O explorador do
século XV Cristóvão Colombo era
um judeu sefardita da Europa Ocidental, segundo anúncio feito por cientistas
espanhóis, a 12 de outubro, depois de usarem análise de ácido
desoxirribonucleico (ADN ou DNA), para resolver o mistério de
séculos.
Vários países já
debateram sobre as origens e o local final de sepultamento da polémica figura
que liderou expedições financiadas pela Espanha a partir da década de 1490,
abrindo caminho à descoberta e à conquista europeia das Américas. E diversos historiadores já
questionaram a teoria tradicional de que Colombo viera
de Génova, na Itália. Outras teorias chegaram a sugerir que ele poderia ser um
judeu espanhol, grego, basco, português, britânico ou de outros países.
Para resolver
o mistério, os investigadores conduziram uma investigação de 22 anos, liderada
por José António Lorente, cientista
forense e professor de Medicina Legal na Universidade de Granada, testando pequenas
amostras de restos mortais enterrados na Catedral de Sevilha, há muito
definida pelas autoridades como o último local de descanso de Colombo, embora tenha havido alegações contrárias.
Compararam essas amostras com as de parentes e descendentes conhecidos e os
resultados foram divulgados no documentário intitulado “DNA de Colombo: a
verdadeira origem”, transmitido pela emissora nacional espanhola TVE no dia 12.
Realizado por
Regis Francisco López, o documentário baseia-se numa investigação científica e
histórica de 22 anos e foi anunciado como um thriller documental que revelará a
verdadeira origem do explorador.
Cerca de 300 mil judeus viviam na Espanha antes de os
“Reis Católicos”, Isabel e Fernando, ordenarem que judeus e muçulmanos se
convertessem à fé católica ou deixassem o país. Muitos estabeleceram-se no Mundo.
O termo “sefardita” vem de “Sefarad”, ou Espanha, em Hebraico.
Após analisar 25 locais possíveis, Lorente disse que
só é possível afirmar que Colombo nasceu na Europa Ocidental. Já no
dia 10, referira que haviam confirmado teorias anteriores de que os restos
mortais na Catedral de Sevilha lhe pertenciam. “Temos ADN de Cristóvão Colombo, muito
parcial, mas suficiente. Temos o ADN de Hernando Colón, o seu filho”, disse
Lorente, para quem “tanto no cromossoma Y (masculino) como no ADN mitocondrial
(transmitido pela mãe) de Hernando, há traços compatíveis com a origem judaica”.
A pesquisa da nacionalidade de Colombo foi
complicada por vários fatores, incluindo a grande quantidade de dados, mas “o
resultado é quase absolutamente confiável”, segundo Lorente.
Colombo morreu em Valladolid, na Espanha, em
1506, mas desejava ser enterrado na ilha de Hispaniola, hoje compartilhada pela
República Dominicana e pelo Haiti. Os seus restos mortais foram levados para lá,
em 1542; depois, foram transferidos para Cuba, em 1795; e, depois, para Sevilha,
em 1898. No entanto,
a descoberta de um caixão
de chumbo com ossos que se acreditava serem de Colombo na República Dominicana,
em 1877, complicara as coisas e levou os dominicanos a afirmarem que os restos
mortais, em Sevilha, eram de Diego, filho de Colombo.
***
A origem
de Cristóvão
Colombo é
enigmática. Fernando Colombo (batizado Hernando Colón, em Espanha), seu filho, na Historia
del almirante Don Cristóbal Colón, eclipsou-lhe a pátria e origem,
afirmando que o pai não queria que fossem conhecidas tais informações, o que originou
múltiplas teorias sobre o lugar do seu nascimento.
Essas teorias baseiam-se na existência de
portuguesismos em seus escritos, na interpretação do anagrama da
assinatura de Colombo, nos topónimos que o navegador deu às terras que
descobriu, num documento da corte de Castela em que lhe chamam “português” e
nas palavras do próprio, que escreveu à corte de Castela, chamando a Portugal
“mi tierra”. Ramón Menéndez Pidal confirmou tais portuguesismos, contra os
que diziam serem galeguismos ou catalanismos. Porém, António Romeu de Armas justificava
os portuguesismos não por ter nascido em Portugal, mas pelos vários anos que
permaneceu no país. Vários, como Manuel da Silva Rosa, aduzem que
Colombo usava o Português como língua materna e que oito anos de residência em
Portugal seriam insuficientes para lhe dar por materna a Língua Portuguesa.
Havia conjeturas que apontavam para uma origem
sefardi. Para Salvador Madariaga, Colombo seria genovês, mas os seus
ascendentes seriam judeus catalães que fugiam da perseguição do final
dos século XIV. Colombo seria um judeu convertido, o que explicaria o
empenho em ocultar as origens, teoria desacreditada, porque os monarcas de
Castela ajudaram a ocultar as origens.
A ideia de que Colombo teria nascido em Portugal
surgiu em 1915. Até então, os autores, incluindo os cronistas coevos, o
consideravam italiano ou genovês, embora Waldesemuller tenha adicionado, no seu
segundo mapa, que era um “capitão Português”.
Em 1915, numa conferência apresentada à Academia
das Ciências de Lisboa, Patrocínio
Ribeiro defendeu a hipótese de Colombo ser natural de Portugal, em reação
à preleção feita, em 1914, por D. Enrique de Arribas y Turull, na Sociedade
de Geografia de Lisboa, sustentando que Colombo era galego, com base em
documentos pretensamente encontrados em Pontevedra por Celso García de la
Riega, mas que, em 1917, Eladio Oviedo Arce demonstrou ser
falsa.
Em 1927, o artigo de Patrocínio Ribeiro é reeditado,
postumamente, como monografia, com alterações, concluindo-se que Colombo é
natural de Colos, no Alentejo e que o seu nome é Cristóvão
de Colos. O livro inclui um estudo cabalístico da assinatura de
Colombo feito pelo médico Barbosa Sueiro, abrindo caminho para outro tipo
de abordagens.
Arribas y Trull apresentara um rol de topónimos dados
por Colombo às terras que descobriu no Novo Mundo, fazendo-os corresponder
a topónimos galegos, para demonstrar que Colombo teria dado às terras que
descobriu os nomes da sua terra, afirmando que não deu nenhum topónimo
português ou italiano às suas descobertas, embora reconheça que não se pode
fazer história com base em homonímias.
Ora, a demonstrar a fragilidade da argumentação de
Arribas, Patrocínio Ribeiro repete
o mesmo exercício, mas com topónimos dados às terras a que os Portugueses
chegaram no Atlântico anteriores às viagens de Colombo e faz o mesmo exercício
com terras do Alentejo, concluindo que os nomes atribuídos pelo almirante são
alentejanos, e que, portanto, essa era a sua terra. Diz, erradamente, que Rui
de Pina e João de Barros não fazem menção à naturalidade de Colombo, escrevendo
que, em Portugal, “não há, em cronistas, nem em documentos inéditos, referência
alguma aos Colombos italianos, ou aos Colons, espanhóis” e que Rui de Pina e
João de Barros só se referem a Cristóvam Colombo pelo feito que o celebrizou,
mas “duma forma muito breve e vaga”. Continuou com uma afirmação algo confusa,
como o notou Luís de Albuquerque, escrevendo: “Pela primeira vez, eu vou
procurar explicar, pelo lado mais racional, essa saída misteriosa de Colombo do
nosso país, baseando-me, exclusivamente, na teoria das hipóteses onde, de
resto, se tem baseado, também, toda a enorme bibliografia colombina, como é
notório.”
Toma como certa a cronologia colombina, faz cálculos
para determinar o ano de 1483 como o da saída do navegador de Portugal e
especula sobre as intenções do futuro almirante, declarando que se disfarça de
genovês, de vendedor de livros e de mapas, para aceder à casa de Medinaceli. Refere
a conspiração de 1484 contra D. João II, à qual associa Colombo, razão por que
terá mudado o nome para o genovês Colomo.
É o envolvimento nessa conspiração que explica a carta
do monarca ao navegador datada de Avis, de 20 de março de 1488 e na qual Patrocínio Ribeiro – que a transcreve
com erro de leitura logo no apelido do navegador – vê um salvo-conduto “concedido
a quem tinha culpas muito graves no cartório régio”, mostrando que o rei se
dirigia “a um vassalo seu que residia no estrangeiro”.
Também em 1927, é publicado um pequeno estudo de Moses B. Amzalak sobre a
assinatura do navegador, no qual, em vez de nela procurar significados a partir
do Latim ou do Grego, busca, no Hebraico, a forma de a decifrar e, assim, saber
quem era Cristóvão Colombo.
Em 1928, aparece novo livro a defender a ideia dum
Colombo português. Pestana Júnior recusa
a explicação de Ribeiro e tenta demonstrar, por complicada interpretação da
assinatura de Colombo, que o almirante, sendo português, é Simão Palha.
Muitos outros autores foram contribuindo com
diferentes e até contraditórias ideias em defesa da naturalidade portuguesa do
descobridor do Novo Mundo. G. L.
dos Santos Ferreira e António Ferreira de Serpa apresentam-no
como Salvador Gonçalves Zarco, filho ilegítimo de D. Diogo, Duque de
Viseu (vítima do punhal do rei D. João II, em 1484) e de uma filha
de João Gonçalves Zarco. Mais
recentemente, há autores a dizê-lo de Cuba, no Alentejo, e que o seu
nome é Salvador Fernandes Zarco, como sustenta Mascarenhas Barreto – ideia popularizada pelo jornalista e romancista José
Rodrigues dos Santos.
Manuel da Silva Rosa sustenta que Cristóvão Colombo é o pseudónimo de
Segismundo Henriques, filho de Henrique Alemão e da esposa Senhorinha
Annes, teoria que parece resolver o enigma, de forma coerente. O autor teoriza
ter sido Senhorinha Annes de Sá
Colonna, tetraneta de Cecilia Colonna, filha ilegítima do senador
Giacomo Sciarra Colonna.
Segismundo descenderia da linhagem antiga romana dos Colonna, pois os Reis da
Polónia eram tidos como descentes do mesmo General Romano, tronco da família
Colonna. O Papa Martinho V (Otto Colonna) escreveu, em 1424, ao
rei Ladislau II da Polónia (pai de Ladislau III e avô de Segismundo
Henriques) que ambos descendiam do mesmo tronco romano Columna. Segundo teorias da época e uma carta encontrada, no
Século XX, nos arquivos dos Cavaleiros Teutónicos, Ladislau III não morreu
em Varna, mas viveu exilado em Madalena do Mar, na Ilha da
Madeira. Assim, o mistério em volta da identidade de Colombo terá sido construído
com o intento de proteger a identidade do pai, Ladislau III.
No seu primeiro livro, Manuel da Silva Rosa dissecara a teoria de Mascarenhas Barreto e
de outros, explicando algumas dúvidas nessa teoria, e apresentava a possibilidade
de Colombo ser Segismundo Henriques. Posteriormente, revisitou a teoria com a
possibilidade de o almirante ser D. Diogo, Duque de Viseu, embora o seu pendor continuasse focado em Segismundo Henriques como
a pessoa que assumiu o nome de Cristóbal Colón, em Castela.
Manuel Rosa superou Patrocínio Ribeiro, mostrando uma
lista de cerca de 80 nomes tão portugueses, como Caxinas, Cabo de Lapa,
Natividade, Vale do Paraíso, Cabo Talhado e Cabo Agulhas (os dois últimos
usados por Bartolomeu Dias na descoberta do Cabo da Boa Esperança). Outro
facto evocado por Manuel Rosa são as palavras de Colombo “Lembrem-se Vossas Altezas que eu deixei
mulher e filhos e vim da ‘minha
terra’ para os servir”, escritas desde Lisboa, a 4 de março
de 1493, quando regressava da viagem de descoberta. Como Colombo nunca saiu de
Itália, mas de Portugal, para servir em Espanha, e como só estava casado em
Portugal com Filipa Moniz, essa ‘minha terra’ refere-se a Portugal.
O documento “Fundación de Mayorazgo”, onde Colombo ‘declara’
a naturalidade genovesa, terá sido motivado, segundo alguns autores e
investigadores, pelos pleitos que mantiveram os seus descendentes com
a coroa, pelo que o têm por falso ou apócrifo, embora outros investigadores do
início do século XX hajam encontrado, no Arquivo Geral de Simancas, documentos
que, segundo eles, mostravam a autenticidade daquele documento. Porém, Manuel
Rosa apresenta evidências que provam que a “Fundación de Mayorazgo”, com data inicial de 1598, sendo depois um
“4” escrito por cima do “5”, fora inventada por Baltasar Colombo, litigante no
Pleito do Ducado de Verágua, e que o registo no Arquivo Geral de Simancas
se refere à autorização de 1497 para instituir morgado e não a nenhum documento
de 1498. Manuel Rosa apresenta evidências que o Documento Assereto fora
manipulado pelos Genoveses, na publicação de 1904, e evidências que provam que
o Memorial de Pagos sobre os Genoveses “Paolo di Negro e
Lodovico Centurione” não fazia parte do testamento de Colombo de 1506 e que
fora escrito pelo notário Pedro Azcoitia, após a morte de Colombo, tendo a sua autenticidade
sido contestada durante o Pleito do Ducado de Verágua, por haver, no documento,
“uma falsidade manifesta”.
A investigação de Fernando Branco permitiu identificar
o corsário Pedro Ataíde, nobre português, com vida semelhante à de Cristóvão
Colombo.
O historiador peruano Luis Ulloa, que residiu em Barcelona,
durante vários anos, afirmava que Colombo era de origem catalã e
de tradição marítima, pois, em seus escritos, todos em Castelhano, há
expressões linguísticas próprias do Catalão. Foi um nobre catalão que se
chamaria Joan Colom, um navegador inimigo de João II de Aragão,
contra o qual lutou a serviço de Renato de Anjou, aspirante ao trono e que
seria o suposto John Scolvus que havia chegado ao Norte da América, em
1476, e que, posteriormente, ofereceria o projeto de descobrimento a Fernando
Católico para benefício da Catalunha.
Da hipótese catalã surgiram diferentes correntes como
a tese das baleares, uma delas, a maiorquina, identifica Colombo como
filho natural do príncipe de Viana nascido em Felanitx, Maiorca. Porém, Nito
Verdera rejeitou a tese, sustentando que Colombo era cripotojudeu e
nasceu em Ibiza. E Celso García de la Riega sustentava a teoria da origem
galega, baseado em documentos da época colombina, mas, posteriormente,
os estudos do paleógrafo Eladio Oviedo Arce e os da Real Academia de História
concluíram que tais documentos eram falsos ou haviam sido manipulados em
datas posteriores à sua criação. Também surgiram outras teorias sobre outras
possíveis origens espanholas de Colombo: andaluza, sevilhana,
estremenha, placenciana, basca ou de Guadalajara. E outros países competem
ser o berço do almirante, sendo possível a origem grega, a inglesa, a corsa, a
norueguesa, a francesa, a húngara ou a croata.
Também há controvérsia em torno da língua materna de
Colombo, pois, segundo os investigadores, é importante ponto de apoio para uma
teoria sobre a sua cidade natal. Para fixar as suas origens, têm-se dado
motivos para todos os sentidos. A maior parte dos seus escritos estão em Castelhano,
com evidentes expressões linguísticas procedentes de outras línguas da Península
Ibérica, coincidindo muitos, segundo Menéndez Pidal, com portuguesismos.
Porém, vários investigadores e linguistas, tanto da Galiza como
da Catalunha ou das Baleares, apoiam a hipótese de que são galeguismos ou catalanismos.
Não parece haver escritos de Colombo em Italiano, salvo alguma nota marginal,
ao que parece com redação deficiente. E escrevia o Latim com influência
hispânica e não italiana. Historiadores, como Consuelo Varela e Arranz Márquez,
dizem tratar-se de um típico homem do mar que se expressa em diversas línguas,
sem chegar a dominar bem nenhuma, ou que talvez falasse a língua franca ou jerga
levantisca.
***
O novo estudo resolve o problema dos restos mortais,
mas não dirime o da naturalidade. Dizer que é da Europa Ocidental é, realmente,
muito vago.
2024.10.14 –
Louro de Carvalho
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