Luís Montenegro, líder reeleito do Partido Social
Democrata (PSD), terminou a primeira intervenção no 42.º Congresso, com implícita
referência aos últimos três primeiros-ministros do Partido Socialista (PS), proclamando
que “não somos descendentes nem de pântanos, nem de bancarrotas, nem de
empobrecimentos”. A isso contrapôs o “sentido de Estado de Francisco Pinto
Balsemão, o transformismo de Aníbal Cavaco Silva, o patriotismo de Durão
Barroso e de Pedro Santana Lopes, a coragem de Pedro Passos Coelho e os valores
sociais-democratas de Francisco Sá Carneiro”. Não milito no PS, nem combato o
PSD. Se fosse militante do PS, destruiria – ou, ao menos, minimizaria – a narrativa
da exclusividade do pântano, da bancarrota e do empobrecimento atribuídos, em
exclusivo, ao PS.
Sobre Francisco Sá Carneiro, penso que não sabemos
aferir da sua capacidade de estadista, pois o seu governo durou pouco mais de
um ano. Quanto a valores professados, entroncam na doutrina social da Igreja
(DSI), com forte componente personalista e humanista. Porém, albergou alguns
contravalores, por exemplo, excessivo dirigismo e alguma desvalorização dos
líderes interinos do seu partido, como recusou apresentar a demissão com a
mudança de legislatura, em 1980.
Porém, recordo que o Presidente da República, Ramalho
Eanes, no discurso de posse do primeiro Executivo da Aliança Democrática (AD)
referiu que o governo dispunha de todas as condições políticas e económicas
para governar. Tinham os dois governos presididos por Mário Soares (o segundo
com a participação do CDS – Centro Democrático Social) suscitado a intervenção
do Fundo Monetário Internacional (FMI), para equilibrar as contas e dar ânimo
economia, ambas esfaceladas pela dinâmica revolucionária e pelos custos da
transferência e da integração de cerca de meio milhão de cidadãos que viviam
nas antigas colónias, no que sobressaiu o apoio de instâncias internacionais,
nomeadamente o Programa Mundial Alimentar da Organização das Nações Unidas
(ONU). Os governos provisórios, com exceção do 4.º, tiveram a participação também
de elementos do PSD.
Do “sentido de Estado de Francisco Pinto Balsemão”, devo
referir que sucedeu, no governo (1981-1982), a Sá Carneiro, por trágica morte
deste, e que a sua governação caiu por interno desentendimento na AD.
Seguiram-se três governos de iniciativa presidencial. Contas e economia tiveram
de ser refeitas pelo FMI, a pedido de um governo liderado por Mário Soares, em
que participou o PSD (bloco central). Portanto, as duas primeiras intervenções
do FMI não foram causadas, em exclusivo, pelo PS. O patriota Durão Barroso,
depois de ver armas de destruição massiva no Iraque, deixou o governo de
Portugal e foi presidir à Comissão Europeia, ficando o Presidente da República,
Jorge Sampaio, com a cabeça em água e país no pântano santanista (sobretudo por
culpa dos barões do PSD, que Santana Lopes não soube tornear).
A intervenção da
troika (formada pelo FMI, pela Comissão Europeia e pelo Banco Central
Europeu), em 2011, resultou, obviamente, da governação de maioria absoluta do
então líder do PS, enaltecida pelo seu partido, mas também por quase toda a
direita portuguesa. O próprio Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva,
mais tarde, confessou nunca ter encontrado nada de ilegal na ação governativa
de José Sócrates. Não obstante, é de situar a governação socialista de então no
quadro da crise financeira com origem norte-americana, que foi alastrando para
o resto do Mundo, mormente para a Europa, afetando as economias dos países do
Sul, que, além de verem os seus cidadãos acusados de viverem acima das suas
possibilidades, foram explorados até ao tutano, para a banca dos países do
Norte e do Centro da Europa não entrar em colapso.
Entretanto, a princípio, as instruções da Comissão
Europeia e do Banco Central Europeu (BCE) eram no sentido do incentivo ao
investimento público e privado, a que o governo não soube opor-se; depois, veio
a ordem de restrições. E a intervenção da troika
impôs um ajustamento económico e financeiro, acordado e subscrito, por
elementos do governo (já minoritário) e da oposição. Nesse contexto, Passos
Coelho prometeu governar além da troika
e só não foi mais longe, porque foi travado pelo Tribunal Constitucional (TC).
Assim, mesmo a gravosa intervenção da troika não foi da exclusiva
responsabilidade do PS.
Quanto aos governos de que é herdeiro Luís Montenegro,
ressalta, no negativo, um conjunto de “benefícios” (?) para a população, como: a
extinção de boa parte da ferrovia; um grande painel de privatizações,
alegadamente, porque o setor privado gere melhor do que o Estado (banca,
seguros, meios de comunicação social, transportadoras, etc.); empobrecimento da
marinha mercante e da marinha de pesca; agonia da agricultura; minimização das
forças armadas; neutralização, na prática, da regionalização; desvalorização
dos estatutos dos servidores do Estado, sobretudo com Passos Coelho (na
sequência de medidas de Durão Barroso e de Sócrates); e privatização de setores
estratégicos (Cimpor, EDP, REN, ANA, CTT, TAP, etc.).
Nesse quadro, em 20 anos, Cavaco Silva foi primeiro-ministro
e Presidente da Republica!
Sob o patrocínio de personalidades do PSD, criaram-se
bancos cujo desfecho foi dramático.
Tem razão Luís Montenegro, ao afirmar que “as pessoas
estão fartas de intrigas, de truques e de malabarismos”, urgindo uma política
que envolve “ouvir, refletir, pensar, e, depois, decidir, com responsabilidade,
coragem e sentido de justiça”, reconhecendo que “não acertamos sempre, mas
também não andamos aos ziguezagues”. Porém, aí, o primeiro-ministro e o seu
governo não serão exemplo a seguir. Basta recordar o que prometeu sobre o
aumento das pensões mais baixas, para vir esclarecer que se referia ao
complemento solidário para idosos (CSI), ou o que propalou o ministro da
Presidência, ao garantir que não é necessário o mestrado em Direito para
candidatura a juiz e, depois, vir a saber-se que é necessária a licenciatura de
cinco anos (pré-Bolonha) e a parte curricular do mestrado.
***
Entretanto, sabe-se que o governo vai pedir à
Assembleia da República (AR) autorização de nova despesa de cerca 200 milhões
de euros com bancos privados falidos (o setor privado, afinal, não gere melhor
do que o setor público), nomeadamente, o Banco Português de Negócios (BPN) e o Banco
Internacional do Funchal (Banif).
É mais do
que custará a recuperação integral do tempo de serviço dos professores no
próximo ano (177 milhões de euros), segundo a proposta de Orçamento do Estado
para 2025 (OE 2025).
Todos os anos, desde a crise financeira de 2008, os
sucessivos governos têm inscrito previsão de despesa muito avultada nos OE para
salvar ou para apoiar bancos. A conta já ultrapassa, largamente, 20 mil milhões
de euros. O OE2025 não é exceção: de acordo com um levantamento feito pelo DN/Dinheiro Vivo aos mapas da proposta
orçamental, o governo pedirá autorização à AR para fazer nova despesa com
restos de bancos privados, que faliram, no valor de 199,3 milhões de euros, uma
verba para continuar a apoiar cinco veículos financeiros que carregam os
destroços de dois bancos que faliram há muitos anos: BPN, falido e nacionalizado,
em 2008; e o Banif, falido e resolvido, em 2015.
É do universo BPN, grande devedor da Caixa Geral de
Depósitos (CGD), que continuam a vir os maiores prejuízos e pressões para o
erário público. No OE 2025, o governo inscreveu a despesa de 101,5 milhões de
euros para a Parvalorem, veículo financeiro que ficou com vários ativos
problemáticos do banco de José Oliveira Costa, designadamente, uma carteira de
imóveis, muitos de difícil recuperação e sem grande valor. Além disso, os
restos do BPN foram depositados em mais duas sociedades, a Parparticipadas e a
Parups, que não constam dos mapas deste OE, já que a Parparticipadas foi
“incorporada na Parvalorem”. Para o Banif, fundado por Horácio Roque, o OE
prevê a despesa de 61,8 milhões de euros com a Oitante, veículo financeiro que
carrega os ativos menos bons e tóxicos que o Santander Totta não quis comprar,
aquando da resolução. Em todo o caso, esta sociedade tem conseguido entregar
lucros ao Fundo de Resolução (FdR), mas precisa de fundos públicos para se manter
à tona, como provam os sucessivos orçamentos.
O OE 2025 prevê, ainda, gastar 32,9 milhões de euros
com a Banif Imobiliária e mais um milhão de euros com a firma Banif, SA. Tudo
considerado dá os referidos 199,3 milhões de euros.
Pedir dinheiro à AR para segurar restos de bancos não
existentes não é originalidade do governo da AD. Por exemplo, o governo PS
inscreveu no OE 2024 (hoje em vigor) 294,4 milhões de euros por conta dos dois
universos em questão, BPN e Banif. O OE2023 previa gastar 476,9 milhões de
euros com os mesmos veículos financeiros. E, em 2023, houve uma péssima notícia
para os contribuintes, conhecida no final de março de 2024, quando o Instituto
Nacional de Estatística (INE) divulgou a primeira notificação do Procedimento
dos Défices Excessivos, revelando que os contribuintes perderam 915,9 milhões
de euros de uma assentada por conta do BPN, além das perdas estimadas inicialmente
para a carteira do BPN.
Este resto de BPN é, no atinente aos apoios do setor
financeiro, o segundo elemento mais ruinoso para as contas, a seguir à dupla
BES/Novo Banco. Compreende-se a razão: o Banco Espírito Santo (BES) era um dos
maiores bancos privados e tinha grande escala internacional. Segundo o Tribunal
de Contas (TdC), que faz o apuramento (banco a banco) do custo efetivo imputado
aos contribuintes no âmbito do parecer à Conta Geral do Estado, coloca o custo
com o BPN, banco de pequena-média dimensão, nuns astronómicos seis mil milhões
de euros. Porém, a liderar, continua o BES, que faliu com estrondo, em 2014,
tendo sorvido já 8,3 mil milhões de euros ao erário público. O Banif, outro
banco que era de média dimensão, custou, até agora, 2,9 mil milhões de euros ao
Estado desde que foi “resolvido”.
Além do gasto associado ao BPN, o INE revelou que, em
2023, ocorreu mais uma ajuda prevista ao Novo Banco (NB), a marca herdeira do
antigo BES, no valor de “117 milhões de euros associados à conversão de ativos
por impostos diferidos (DTA) do NB em crédito tributário reembolsável”. muitos
políticos – do PS, do PSD e do CDS – tinham ótima relação com o BES.
Em 2023, o agravamento no custo com apoios ao setor
financeiro passou quase despercebido, já que ficou diluído num ano de excedente
orçamental recorde, que chegou a 3247 milhões de euros, o equivalente a 1,2% do
produto interno bruto (PIB). Sobre a situação deste ano, a execução das despesas
previstas no OE 2024 e eventuais surpresas como novas “perdas adicionais de
créditos não passíveis de recuperação” decorrente da operação Parvalorem, nada
se sabe. Devemos esperar até final de março de 2025. De 2010
a 2023, despesa pública com o setor financeiro ascende a 24,6 mil milhões de euros,
mais de 9% do PIB (em 2023).
O BPN já
custou aos contribuintes mais de 6 mil milhões de euros, apesar de, na altura
do colapso por gestão ruinosa ser considerado banco de pequena-média dimensão. Estava
ligado a personalidades de alto perfil da área do PSD (José Oliveira Costa,
antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e Manuel Dias Loureiro, antigo
ministro das Administração Interna). Foi nacionalizado, em 2008, pelo então
governo do PS, de José Sócrates. Na altura, o ministro das Finanças, Fernando
Teixeira dos Santos, alegou que havia “risco sistémico”, para o setor bancário
como um todo, se se deixasse cair o BPN. Como, então, não havia mais
ferramentas para amparar bancos, nacionalizou-se.
Em 2014,
cairia com estrondo um dos maiores bancos privados de Portugal, o BES, que foi
separado em dois bancos. Um mau, outro menos mau, o NB. Nesse ano, procedeu-se
à inclusão de 4,9 mil milhões de euros relativos à capitalização do NB, como
transferência de capital. Foi o primeiro grande apoio dos contribuintes ao
resto do império de Ricardo Salgado, com 5,1 mil milhões de euros em prejuízos
para o OE. Em 2015, foi-se outro banco de pequena-média dimensão e ficaram os
contribuintes a pagar o resultado da destruição. De facto, em dezembro de 2015,
no contexto da resolução do Banif, houve um apoio público, na forma de injeção
de capital, de 2255 milhões de euros, dos quais 489 milhões de euros pelo FdR,
entidade incluída no setor institucional das administrações Públicas (AP), e
1766 milhões de euros diretamente pelo Estado.
No final de
2015, o défice gerado pela banca ascendeu a 2,8 mil milhões de euros, o
terceiro maior de sempre. Anos mais tarde, haveria a recapitalização da CGD,
que incorporou pesadas perdas por causa do BPN, no início. Porém, ao invés dos
outros, que são privados, os contribuintes foram chamados a apoiar o seu banco,
o banco público. O impacto da operação de recapitalização da CGD ascendeu a
3944 milhões de euros, o que deu no agravamento da necessidade de financiamento
das AP, em 2% do PIB, segundo o INE. Não fora isso e Portugal teria, nesse ano,
um dos défices mais baixos de sempre, cerca de 1%, com os cidadãos premidos
pela troika.
***
No âmbito do processo
de julgamento do caso BES, José Maria Ricciardi, ex-presidente
do Banco Espírito Santo Investimento (BESI), disse que o BES era sólido e,
pondo as culpas no Banco de Portugal (BdP) sustentou que, “se
não se tivesse feito a resolução e se tivesse emprestado quatro ou cinco mil
milhões, o BES tinha sobrevivido e hoje era um banco ótimo”.
Segundo dados do INE, a despesa pública líquida no apoio ao setor
financeiro, ou seja, o gasto total, descontando o pouco que o Estado ganhou em
juros, comissões e dividendos, chegava para financiar o Plano de Recuperação e
Resiliência (PRR), avaliado em 22,2 mil milhões de euros.
Enfim, os governantes não podem assobiar para o lado como, alegadamente,
fez o BdP; e todos somos lesados do BPN, do Banif, do BES e da CGD. O dinheiro
público investido na banca é dos contribuintes, das mesas dos cidadãos, algumas
delas bem magras!
2024.10.19 –
Louro de Carvalho
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