Porém, o colunista estranha a propensão do governo para “a total ausência de compromisso com o futuro nas decisões que tem vindo a tomar”, pois, limitou-se, até agora, “a distribuir a margem orçamental deixada por diferentes grupos profissionais e por diferentes segmentos da sociedade”. É certo que este executivo “encontrou problemas para os quais se impunham respostas”, mas o anterior teve o mandato interrompido, antes de completar metade, sendo expectável que respondesse a muitos dos desafios a que este respondeu, quiçá não desta forma, sobretudo, pela concentração no tempo. E não é por este governo ter um sentido de urgência diferente do dos anteriores.

O que ressalta, na ótica do articulista, é a frágil situação de apoio parlamentar do governo, que o levou a trilhar o caminho fácil – “como estando em constante preparação de um ato eleitoral a curto prazo” – o que é preocupante, pelas consequências que terá a médio e longo prazo. Com efeito, enquanto houver folga orçamental, haverá a perceção de que há caminho para responder a tudo e a todos. Porém, a folga orçamental acabará.

Duas dimensões têm suportado o crescimento da nossa economia em convergência com a União Europeia (UE), nos últimos oito anos: o mercado de trabalho e as exportações. O peso dos salários e o das exportações no PIB suportam a nossa situação económica. “Daqui uma situação orçamental equilibrada, com as receitas fiscais a acompanhar o bom momento do ciclo económico […] e as receitas contributivas a acompanhar o bom momento do mercado de trabalho […].”

Há sinais de aumento de despesa justificável, em parte, pelo período de inflação do pós-pandemia e das consequências dos recentes choques geopolíticos. E quando estamos em níveis de inflação mais consentâneos com a normalidade económica, não se justifica, segundo Mendonça Mendes, “que a despesa nominal do Estado continue a crescer a um ritmo superior ao do crescimento do PIB” e com um crescimento superior a qualquer dos anos económicos desde 1992.

Efetivamente, “o nosso excedente orçamental está assente, em grande medida, na receita contributiva e menos na receita fiscal”, segundo o articulista. Ora, quando os riscos globais são conhecidos, incluindo os das nossas exportações, estamos dependentes “do bom desempenho do nosso mercado de trabalho”. E, sendo claro que “o saldo orçamental se vai tornando dependente das contribuições sociais, para assegurar o equilíbrio”, não será de estranhar que “as necessidades de endividamento do Estado aumentem”.

Assim, “exaurir bases tributárias” e “manter uma trajetória de despesa”, como sucede no OE 2025, não é, na otica do colunista, “a forma mais adequada de gerir o orçamento e o ciclo económico”. Consequentemente, “estamos no presente a limitar a capacidade de lidar com um período do ciclo económico menos favorável do que o atual”. É este, para Mendonça Mendes, “o traço mais preocupante do OE 2025: um exercício assente numa visão de curto prazo, que gasta em termos de maior abundância e retira margem para responder a tempos de maior dificuldade”.

Talvez seja oportuno refletir sobre este alerta do vice-presidente da bancada socialista.

2024.10.31 – Louro de Carvalho

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