quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Haverá falta de professores a quase todas as disciplinas em 2031

 

O estudo “Reservas de Professores sob a lupa: antevisão de professores necessários e disponíveis”, da Edulog – um Think tank da Fundação Belmiro de Azevedo para a Educação – divulgado a 29 de outubro, revela que, a este ritmo, se não houver medidas estruturais, quase todas as disciplinas terão falta de professores, em 2031, e que a atual situação de penúria de docentes se agravará dentro de dois anos.

As escolas terão, dentro de seis anos, falta de professores com habilitação profissional em praticamente todas as disciplinas, em todas as áreas e níveis de ensino, excetuando-se a Educação Física e talvez a Educação Pré-Escolar. De facto, há cada vez mais docentes a entrar na aposentação e os que estudam professores não serão suficientes para colmatar as saídas. Por isso, em 2031, as escolas terão de lidar com um problema muito mais grave do que o atual.

Se em 2021, a falta de professores se sentia, apenas aquando da substituição de quem faltava, em 2031, a situação ganhará escala e será um problema estrutural, de acordo com a investigação coordenada por Isabel Flores. Em 2021 faltavam três mil docentes, mas, em 2031, “assistiremos a 8700 professores por colocar em vagas permanentes e à falta de 15700 professores para substituir colegas ausentes”, lê-se no estudo, que aponta para muito mais alunos sem aulas, em especial, entre o 7.º ano e o 12.º.

Porém, os investigadores, que compararam as necessidades das escolas e os professores disponíveis e com formação necessária, preveem que a falta de docentes se agravará, já dentro de dois anos, a algumas disciplinas. E, tendo analisado a situação do ano letivo 2023-2024, concluíram que, já então, “não foi possível substituir grande parte dos professores”.

O problema notou-se menos entre as crianças, porque há mais docentes de educação Pré-Escolar e do 1.º Ciclo, mas, ainda assim a taxa de sucesso de substituição de professores pedidos pelas escolas foi de só de 83% e de 88%, respetivamente. No 2.º Ciclo, a taxa desceu para 67%, uma média que esconde realidades, como as carências em Português e em Inglês, com as escolas a substituírem só 37% dos pedidos. Mas é a partir do 7.º ano que a situação se agrava, em especial para as disciplinas de Economia, de Geografia, de Informática, de Matemática, de Biologia e Geologia, e Física e Química. E o grupo de Informática está em carência em todo o país, destacando-se as escolas do Sul que apenas substituíram cerca de 10% dos professores em falta.

Deambulando pelo país, notam-se desigualdades regionais. O Baixo Alentejo é onde faltam mais educadores, para a Educação Pré-escolar (35% não foram substituídos), e o litoral destaca-se pela carência de docentes para o 1.º Ciclo, tal como a Área Metropolitana de Lisboa (AML) e o Sul.

As zonas de Lisboa, do Alentejo e do Algarve estão, há muito, identificadas como as mais carenciadas, porque é no Norte que a maioria dos alunos conclui a formação exigida para dar aulas, não querendo, depois, afastar-se de casa. Nessas zonas carenciadas, haverá problemas, em 2026, nas áreas das Artes, da Informática e das Humanidades; e, em 2029, nas disciplinas de Ciências. Para cobrir as necessidades no grupo de Economia, o país teria de formar, até 2030, dez vezes mais professores; e no de Física e Química, 6,5 vezes mais. No país, apenas metade dos mestrados de ensino têm alunos inscritos. No 3.º Ciclo e no Ensino Secundário, dos 2640 mestrados, 43% eram de Educação Física. E eram zero os mestrados a funcionar a Sul de Lisboa.

Perante este cenário, a Edulog faz algumas recomendações, como aumento do número de vagas nos cursos de formação de professores, sobretudo em áreas mais críticas. Porém, o impacto desse eventual aumento de vagas só poderá sentir-se daqui a três ou cinco anos para professores.

A criação de incentivos financeiros, a melhoria das condições de trabalho e oportunidades de progressão na carreira são outras das propostas feitas pelos investigadores.

O estudo não considerou as medidas do atual governo, como o plano “Mais Aulas, Mais Sucesso”, para reduzir os alunos sem aulas, ou o apoio financeiro aos professores deslocados. Estas medidas “têm um impacto meramente conjuntural”, ou seja, “o problema estrutural continua lá”, declarou à Lusa o porta-voz do Edulog, David Justino, ex-ministro da Educação, para quem as medidas da equipa de Fernando Alexandre têm “um efeito conjuntural, permitindo que se adotem, em devido tempo, outro tipo de medidas com maior impacto estrutural”. Assim, o estudo recomenda a criação de uma estratégia nacional para a gestão das reservas de recrutamento dos professores.

Os investigadores analisaram também a falta de professores noutros países – desde a Lituânia à Alemanha, passando pela Nova Zelândia, pelo Reino Unido e até pelo estado de Washington, nos Estados Unidos da América (EUA) – e concluíram que nenhum dos países estudados resolveu, na íntegra, o problema, mesmo depois de 30 anos de variadas políticas públicas. Todavia, concluíram que as políticas que preveem o pagamento dos custos de deslocação aparentam ter sucesso na redistribuição territorial dos professores.

***

Já em 2021, se apontava que mais de metade da classe estaria aposentada dentro de 10 anos e que a substituição natural não estava a acontecer. A carreira não é atrativa, os cursos estão sem gente que queira dar aulas, a burocracia encrava procedimentos e acresce o desgaste da imagem e a desvalorização da docência. Estimava-se que, nos próximos 10 anos, estariam aposentados 58% dos professores, mais de metade da classe. A falta de professores é, pois, um problema que se agrava, ano após ano, e as consequências podem ser complexas.

Segundo Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), há várias explicações: a não atratividade da profissão desgastada e desgastante; a instabilidade de colocação, de horário; o magro vencimento; as exigências de resposta a outras atividades que ultrapassam a função docente; a falta de condições laborais; a distância da residência; a falta de apoios financeiros às deslocações ou à residência fora do domicílio, o que a maioria das profissões tem: ajudas de custo, viatura, seguro de saúde, seguro de risco, etc.

Entre as várias razões, ressalta a informação repetida de que havia excesso de docentes e falta de vagas, a degradação do estatuto profissional e social dos professores e a falta de investimento dos governos na Educação e de uma ação estratégica concreta e na aplicação de medidas que suscitem o aliciamento dos jovens para a docência. O desprestígio da profissão é crasso e ser professor é ter muita responsabilidade e obrigação, mas pouca valorização. Há poucos alunos nos cursos que habilitam para a docência, porque “o horizonte profissional é desmotivador”, e é mínimo o investimento das instituições do ensino superior, que é essencial e desejável, na formação de professores. O impacto de tudo isso reforçará as desigualdades. “Um país sem professores é um país sem desenvolvimento cultural, científico, social e económico. Sendo a Educação de um país a sua riqueza principal e fundamental, podemos considerar que o nosso país será um país empobrecido a todos os níveis”, adverte a presidente da ANP.

A legislação que rege o concurso de docentes tem sido reformulada e melhorada para os futuros professores terem uma visão global no acesso ao mercado de trabalho e à carreira docente. Porém, isso ainda é insuficiente. É, pois, urgente (e já é tardia) uma reflexão política para o encontro e promoção de soluções, para reforço desta profissão, que deve ser central para o século XXI. Não se pode repetir o sucedido nas décadas de 70/80 do século XX, quando houve a necessidade de contratar pessoas com habilitações académicas multidisciplinares, qualificadas insuficientemente ou deficientemente e sem conhecimentos pedagógicos.

A presidente da ANP aponta vias para a atratividade da função docente: remuneração adequada às exigências atuais e ao custo de vida; menos burocracia na docência; e uma profissão mais prestigiada, valorizada e dignificada pelos governos e pela opinião pública. É preciso reconhecer esta profissão como fundamental no desenvolvimento da sociedade, valorizar o professor, clarificar a componente letiva e não letiva, nos horários de trabalho, rever as habilitações de acesso à profissão e apostar em campanhas nos media, para sensibilizar jovens estudantes para a opção e para importância de ser professor e em campanhas nas escolas, promovidas pela tutela, “para fomentar o interesse nos jovens em serem professores”.

Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), sustenta que só quem anda muito distraído não terá percebido que a falta de professores não é problema de hoje, mas que se arrasta e que piora de ano para ano. Com o estimado volume de aposentações, não haverá professores disponíveis para ocupar tais lugares. As escolas superiores de educação (ESE) estão vazias e quem entra não elege a docência como primeira opção. “A Educação não pode sobreviver com legionários que vão para cursos de docência, porque não têm outra solução.”

A maioria dos professores não aceita horários incompletos ou temporários, são períodos muito curtos, há despesas com deslocações e todos os custos associados. A tutela deve tentar que os horários incompletos, sobretudo na AML, uma das mais fustigadas com a falta de professores, sejam considerados completos. Eu penso que isso deve acontecer, se houver um só horário completo no respetivo grupo de docência e na substituição de professores com componente letiva inferior a 22 horas. Por outro lado, as autarquias e as associações de municípios devem arranjar formas de cativar professores para os seus territórios – à semelhança do que foi feito quando não havia médicos no interior do país – “que forneçam habitação ou financiem habitação”.

Outra forma de contornar a falta de professores, como medida imediata, segundo Manuel Pereira, será convidar professores aposentados para darem aulas de algumas horas em disciplinas chave, do que discordo, pois os professores, regra geral, chegam cansados à aposentação, que é, tantas vezes, antecipada. E alguns prolongam o serviço ativo para lá da idade legal da aposentação / reforma, por meios pouco ortodoxos, para engrossarem um pouco a pensão.

Diz o presidente da ANDE que as escolas devem ter autorização imediata para avançarem para a oferta de escola, a fim de preencherem horários sem esperas ou perdas de tempo. Concordo.

Manuel Pereira, lembrando que, muitas vezes, as administrações escolares esbarram na legislação e que é necessária maleabilidade para tomar decisões pontuais, a título excecional, teme que o país recue aos anos 80 do século XX, com gente a vestir a pele de professores sem habilitações. “Ou se prepara o futuro de imediato ou a situação agudiza-se a cada dia que passa”, diz, sustentando que, “se ontem o cenário era mau, hoje é ainda pior”. Por isso, há que atuar já, para estimular a carreira docente, para diminuir a burocracia, que encrava procedimentos, e para dignificar a imagem do professor.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), refere que há um problema estrutural e um problema conjuntural que pode ser resolvido, de imediato, por exemplo, pela contratação de escolas, na reserva de recrutamento, contornando a espera que pode durar duas semanas e duas rejeições de horários. A questão é que “não houve investimento na carreira docente, na profissão”. “Os ministérios não deram valor, até desvalorizaram a função de professor e a respetiva carreira”, refere Filinto Lima, defendendo a abertura da vinculação extraordinária. A norma-travão deve ser atualizada, para permitir que professores contratados há 10, 15, ou mais anos, entrem nos quadros [temos pirâmides de professores nas reservas de 40 a 50 anos à espera]. E as autarquias das zonas mais afetadas devem arranjar formas de atrair quem ensina, encontrar mecanismos de fixação de professores.

O presidente da ANDAEP receia um retrocesso complexo e difícil de entender. Não podemos regressar ao final do século XX, quando tínhamos professores com habilitações mínimas. É preciso atuar já. Nos périplos de Norte a Sul do país, a ANDAEP percebeu que o problema é grave e que piora. Há anos que tem alertado para a falta de professores e para as suas consequências. “É um problema nacional, não é deste governo ou deste ministério, é um problema que deve envolver todos os participantes, políticos, professores e a própria sociedade”, defende.

O professor Paulo Guinote atira direto: “A falta de professores resulta de uma política errada de gestão dos recursos humanos, ao longo dos últimos 20 anos, porque se associou uma desconsideração pública dos professores à proletarização crescente da sua condição material. Ainda há poucos anos, tínhamos dezenas de candidatos ao concurso externo que ficavam por colocar”, refere, acrescentando: “Com o argumento de serem ‘caros’, os professores sofreram uma dupla penalização: os contratados viram as suas condições de trabalho serem cada vez mais precárias, desde a forma como são colocados a concurso os horários à própria contagem do tempo de serviço (para efeitos de concurso ou mesmo para a Segurança Social); os professores de carreira viram a sua progressão ser estrangulada, enquanto desapareciam anos completos de trabalho realizado.”

A falta de atração para a carreira não é de estranhar e as consequências mais graves não se ficam pelo envelhecimento da classe, pois há um corte geracional entre os professores, em que muita experiência se perde e não é compensada pela ‘formação’ (inicial ou contínua), assegurada, há décadas, pelas mesmas pessoas, ultrapassadas nas suas conceções da docência.

A profissão tem de ser atrativa. Há maneiras de abordar o assunto e de o resolver: dignificar o trabalho dos professores contratados, reduzindo a precariedade que leva a serem colocados em duas ou três escolas para completarem um horário; não mudar regras dos concursos, no sentido de dificultar a vinculação ou de conseguir horários completos na contratação; e alterar o discurso político que menoriza os professores, como peças facilmente substituíveis.

Para Alexandre Henriques, autor do blogue “ComRegras”, o problema está na falta de interesse dos jovens pela docência, mercê da carreira pouco atrativa, a nível financeiro, sobretudo, no início da carreira; desgaste da imagem social do professor; aumento da indisciplina; elevada burocracia e falta de confiança no trabalho docente, onde tudo tem de ser justificado; e quase obrigatoriedade de deixar a família no início da carreira. Contudo, a questão a colocar não é o motivo da falta de professores, mas quais os motivos para que nada tenha sido feito para resolver o problema.

***

Enfim, a Educação é o tesouro que a guardar e a proteger, mas é, sobretudo, uma tarefa que deve envolver a comunidade, suscitar o empenho dos decisores políticos e o zelo dos seus atores.

2024.10.29 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário