A 8 de
outubro, sob o título “Interpol
pede ajuda para resolver 46 casos arquivados de mulheres mortas”, a Euronews publicou um texto de Aleksander
Brezar, em que emerge o desaparecimento de Rita Roberts, nos anos 90, como um
mistério que a operação “Identify
Me” (“Identifique-me”), da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) conseguiu desvendar com a ajuda da identificação do seu corpo através de uma tatuagem.
Agora, esta organização policial pede a ajuda dos cidadãos para dezenas
de outros casos. Com efeito, as pessoas desaparecem, pelos mais diversos
motivos (assassinato, tráfico, rapto, sequestro, surto psicótico, etc.) e,
passados, meses ou anos, são encontradas mortas. Convém identificá-las, para
que a família (ou, na falta desta, a sociedade) possa dar-lhe sepultura
condigna e fazer o luto.
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Já a 10 maio 2023, a Interpol
lançou a operação “Identify Me” (“Identifique-me”), para tentar
descobrir a identidade de 22 mulheres que terão sido assassinadas na Bélgica, na
Alemanha e nos Países Baixos, há vários anos, mas cujos nomes e origens são desconhecidos.
A maioria são casos arquivados de
mulheres que morreram há 10, 20, 30 ou mesmo 40 anos, sustenta aquela polícia
internacional, que pretende, com esta campanha pública, reunir elementos e
informações que possam ajudar a identificar tais vítimas. E, embora as mulheres
tenham sido encontradas naqueles três países, as autoridades não descartam que
possam ser originárias de outros. “Apesar das extensas investigações policiais,
estas mulheres nunca foram identificadas e as provas sugerem que podem ter vindo
de outros países. Não se sabe quem são, de onde são e por que estavam nesses
países”, referia a Interpol.
O organismo já
tinha lançado uma ‘black notice’ para cada uma das vítimas, ou seja, um tipo de
notificação de alerta, que não é público, destinando-se apenas às forças
policiais. Porém, nesta campanha são divulgados detalhes de cada caso,
incluindo imagens de reconstrução facial e objetos ou marcas pessoais, na “esperança
de que alguém os possa reconhecer” e ajude na identificação das mulheres.
No site da
campanha, é possível ver esses elementos.
A Interpol apelava
a quem tenha tido “amiga, familiar ou colega que desapareceu subitamente” que entrasse
no site, a ver se reconhecia alguns
desses elementos ou se tinha alguma informação. Sendo o caso, é pedido que seja
contactada a unidade policial encarregue do caso, através do formulário
associado às imagens disponibilizadas. Junto destas são divulgadas caraterísticas
das vítimas que as autoridades já conseguiram apurar, como o ano em que terão
nascido, a idade que teriam, quando morreram, ou a data e o local em que os
corpos foram encontrados, assim como traços fisionómicos.
O organismo
policial internacional pediu a celebridades dos três países em causa para
participarem na campanha. Suspeita-se que a maioria das vítimas seja de casos
arquivados. Algumas das mulheres terão sido traficadas da Europa de Leste.
Foram enterradas em covas rasas ou improvisadas e terão sido transportadas para
esses locais, para dificultar a investigação criminal. E a Interpol espera que
a publicação de imagens das mulheres e do pouco que se sabe delas lhe permita
obter mais informações junto do público e identificar estas mulheres.
É a primeira
vez que informação tão sensível está a ser tornada pública, mas a polícia
sustenta que estabelecer as identidades das vítimas pode levar à detenção de
suspeitos.
***
Voltando ao caso
paradigmático de Rita Roberts. Pouco tempo
depois de se mudar de Cardiff, no Reino Unido, para os Países Baixos, a família deixou de
receber as suas cartas e postais.
No início, não suspeitou de nada.
Era o começo dos anos 90 e não se podia pegar no telefone ou perguntar como
estava alguém através de uma aplicação de mensagens. Passaram-se semanas e, depois, meses, sem notícias.
Rita tinha
30 e poucos anos. Conhecia bem os Países Baixos, pois já os tinha visitado,
muitas vezes, antes de se mudar. Apesar da hipótese de estar apenas a tentar
construir uma vida própria ou a desfrutar de estar fora da sua cidade natal
para sempre, existia algum sobressalto.
Em outubro
de 1992, um avião da El-Al embateu num edifício residencial, em Amesterdão, e a
família de Rita passou a acreditar que ela poderia estar entre as vítimas por
identificar. Porém, a sua irmã Donna não estava convencida. O instinto
dizia-lhe que essa não era a resposta. “Era mais fácil pensar que ela tinha
morrido naquele acidente de avião do que deixar a nossa mente ir para sítios
sombrios”, dizia Donna, irmã de Rita Roberts, conjeturando: “Talvez ela se
tenha fartado desta família, foi-se embora, casou com esta pessoa, foi ter
filhos – seguiu com a sua vida.”
Entretanto,
a família Roberts começou a ouvir todo o tipo de hipóteses, segundo as quais
ela tinha sido vista em lugares tão distantes como Marrocos. Donna iniciou uma
investigação por conta própria. Bateu a todas as portas, desde o Crimewatch da BBC, ao Exército de Salvação a
solicitadores em Roterdão – outro local para onde Rita se poderia ter mudado –
na esperança de encontrar a irmã. No entanto, não havia nada.
A dolorosa
procura de respostas arrastou-se até 2023, quando a operação “Identify
Me” (“Identifique-me”) tornou
públicos 22 casos de mulheres mortas não identificadas.
No espaço de
dois dias, a família de Rita viu
numa reportagem a imagem da tatuagem de uma rosa que lhe era
familiar. Contactaram a Interpol e
o corpo de Rita foi identificado.
Rita fora
encontrada em Antuérpia, em 1992, tendo sido violentamente assassinada, mas as
autoridades nunca tinham determinado quem ela era. Agora, a Interpol decidiu
ampliar esta iniciativa, pedindo a todos os cidadãos do Mundo que ajudem a
identificar 46 mulheres – muitas delas presumivelmente assassinadas – em seis
países europeus.
O que era,
originalmente, iniciativa belga, neerlandesa e alemã foi alargada à França, à Itália
e à Espanha, onde as autoridades acreditam que as respostas aos casos podem
estar além-fronteiras.
A Interpol e
as autoridades nacionais fizeram tudo o que estava ao seu alcance, desde
análises de ácido desoxirribonucleico (ADN) e dados biométricos a exames de ressonância magnética e inteligência
artificial (IA). Agora, é a vez dos cidadãos. Enfim, “uma memória, uma dica, uma história partilhada”.
“O objetivo
da campanha ‘Identifique-me’ é simples. Queremos identificar as mulheres
mortas, dar respostas às famílias e fazer justiça às vítimas. Mas não podemos
fazer isso sozinhos”, disse Jürgen Stock, secretário-geral da Interpol, considerando:
“É por isso que estamos a apelar à comunidade para que se junte a nós neste
esforço. A sua ajuda pode fazer a diferença. Mesmo a mais pequena informação
pode ser vital para ajudar a resolver estes casos arquivados. Quer se trate de
uma memória, de uma dica ou de uma história partilhada, o mais pequeno pormenor
pode ajudar a descobrir a verdade. Esta pode ser a chave para desvendar um
nome, um passado e para fazer justiça há muito esperada.”
Segundo Aleksander Brezar, “a consulta dos materiais fornecidos pela Interpol
está longe de ser fácil. Ao folhear as fichas, cada caso deixa-nos com perguntas:
Como é que esta mulher morreu? Quem a matou e porquê?” De acordo com a polícia,
os rostos reconstruídos parecem olhar diretamente para o espectador, alguns
deles quase sorriem – chocante contraste com o facto de muitas das vítimas
terem sido encontradas em estado tal que os investigadores tiveram dificuldade
em reunir uma imagem útil. Por isso, em alguns casos, optou-se pela utilização
de fotografias de objetos encontrados com os corpos: um anel com uma inscrição,
uma peça de roupa colorida, um saco de viagem preto onde foi encontrado um dos
corpos das vítimas. E, nalguns casos, há apenas uma tatuagem, como a que serviu
para identificar Rita Roberts.
Embora a
informação de que dispõem seja, por vezes, apenas um fragmento, os peritos da sustentam
que pode ser suficiente para avivar a memória de alguém ou para levar os familiares
a contactá-los. Todas as dicas são
bem-vindas. Em 2023, os investigadores receberam cerca de duas mil dicas
e três milhões de visitas à página online.
Desta vez, esperam atrair um interesse muito maior e estão a acolher todas as
sugestões dos cidadãos, por mais insignificantes pareçam. “Temos três ou quatro
tipos de dicas que recebemos”, disse à Euronews
François-Xavier Laurent, da unidade de ADN da Interpol.
Segundo Laurent,
o primeiro tipo é de pessoas próximas de quem desapareceu. Veem a fotografia de
um objeto ou do rosto de alguém e escrevem a dizer: ‘Pode ser a minha mãe, pode
ser a minha irmã, pode ser o meu filho’. O segundo tipo é de quem não conhece
diretamente a pessoa, mas viu caso de pessoa desaparecida na web ou pesquisou no Google, e tenta ajudar a polícia ou encontrou uma pista. E o resto
das mensagens pode ser informação sobre algo que foi visto numa fotografia, por
exemplo, um tipo de joias ou brincos e depois dizem que têm um parecido,
comprado na loja X, no país Y, na data Z. Por isso, talvez isto possa ajudar e, às vezes, ajuda.
Ao invés do
que sucede na ficção, em que os detetives duros torcem o nariz, ao serem
abordados por detetives amadores da Internet,
na vida real, a Interpol quer ouvir toda a gente. “Não hesitem em contactar-nos
com quaisquer pistas, porque analisamos todas as mensagens e acreditamos,
realmente, que o cidadão comum pode ajudar-nos a encerrar alguns destes casos”,
apelou Laurent.
Algumas
mulheres foram assassinadas em local muito remoto, não tendo quase nada com
elas. Não há nenhuma pista que possa ajudar na identificação. Contudo, a
polícia acredita que, “algures no planeta, alguém sabe alguma coisa”. Nas
imagens de família em VHS fornecidas por Donna Roberts, é possível identificar,
imediatamente, Rita, uma mulher jovem e sorridente, quando ela entra na sala e
se senta no sofá. Pouco depois, um cão com uma barba de chocolate vem ter com
ela e sobe para o seu colo. Todos na sala se riem. “A Rita era uma mulher dura
e independente, que não aceitava disparates. Defendia a família e os amigos”,
diz Donna, acrescentando: “Tinha uma personalidade alegre, a sua vida era cheia
de cor e ela trouxe cor à minha vida. […] Ela será sempre uma parte da pessoa
que sou hoje.”
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O
secretário-geral da Interpol classificou, a 27 de novembro de 2023, o “crime
organizado transnacional” como uma epidemia tão grave que constitui uma “emergência
de segurança global”. Jürgen Stock explicava que o “crime organizado está
a minar sociedades e empresas”, pelo que todos os países devem estar empenhados
no seu combate.
Este
responsável falava um dia antes do 100.º aniversário do organismo internacional
e prometia apresentar a “Declaração de Viena”, para combater esta crise.
Para fazer
face ao aumento dos crimes transfronteiriços, Jürgen Stock apelava a “mais
e não a menos cooperação internacional”, apontando, como ponto de partida, as
19 bases de dados mundiais do organismo que lidera.
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A Interpol
foi fundada em 1923, em Viena. Na altura, chamava-se Comissão Internacional de
Polícia Criminal (ICPC). Após a Segunda Guerra Mundial, passou a
designar-se Interpol e adotou uma nova Constituição.
Em sintonia
com a Interpol, a União Europeia (UE) dispõe da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial, também
conhecida como Europol, com sede
em Haia, nos Países Baixos. É a agência da força de aplicação da
lei da UE, formada em 1998, para lidar com a inteligência criminal e
combater o grave crime organizado internacional e o terrorismo, através
da cooperação entre as autoridades competentes dos estados-membros da UE.
Não tem poderes executivos e os seus funcionários não têm o direito de prender suspeitos
ou de agir sem a aprovação prévia das competentes autoridades dos
estados-membros da UE.
Não é por falta de polícia que a inteligência criminal, o
crime organizado e o terrorismo levam a melhor, tantas vezes. O problema, na
minha opinião, está nalguma ineficácia dos serviços secretos (às vezes, com
divergências entre eles) e na lentidão da Justiça.
2024.10.08
– Louro de Carvalho
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