terça-feira, 8 de outubro de 2024

Interpol quer resolver 46 casos arquivados de mulheres mortas

 

A 8 de outubro, sob o título “Interpol pede ajuda para resolver 46 casos arquivados de mulheres mortas”, a Euronews publicou um texto de Aleksander Brezar, em que emerge o desaparecimento de Rita Roberts, nos anos 90, como um mistério que a operação “Identify Me” (“Identifique-me”), da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) conseguiu desvendar com a ajuda da identificação do seu corpo através de uma tatuagem.

Agora, esta organização policial pede a ajuda dos cidadãos para dezenas de outros casos. Com efeito, as pessoas desaparecem, pelos mais diversos motivos (assassinato, tráfico, rapto, sequestro, surto psicótico, etc.) e, passados, meses ou anos, são encontradas mortas. Convém identificá-las, para que a família (ou, na falta desta, a sociedade) possa dar-lhe sepultura condigna e fazer o luto. 

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Já a 10 maio 2023, a Interpol lançou a operação “Identify Me” (“Identifique-me”), para tentar descobrir a identidade de 22 mulheres que terão sido assassinadas na Bélgica, na Alemanha e nos Países Baixos, há vários anos, mas cujos nomes e origens são desconhecidos.

A maioria são casos arquivados de mulheres que morreram há 10, 20, 30 ou mesmo 40 anos, sustenta aquela polícia internacional, que pretende, com esta campanha pública, reunir elementos e informações que possam ajudar a identificar tais vítimas. E, embora as mulheres tenham sido encontradas naqueles três países, as autoridades não descartam que possam ser originárias de outros. “Apesar das extensas investigações policiais, estas mulheres nunca foram identificadas e as provas sugerem que podem ter vindo de outros países. Não se sabe quem são, de onde são e por que estavam nesses países”, referia a Interpol.

O organismo já tinha lançado uma ‘black notice’ para cada uma das vítimas, ou seja, um tipo de notificação de alerta, que não é público, destinando-se apenas às forças policiais. Porém, nesta campanha são divulgados detalhes de cada caso, incluindo imagens de reconstrução facial e objetos ou marcas pessoais, na “esperança de que alguém os possa reconhecer” e ajude na identificação das mulheres. No site da campanha, é possível ver esses elementos.

A Interpol apelava a quem tenha tido “amiga, familiar ou colega que desapareceu subitamente” que entrasse no site, a ver se reconhecia alguns desses elementos ou se tinha alguma informação. Sendo o caso, é pedido que seja contactada a unidade policial encarregue do caso, através do formulário associado às imagens disponibilizadas. Junto destas são divulgadas caraterísticas das vítimas que as autoridades já conseguiram apurar, como o ano em que terão nascido, a idade que teriam, quando morreram, ou a data e o local em que os corpos foram encontrados, assim como traços fisionómicos.

O organismo policial internacional pediu a celebridades dos três países em causa para participarem na campanha. Suspeita-se que a maioria das vítimas seja de casos arquivados. Algumas das mulheres terão sido traficadas da Europa de Leste. Foram enterradas em covas rasas ou improvisadas e terão sido transportadas para esses locais, para dificultar a investigação criminal. E a Interpol espera que a publicação de imagens das mulheres e do pouco que se sabe delas lhe permita obter mais informações junto do público e identificar estas mulheres. 

É a primeira vez que informação tão sensível está a ser tornada pública, mas a polícia sustenta que estabelecer as identidades das vítimas pode levar à detenção de suspeitos.

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Voltando ao caso paradigmático de Rita Roberts. Pouco tempo depois de se mudar de Cardiff, no Reino Unido, para os Países Baixos, a família deixou de receber as suas cartas e postais. No início, não suspeitou de nada. Era o começo dos anos 90 e não se podia pegar no telefone ou perguntar como estava alguém através de uma aplicação de mensagens. Passaram-se semanas e, depois, meses, sem notícias.

Rita tinha 30 e poucos anos. Conhecia bem os Países Baixos, pois já os tinha visitado, muitas vezes, antes de se mudar. Apesar da hipótese de estar apenas a tentar construir uma vida própria ou a desfrutar de estar fora da sua cidade natal para sempre, existia algum sobressalto.

Em outubro de 1992, um avião da El-Al embateu num edifício residencial, em Amesterdão, e a família de Rita passou a acreditar que ela poderia estar entre as vítimas por identificar. Porém, a sua irmã Donna não estava convencida. O instinto dizia-lhe que essa não era a resposta. “Era mais fácil pensar que ela tinha morrido naquele acidente de avião do que deixar a nossa mente ir para sítios sombrios”, dizia Donna, irmã de Rita Roberts, conjeturando: “Talvez ela se tenha fartado desta família, foi-se embora, casou com esta pessoa, foi ter filhos – seguiu com a sua vida.”

Entretanto, a família Roberts começou a ouvir todo o tipo de hipóteses, segundo as quais ela tinha sido vista em lugares tão distantes como Marrocos. Donna iniciou uma investigação por conta própria. Bateu a todas as portas, desde o Crimewatch da BBC, ao Exército de Salvação a solicitadores em Roterdão – outro local para onde Rita se poderia ter mudado – na esperança de encontrar a irmã. No entanto, não havia nada.

A dolorosa procura de respostas arrastou-se até 2023, quando a operação “Identify Me” (“Identifique-me”) tornou públicos 22 casos de mulheres mortas não identificadas.

No espaço de dois dias, a família de Rita viu numa reportagem a imagem da tatuagem de uma rosa que lhe era familiar. Contactaram a Interpol e o corpo de Rita foi identificado.

Rita fora encontrada em Antuérpia, em 1992, tendo sido violentamente assassinada, mas as autoridades nunca tinham determinado quem ela era. Agora, a Interpol decidiu ampliar esta iniciativa, pedindo a todos os cidadãos do Mundo que ajudem a identificar 46 mulheres – muitas delas presumivelmente assassinadas – em seis países europeus.

O que era, originalmente, iniciativa belga, neerlandesa e alemã foi alargada à França, à Itália e à Espanha, onde as autoridades acreditam que as respostas aos casos podem estar além-fronteiras.

A Interpol e as autoridades nacionais fizeram tudo o que estava ao seu alcance, desde análises de ácido desoxirribonucleico (ADN) e dados biométricos a exames de ressonância magnética e inteligência artificial (IA). Agora, é a vez dos cidadãos. Enfim, “uma memória, uma dica, uma história partilhada”.

“O objetivo da campanha ‘Identifique-me’ é simples. Queremos identificar as mulheres mortas, dar respostas às famílias e fazer justiça às vítimas. Mas não podemos fazer isso sozinhos”, disse Jürgen Stock, secretário-geral da Interpol, considerando: “É por isso que estamos a apelar à comunidade para que se junte a nós neste esforço. A sua ajuda pode fazer a diferença. Mesmo a mais pequena informação pode ser vital para ajudar a resolver estes casos arquivados. Quer se trate de uma memória, de uma dica ou de uma história partilhada, o mais pequeno pormenor pode ajudar a descobrir a verdade. Esta pode ser a chave para desvendar um nome, um passado e para fazer justiça há muito esperada.”

Segundo Aleksander Brezar, “a consulta dos materiais fornecidos pela Interpol está longe de ser fácil. Ao folhear as fichas, cada caso deixa-nos com perguntas: Como é que esta mulher morreu? Quem a matou e porquê?” De acordo com a polícia, os rostos reconstruídos parecem olhar diretamente para o espectador, alguns deles quase sorriem – chocante contraste com o facto de muitas das vítimas terem sido encontradas em estado tal que os investigadores tiveram dificuldade em reunir uma imagem útil. Por isso, em alguns casos, optou-se pela utilização de fotografias de objetos encontrados com os corpos: um anel com uma inscrição, uma peça de roupa colorida, um saco de viagem preto onde foi encontrado um dos corpos das vítimas. E, nalguns casos, há apenas uma tatuagem, como a que serviu para identificar Rita Roberts.

Embora a informação de que dispõem seja, por vezes, apenas um fragmento, os peritos da sustentam que pode ser suficiente para avivar a memória de alguém ou para levar os familiares a contactá-los. Todas as dicas são bem-vindas. Em 2023, os investigadores receberam cerca de duas mil dicas e três milhões de visitas à página online. Desta vez, esperam atrair um interesse muito maior e estão a acolher todas as sugestões dos cidadãos, por mais insignificantes pareçam. “Temos três ou quatro tipos de dicas que recebemos”, disse à Euronews François-Xavier Laurent, da unidade de ADN da Interpol.

Segundo Laurent, o primeiro tipo é de pessoas próximas de quem desapareceu. Veem a fotografia de um objeto ou do rosto de alguém e escrevem a dizer: ‘Pode ser a minha mãe, pode ser a minha irmã, pode ser o meu filho’. O segundo tipo é de quem não conhece diretamente a pessoa, mas viu caso de pessoa desaparecida na web ou pesquisou no Google, e tenta ajudar a polícia ou encontrou uma pista. E o resto das mensagens pode ser informação sobre algo que foi visto numa fotografia, por exemplo, um tipo de joias ou brincos e depois dizem que têm um parecido, comprado na loja X, no país Y, na data Z. Por isso, talvez isto possa ajudar e, às vezes, ajuda.

Ao invés do que sucede na ficção, em que os detetives duros torcem o nariz, ao serem abordados por detetives amadores da Internet, na vida real, a Interpol quer ouvir toda a gente. “Não hesitem em contactar-nos com quaisquer pistas, porque analisamos todas as mensagens e acreditamos, realmente, que o cidadão comum pode ajudar-nos a encerrar alguns destes casos”, apelou Laurent.

Algumas mulheres foram assassinadas em local muito remoto, não tendo quase nada com elas. Não há nenhuma pista que possa ajudar na identificação. Contudo, a polícia acredita que, “algures no planeta, alguém sabe alguma coisa”. Nas imagens de família em VHS fornecidas por Donna Roberts, é possível identificar, imediatamente, Rita, uma mulher jovem e sorridente, quando ela entra na sala e se senta no sofá. Pouco depois, um cão com uma barba de chocolate vem ter com ela e sobe para o seu colo. Todos na sala se riem. “A Rita era uma mulher dura e independente, que não aceitava disparates. Defendia a família e os amigos”, diz Donna, acrescentando: “Tinha uma personalidade alegre, a sua vida era cheia de cor e ela trouxe cor à minha vida. […] Ela será sempre uma parte da pessoa que sou hoje.”

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O secretário-geral da Interpol classificou, a 27 de novembro de 2023, o “crime organizado transnacional” como uma epidemia tão grave que constitui uma “emergência de segurança global”. Jürgen Stock explicava que o “crime organizado está a minar sociedades e empresas”, pelo que todos os países devem estar empenhados no seu combate.

Este responsável falava um dia antes do 100.º aniversário do organismo internacional e prometia apresentar a “Declaração de Viena”, para combater esta crise. 

Para fazer face ao aumento dos crimes transfronteiriços, Jürgen Stock apelava a “mais e não a menos cooperação internacional”, apontando, como ponto de partida, as 19 bases de dados mundiais do organismo que lidera.

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A Interpol foi fundada em 1923, em Viena. Na altura, chamava-se Comissão Internacional de Polícia Criminal (ICPC). Após a Segunda Guerra Mundial, passou a designar-se Interpol e adotou uma nova Constituição.

Em sintonia com a Interpol, a União Europeia (UE) dispõe da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial, também conhecida como Europol, com sede em Haia, nos Países Baixos. É a agência da força de aplicação da lei da UE, formada em 1998, para lidar com a inteligência criminal e combater o grave crime organizado internacional e o terrorismo, através da cooperação entre as autoridades competentes dos estados-membros da UE. Não tem poderes executivos e os seus funcionários não têm o direito de prender suspeitos ou de agir sem a aprovação prévia das competentes autoridades dos estados-membros da UE.

Não é por falta de polícia que a inteligência criminal, o crime organizado e o terrorismo levam a melhor, tantas vezes. O problema, na minha opinião, está nalguma ineficácia dos serviços secretos (às vezes, com divergências entre eles) e na lentidão da Justiça.

2024.10.08 – Louro de Carvalho

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