O estudo “Reservas de Professores sob a lupa: antevisão de
professores necessários e disponíveis”, da Edulog – um Think tank da Fundação
Belmiro de Azevedo para a Educação – divulgado a 29 de outubro, revela
que, a este ritmo, se não houver medidas estruturais, quase todas as
disciplinas terão falta de professores, em 2031, e que a atual situação de
penúria de docentes se agravará dentro de dois anos.
As escolas terão, dentro de seis anos, falta de professores
com habilitação profissional em praticamente todas as disciplinas, em todas as
áreas e níveis de ensino, excetuando-se a Educação Física e talvez a Educação
Pré-Escolar. De facto, há cada vez mais docentes a entrar na aposentação e os que
estudam professores não serão suficientes para colmatar as saídas. Por isso, em 2031, as escolas terão de lidar com um problema muito
mais grave do que o atual.
Se em 2021, a falta de professores se sentia, apenas aquando
da substituição de quem faltava, em 2031, a situação ganhará escala e será um
problema estrutural, de acordo com a investigação coordenada por Isabel Flores.
Em 2021 faltavam três mil docentes, mas, em 2031, “assistiremos a 8700
professores por colocar em vagas permanentes e à falta de 15700 professores
para substituir colegas ausentes”, lê-se no estudo, que aponta para muito mais
alunos sem aulas, em especial, entre o 7.º ano e o 12.º.
Porém, os investigadores, que compararam as necessidades das
escolas e os professores disponíveis e com formação necessária, preveem que a
falta de docentes se agravará, já dentro de dois anos, a algumas disciplinas. E,
tendo analisado a situação do ano letivo 2023-2024, concluíram que, já então,
“não foi possível substituir grande parte dos professores”.
O problema notou-se menos entre as crianças, porque há mais
docentes de educação Pré-Escolar e do 1.º Ciclo, mas, ainda assim a taxa de sucesso de substituição de professores pedidos pelas
escolas foi de só de 83% e de 88%, respetivamente. No 2.º Ciclo,
a taxa desceu para 67%, uma média que esconde realidades, como as carências em
Português e em Inglês, com as escolas a substituírem só 37% dos pedidos. Mas é a partir do 7.º ano que a situação se agrava, em especial
para as disciplinas de Economia, de Geografia, de Informática, de Matemática, de
Biologia e Geologia, e Física e Química. E o grupo de
Informática está em carência em todo o país, destacando-se as escolas do Sul
que apenas substituíram cerca de 10% dos professores em falta.
Deambulando pelo país, notam-se desigualdades regionais. O
Baixo Alentejo é onde faltam mais educadores, para a Educação Pré-escolar (35%
não foram substituídos), e o litoral destaca-se pela carência de docentes para
o 1.º Ciclo, tal como a Área Metropolitana de Lisboa (AML) e o Sul.
As zonas de Lisboa, do Alentejo e do Algarve estão, há muito,
identificadas como as mais carenciadas, porque é no Norte que a maioria dos alunos conclui a
formação exigida para dar aulas, não querendo, depois, afastar-se de casa. Nessas
zonas carenciadas, haverá problemas, em 2026, nas áreas das Artes, da
Informática e das Humanidades; e, em 2029, nas disciplinas de Ciências. Para
cobrir as necessidades no grupo de Economia, o país teria de formar, até 2030,
dez vezes mais professores; e no de Física e Química, 6,5 vezes mais. No país,
apenas metade dos mestrados de ensino têm alunos inscritos. No 3.º Ciclo e no
Ensino Secundário, dos 2640 mestrados, 43% eram de Educação Física. E eram zero
os mestrados a funcionar a Sul de Lisboa.
Perante este cenário, a Edulog faz algumas recomendações,
como aumento do número de vagas nos cursos de formação de professores,
sobretudo em áreas mais críticas. Porém, o impacto desse eventual aumento de
vagas só poderá sentir-se daqui a três ou cinco anos para professores.
A criação de incentivos financeiros, a melhoria das condições de
trabalho e oportunidades de progressão na carreira são outras das propostas
feitas pelos investigadores.
O estudo não considerou as medidas do atual governo, como o
plano “Mais Aulas, Mais Sucesso”, para reduzir os alunos sem aulas, ou o apoio
financeiro aos professores deslocados. Estas medidas “têm um impacto meramente
conjuntural”, ou seja, “o problema estrutural continua lá”, declarou à Lusa o porta-voz do Edulog, David
Justino, ex-ministro da Educação, para quem as medidas da equipa de Fernando
Alexandre têm “um efeito conjuntural, permitindo que se adotem, em devido
tempo, outro tipo de medidas com maior impacto estrutural”. Assim, o estudo recomenda
a criação de uma estratégia nacional para a gestão das reservas de recrutamento
dos professores.
Os investigadores analisaram também a falta de professores
noutros países – desde a Lituânia à Alemanha, passando pela Nova Zelândia, pelo
Reino Unido e até pelo estado de Washington, nos Estados Unidos da América
(EUA) – e concluíram que nenhum dos países estudados resolveu, na íntegra, o
problema, mesmo depois de 30 anos de variadas políticas públicas. Todavia, concluíram
que as políticas que preveem o pagamento dos custos de deslocação aparentam ter
sucesso na redistribuição territorial dos professores.
***
Já em 2021,
se apontava que mais de metade da classe estaria aposentada dentro de 10 anos e
que a substituição natural não estava a acontecer. A carreira não é atrativa,
os cursos estão sem gente que queira dar aulas, a burocracia encrava
procedimentos e acresce o desgaste da imagem e a desvalorização da docência. Estimava-se
que, nos próximos 10 anos, estariam aposentados 58% dos professores, mais de
metade da classe. A falta de professores é, pois, um problema que se agrava,
ano após ano, e as consequências podem ser complexas.
Segundo Paula
Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), há várias
explicações: a não atratividade da profissão desgastada e desgastante; a
instabilidade de colocação, de horário; o magro vencimento; as exigências de
resposta a outras atividades que ultrapassam a função docente; a falta de
condições laborais; a distância da residência; a falta de apoios financeiros às
deslocações ou à residência fora do domicílio, o que a maioria das profissões
tem: ajudas de custo, viatura, seguro de saúde, seguro de risco, etc.
Entre as
várias razões, ressalta a informação repetida de que havia excesso de docentes
e falta de vagas, a degradação do estatuto profissional e social dos professores
e a falta de investimento dos governos na Educação e de uma ação estratégica
concreta e na aplicação de medidas que suscitem o aliciamento dos jovens para a
docência. O desprestígio da profissão é crasso e ser professor é ter muita
responsabilidade e obrigação, mas pouca valorização. Há poucos alunos nos
cursos que habilitam para a docência, porque “o horizonte profissional é
desmotivador”, e é mínimo o investimento das instituições do ensino superior,
que é essencial e desejável, na formação de professores. O impacto de tudo isso
reforçará as desigualdades. “Um país sem professores é um país sem
desenvolvimento cultural, científico, social e económico. Sendo a Educação de
um país a sua riqueza principal e fundamental, podemos considerar que o nosso
país será um país empobrecido a todos os níveis”, adverte a presidente da ANP.
A legislação
que rege o concurso de docentes tem sido reformulada e melhorada para os
futuros professores terem uma visão global no acesso ao mercado de trabalho e à
carreira docente. Porém, isso ainda é insuficiente. É, pois, urgente (e já é
tardia) uma reflexão política para o encontro e promoção de soluções, para
reforço desta profissão, que deve ser central para o século XXI. Não se pode
repetir o sucedido nas décadas de 70/80 do século XX, quando houve a
necessidade de contratar pessoas com habilitações académicas
multidisciplinares, qualificadas insuficientemente ou deficientemente e sem
conhecimentos pedagógicos.
A presidente
da ANP aponta vias para a atratividade da função docente: remuneração adequada
às exigências atuais e ao custo de vida; menos burocracia na docência; e uma
profissão mais prestigiada, valorizada e dignificada pelos governos e pela
opinião pública. É preciso reconhecer esta profissão como fundamental no
desenvolvimento da sociedade, valorizar o professor, clarificar a componente
letiva e não letiva, nos horários de trabalho, rever as habilitações de acesso
à profissão e apostar em campanhas nos media,
para sensibilizar jovens estudantes para a opção e para importância de ser
professor e em campanhas nas escolas, promovidas pela tutela, “para fomentar o interesse
nos jovens em serem professores”.
Manuel
Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE),
sustenta que só quem anda muito distraído não terá percebido que a falta de
professores não é problema de hoje, mas que se arrasta e que piora de ano para
ano. Com o estimado volume de aposentações, não haverá professores disponíveis
para ocupar tais lugares. As escolas superiores de educação (ESE) estão vazias
e quem entra não elege a docência como primeira opção. “A Educação não pode
sobreviver com legionários que vão para cursos de docência, porque não têm
outra solução.”
A maioria
dos professores não aceita horários incompletos ou temporários, são períodos
muito curtos, há despesas com deslocações e todos os custos associados. A tutela
deve tentar que os horários incompletos, sobretudo na AML, uma das mais
fustigadas com a falta de professores, sejam considerados completos. Eu penso
que isso deve acontecer, se houver um só horário completo no respetivo grupo de
docência e na substituição de professores com componente letiva inferior a 22
horas. Por outro lado, as autarquias e as associações de municípios devem
arranjar formas de cativar professores para os seus territórios – à semelhança
do que foi feito quando não havia médicos no interior do país – “que forneçam
habitação ou financiem habitação”.
Outra forma
de contornar a falta de professores, como medida imediata, segundo Manuel
Pereira, será convidar professores aposentados para darem aulas de algumas
horas em disciplinas chave, do que discordo, pois os professores, regra geral,
chegam cansados à aposentação, que é, tantas vezes, antecipada. E alguns
prolongam o serviço ativo para lá da idade legal da aposentação / reforma, por
meios pouco ortodoxos, para engrossarem um pouco a pensão.
Diz o
presidente da ANDE que as escolas devem ter autorização imediata para avançarem
para a oferta de escola, a fim de preencherem horários sem esperas ou perdas de
tempo. Concordo.
Manuel
Pereira, lembrando que, muitas vezes, as administrações escolares esbarram na
legislação e que é necessária maleabilidade para tomar decisões pontuais, a
título excecional, teme que o país recue aos anos 80 do século XX, com gente a
vestir a pele de professores sem habilitações. “Ou se prepara o futuro de
imediato ou a situação agudiza-se a cada dia que passa”, diz, sustentando que,
“se ontem o cenário era mau, hoje é ainda pior”. Por isso, há que atuar já, para
estimular a carreira docente, para diminuir a burocracia, que encrava
procedimentos, e para dignificar a imagem do professor.
Filinto Lima,
presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas
Públicas (ANDAEP), refere que há um problema estrutural e um problema
conjuntural que pode ser resolvido, de imediato, por exemplo, pela contratação
de escolas, na reserva de recrutamento, contornando a espera que pode durar
duas semanas e duas rejeições de horários. A questão é que “não houve
investimento na carreira docente, na profissão”. “Os ministérios não deram
valor, até desvalorizaram a função de professor e a respetiva carreira”, refere
Filinto Lima, defendendo a abertura da vinculação extraordinária. A norma-travão
deve ser atualizada, para permitir que professores contratados há 10, 15, ou
mais anos, entrem nos quadros [temos pirâmides de professores nas reservas de
40 a 50 anos à espera]. E as autarquias das zonas mais afetadas devem arranjar
formas de atrair quem ensina, encontrar mecanismos de fixação de professores.
O presidente
da ANDAEP receia um retrocesso complexo e difícil de entender. Não podemos
regressar ao final do século XX, quando tínhamos professores com habilitações
mínimas. É preciso atuar já. Nos périplos de Norte a Sul do país, a ANDAEP percebeu
que o problema é grave e que piora. Há anos que tem alertado para a falta de
professores e para as suas consequências. “É um problema nacional, não é deste
governo ou deste ministério, é um problema que deve envolver todos os
participantes, políticos, professores e a própria sociedade”, defende.
O professor
Paulo Guinote atira direto: “A falta de professores resulta de uma política
errada de gestão dos recursos humanos, ao longo dos últimos 20 anos, porque se
associou uma desconsideração pública dos professores à proletarização crescente
da sua condição material. Ainda há poucos anos, tínhamos dezenas de candidatos
ao concurso externo que ficavam por colocar”, refere, acrescentando: “Com o argumento de serem ‘caros’, os professores sofreram uma dupla
penalização: os contratados viram as suas condições de trabalho serem cada vez
mais precárias, desde a forma como são colocados a concurso os horários à
própria contagem do tempo de serviço (para efeitos de concurso ou mesmo para a
Segurança Social); os professores de carreira viram a sua progressão ser
estrangulada, enquanto desapareciam anos completos de trabalho realizado.”
A falta de
atração para a carreira não é de estranhar e as consequências mais graves não
se ficam pelo envelhecimento da classe, pois há um corte geracional entre os professores,
em que muita experiência se perde e não é compensada pela ‘formação’ (inicial
ou contínua), assegurada, há décadas, pelas mesmas pessoas, ultrapassadas nas
suas conceções da docência.
A profissão
tem de ser atrativa. Há maneiras de abordar o assunto e de o resolver: dignificar
o trabalho dos professores contratados, reduzindo a precariedade que leva a serem
colocados em duas ou três escolas para completarem um horário; não mudar regras
dos concursos, no sentido de dificultar a vinculação ou de conseguir horários
completos na contratação; e alterar o discurso político que menoriza os
professores, como peças facilmente substituíveis.
Para
Alexandre Henriques, autor do blogue “ComRegras”, o problema está na falta de
interesse dos jovens pela docência, mercê da carreira pouco atrativa, a nível
financeiro, sobretudo, no início da carreira; desgaste da imagem social do
professor; aumento da indisciplina; elevada burocracia e falta de confiança no
trabalho docente, onde tudo tem de ser justificado; e quase obrigatoriedade de
deixar a família no início da carreira. Contudo, a questão a colocar não é o
motivo da falta de professores, mas quais os motivos para que nada tenha sido
feito para resolver o problema.
***
Enfim, a
Educação é o tesouro que a guardar e a proteger, mas é, sobretudo, uma tarefa
que deve envolver a comunidade, suscitar o empenho dos decisores políticos e o
zelo dos seus atores.
2024.10.29 – Louro de Carvalho
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