No fim de semana de 26-27 de outubro, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL, na sigla inglesa,
para United Nations Interim Force in Lebanon) acusou as Forças de Defesa de Israel (FDI)
por terem forçado a entrada numa das posições da missão, destruindo o
portão principal e causando ferimentos ligeiros a, pelo menos, 15 soldados.
O incidente ocorreu após o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu,
ter acusado esta missão de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas
(ONU) no Líbano de “fornecer escudos humanos aos terroristas do Hezbollah” e
ter exigido a sua retirada do Sul do Líbano, onde o exército israelita está a
levar a cabo uma invasão terrestre contra a milícia apoiada pelo Irão.
Numa mensagem de vídeo, Netanyahu apelou ao secretário-geral da ONU,
António Guterres, para “retirar as forças da UNIFIL do caminho do perigo”, o
que “deve ser feito agora mesmo, imediatamente”.
No dia 27, à noite, Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE)
repreendeu duramente Netanyahu, vincando que a UNIFIL está sob o comando direto
do Conselho de Segurança (CS) e não do secretário-geral. “Quero lembrar a todos
que não é o secretário-geral das Nações Unidas que decide sobre a permanência
ou não desta missão. É o Conselho de Segurança que tem de tomar este tipo de
decisões”, disse Borrell aos jornalistas, acrescentando: “Por isso, parem de
culpar o secretário-geral, Guterres, porque é o Conselho de Segurança que toma
este tipo de decisões, não é ele pessoalmente.”
A ira de Borrell foi replicada pelos ministros
dos Negócios Estrangeiros, à chegada ao Luxemburgo, que utilizaram a palavra “inaceitável”
para expressar o seu descontentamento.
“Isto é inaceitável e deve parar e deve ser investigado o mais rapidamente
possível”, declarou Caspar Veldkamp, dos Países Baixos, revelando que tinha
telefonado ao homólogo israelita, Israel Katz, para expressar o seu descontentamento.
“Isto tem de acabar”, frisou.
José Manuel Albares, de Espanha, afirmou que o trabalho da UNIFIL é “válido
e necessário em tempo de guerra” e que qualquer violência dirigida contra a
missão é “contrária ao direito internacional” e não deve repetir-se. Além
disso, “o Líbano é um Estado soberano”, sublinhou.
Os ministros da Letónia, da Suécia e do Luxemburgo juntaram as suas vozes à
condenação europeia, em consonância com a declaração publicada por Borrell, que Micheál Martin, da Irlanda, disse
que poderia ter sido “muito mais forte”.
“Acreditamos, hoje, que a segurança de Israel não pode ser garantida apenas
pelo uso da força”, disse o francês Jean-Noël Barrot aos jornalistas,
esclarecendo: “O uso da força deve dar lugar ao uso do diálogo e da negociação,
e é por isso que, tal como a maioria dos países do Mundo, estamos hoje a apelar
a um cessar-fogo em Gaza, tal como no Líbano.”
O austríaco Alexander Schallenberg, cujo país é um dos mais fortes
apoiantes de Israel no bloco, classificou os ataques contra a UNIFIL como “simplesmente
inaceitáveis”. “Não, eles não se vão retirar. Sim, vão continuar a cumprir o
mandato”, disse Schallenberg à chegada, garantindo: “E sim, exigimos a todas as
partes que respeitem este mandato e respeitem a segurança e a proteção dos
nossos capacetes azuis.”
A UNIFIL é uma missão internacional criada pelo CS da ONU, em 1978, para
restaurar a paz e a segurança no Sul do Líbano, perto da fronteira israelita. É
composta por 10 mil soldados da paz de 50 nacionalidades, incluindo 16 países
da UE. “O seu trabalho é muito importante. É completamente inaceitável atacar
as tropas das Nações Unidas”, afirmou Borrell, no dia 28, de manhã, antes da
reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros no Luxemburgo.
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A UNIFIL foi criada pela ONU pela
resolução 425 do CS, adotada em 19 de março de 1978, dias após a invasão
israelita no sul do Líbano. No mesmo dia, o CS adotava uma segunda
resolução, a 426, que fixava em seis meses o período inicial da missão.
Israel alegava que procurava
proteger o Norte do seu território dos combatentes da Organização para a
Libertação da Palestina (OLP). Porém, o objetivo da UNIFIL era ajudar o
exército libanês a mobilizar-se ao longo da fronteira com Israel e velar pela
instauração da segurança e a paz na região. Ao ser criada, contava com
seis mil soldados, que chegaram a sete mil, em 1982.
Três meses após a retirada israelense do
Sul do Líbano, em maio de 2000, a UNIFIL ocupou a fronteira, assumindo a
missão que recebera da ONU, há 22 anos. Em 31 de janeiro de 2006, o CS da
ONU prorrogou por mais seis meses o mandato da UNIFIL.
Os capacetes azuis da UNIFIL atuam, de
forma frequente, como desativadores de minas terrestres, como socorristas ou como
“trabalhadores humanitários” de ajuda à população local. Desde a sua criação, a
UNIFIL já perdeu mais de 250 soldados, 80 dos quais em ataques.
Após a Guerra do Líbano, de 2006, a
Força Tarefa Marítima da UNIFIL (em Inglês: Maritime Task Force,
ou MTF) foi criada para auxiliar a Marinha do Líbano na prevenção do
contrabando de transferências ilegais, em geral, e de embarques de armamento,
em particular. Com a sua criação, em outubro de 2006, a força era liderada
pela Marinha Alemã, que foi a principal contribuinte para a força. Os
alemães lideraram a MTF até 29 de fevereiro de 2008, quando passaram a
controlar a EUROMARFOR – força composta por navios de Portugal, da Espanha, da
Itália e da França (dos quais os três últimos países enviaram navios para a
força no Líbano). Desde maio de 2008, a Marinha Alemã ainda continua a ser
a maior contribuinte para a MTF da UNIFIL, com quatro navios. Estes navios são
complementados por dois italianos, dois gregos, um francês, um espanhol, um
búlgaro, um navio turco e um brasileiro, o Fragata Liberal, que compõem as 13
embarcações da MTF da UNIFIL.
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Os ministros dos Negócios Estrangeiros de 43
Estados da União para o Mediterrâneo (UPM) reuniram-se, em Barcelona, para
abordar os desafios regionais. E Josep Borrell, chefe da diplomacia da UE, condenou o exército israelita
pelo ataque à UNIFIL no Líbano, neste fórum. “Dizer que há ataques contra a UNIFIL sem dizer quem os está a
fazer é esconder parte da verdade, e quem os está a fazer é o exército
israelita e, portanto, o exército israelita deve ser condenado”, sublinhou.
Israel defendeu a sua presença militar no sul do Líbano e os ataques às
posições do Hezbollah no país vizinho como necessários, para se defender da
ameaça dos militantes apoiados pelo Irão. Há muito que Israel acusa a UNRWA em
Gaza de ter militantes do Hamas infiltrados. Porém, Borrell reiterou que irá
pedir à UE que estabeleça sanções contra os responsáveis pelos colonos
israelitas na Cisjordânia, bem como contra dois membros do governo israelita, o
ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Defesa Itamar,
Ben-Gvir.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha afirmou que o seu país
renovou o compromisso com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da
Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) que é indispensável para milhões de refugiados palestinianos na
região.
“O direito internacional humanitário nasceu do sofrimento da Europa. Por
isso, é imperativo que a Europa se coloque ao lado do direito internacional e
impeça as suas violações”, acrescentou Ayman Safadi, ministro dos Negócios
Estrangeiros da Jordânia.
Por último, Nasser Kamel, secretário-geral da UPM, falou da solução de dois
Estados no Médio Oriente. “Todos sabemos que os parâmetros do remédio se
baseiam numa solução de dois Estados e no direito do povo palestiniano a
exercer a autodeterminação”, vincou.
O primeiro-ministro israelita participou no dia 28, numa cerimónia fúnebre
em Jerusalém, em memória dos soldados e civis mortos a 7 de outubro e durante
as ofensivas em Gaza. “Não vamos desistir da missão de vitória e uma componente
central da missão de vitória é o regresso de todos os nossos reféns, tanto os
vivos como os mortos, a Israel”, disse Netanyahu.
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No dia 18 de outubro, um porta-voz das
forças de manutenção da paz da ONU disse que estavam a manter as suas posições
no sul do Líbano, apesar dos avisos dos Israelitas para se afastarem. E os ministros da Defesa
do G7 manifestaram preocupação com a segurança das forças de manutenção da paz
da ONU no Líbano, na sequência de uma série de ataques das FDI.
Em declaração conjunta emitida após a sua primeira reunião na cidade
italiana de Nápoles, vincaram que “a proteção das forças de manutenção da paz
compete a todas as partes em conflito”.
“Estamos preocupados
com os últimos acontecimentos no Líbano e com o risco de uma nova escalada.
Reiteramos o nosso apelo a uma cessação total das hostilidades, em conformidade
com a aplicação integral da Resolução 1701 do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, e a uma solução diplomática para os combates, reconhecendo o papel
estabilizador fundamental das Forças Armadas libanesas e reafirmando o papel
essencial da UNIFIL”, afirma a declaração.
O chefe da política
externa da UE, Josep Borrell, sugeriu que a UNIFIL poderia ser mais eficaz, mas
afirmou que cabe ao CS da ONU tomar decisões sobre o seu futuro.
O porta-voz da FINUL,
Andrea Tenenti, afirmou que os 50 países que contribuem com tropas e o Conselho
de Segurança tomaram uma decisão “unânime”, no sentido de manter as suas
posições, como parte do seu objetivo de monitorizar o conflito e trabalhar para
garantir que a ajuda humanitária chega aos civis necessitados. Porém, Israel
acusou a UNIFIL de ser ineficaz em travar as atividades do Hezbollah e alegou
que o grupo possui infraestruturas militares muito próximas das bases das
forças de manutenção da paz.
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Não é só pelos ataques à
UNIFIL que Israel é objeto de críticas. A 28 de outubro, o parlamento israelita
aprovou legislação que pode ameaçar o trabalho da principal agência da ONU que
presta ajuda à população de Gaza, impedindo-a de operar em solo israelita. O projeto de lei proíbe a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados
da Palestina no Próximo Oriente
(UNRWA) de realizar “qualquer atividade” ou prestar qualquer serviço dentro de
Israel.
A legislação, que não entrará em vigor imediatamente, pode comprometer o frágil
processo de distribuição de ajuda, numa altura em que a crise humanitária em
Gaza está a agravar-se e Israel se encontra sob crescente pressão dos Estados
Unidos da América (EUA) para aumentar a ajuda. Por isso, a ONU já criticou
duramente a decisão de Israel.
O projeto foi aprovado por 92 votos a favor e 10 contra, na sequência de aceso
debate entre os apoiantes da lei e os opositores, que são, na maioria, membros
de partidos parlamentares árabes.
Estava também a ser votado, no mesmo dia, um segundo projeto de lei que
cortava os laços diplomáticos com a UNRWA. EM conjunto, estes projetos de lei
representariam um novo ponto baixo nas relações entre o estado israelita e a
UNRWA, que Israel acusa de manter laços estreitos com os militantes do Hamas.
As alterações legislativas constituiriam também um rude golpe para a agência e
para os Palestinianos de Gaza, que passaram a depender da sua ajuda ao longo de
mais de um ano de guerra devastadora.
Mais de 1,9 milhões de Palestinianos estão deslocados das suas casas e Gaza
enfrenta uma escassez generalizada de alimentos, água e medicamentos.
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Enfim, nem os ataques à UNIFIL devem ser tolerados, nem os projetos de lei que dificultem a ação da UNRWA fazem sentido numa região
onde as pessoas, deslocadas, feridas e doentes precisam de ajuda humanitária,
cada vez mais necessária, mais escassa e mais dificultada. Por isso, a ONU, a UE,
a UPM e os ministros da Defesa do G7 expressam a preocupação com todas as ameaças
à segurança da UNIFIL (ainda tem ali um papel e uma missão a cumprir) e renovaram
o apoio à missão “para garantir a estabilidade do Líbano”. Com efeito, uma
eventual retirada dos capacetes azuis abrirá o caminho à reocupação do
território Sul do Líbano sem a presença de terceiros elementos, como as forças
da ONU, como afirmou à Euronews Enzo
Moavero Milanesi, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros italiano e,
atualmente, professor de Direito Comunitário na Universidade LUISS de Roma.
2024.10.28 – Louro de
Carvalho
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