As eleições legislativas do dia 26 de outubro, na
Geórgia, são consideradas por especialistas como fundamentais para saber se, no
futuro, o país se volta para o Ocidente e entra na União Europeia (UE) ou se torna
a cair na órbita da Rússia.
Segundo a Comissão Eleitoral Central (CEC), o partido
Sonho Georgiano ganhou com 52,99%, com a maioria dos votos contados. Porém, a
oposição pró-europeia contesta os resultados e recusa-se a reconhecer a
derrota, atribuindo-a a “resultados distorcidos de eleições roubadas”.
A recusa da oposição pró-europeia em aceitar os
resultados foi anunciada após as autoridades terem afirmado que o partido no
poder, Sonho Georgiano, liderava a votação. “Não reconhecemos os resultados
distorcidos de eleições roubadas”, declarou Tina Bokuchava, líder do Movimento
Nacional Unido (MNU), numa conferência de imprensa. Por sua vez, o líder do
partido Akhali, também na oposição, denunciou “uma usurpação do poder e um
golpe constitucional”.
A campanha pré-eleitoral no país do Cáucaso do Sul,
com 3,7 milhões de habitantes e que faz fronteira com a Rússia, foi dominada
pela política externa e marcada por acesa luta pelos votos e por alegações de
uma campanha de difamação.
Alguns Georgianos queixaram-se de intimidação e de
terem sido pressionados a votar no Sonho Georgiano, enquanto a oposição acusou
o partido de levar a cabo uma “guerra híbrida” contra os seus cidadãos. E o maior
partido da oposição, o MNU, afirmou que a sua sede foi alvo de ataques no dia
das eleições.
Muitos Georgianos encaravam a votação como decisivo referendo
sobre a oportunidade de aderir à UE. Os números iniciais sugeriam que a
afluência às urnas fora a mais elevada desde que o partido no poder, Sonho
Georgiano, foi eleito, pela primeira vez, em 2012.
A oposição declarou, inicialmente, a vitória pouco
depois do encerramento das urnas, às 20h00.
Confirmada a vitória, o Sonho Georgiano terá a maioria
parlamentar que alimentará os receios quanto à candidatura do país para aderir
à UE, já que o partido se tem tornado cada vez mais autoritário, adotando leis
semelhantes às da Rússia, para reprimir a liberdade de expressão e para
combater a comunidade LGBT.
Em 2023, a UE concedeu à Geórgia o
estatuto de país candidato à adesão, mas a candidatura foi congelada, em
resposta à lei dos “agentes estrangeiros”, aprovada, em maio, pelo Parlamento
georgiano, que exige que os media e
as organizações não-governamentais (ONG) que recebam mais de 20% do seu
financiamento do estrangeiro se registem como agentes de influência estrangeira.
A lei foi criticada pela UE, afirmando que imita a legislação da Rússia. Mas Bidzina
Ivanishvili, fundador do Sonho Georgiano, reivindicou a vitória quase logo após
o fecho das urnas e disse: “É raro, no Mundo que o mesmo partido consiga tal
sucesso numa situação tão difícil.”
Do seu lado, Tina Bokuchava, presidente do partido da
oposição MNU, acusando a CEC de cumprir a “ordem suja” de Ivanishvili, afirmou
que este “roubou a vitória ao povo georgiano e, consequentemente, roubou o
futuro europeu”, pelo que a oposição não reconhecerá os resultados e que “vai
lutar como nunca”, para recuperar o futuro europeu. Com efeito, os observadores
eleitorais georgianos, que colocaram milhares de pessoas em todo o país, para monitorizar
a votação, apontaram múltiplas violações e que os resultados não correspondem à
vontade do povo.
Os media
georgianos informaram que duas pessoas foram hospitalizadas depois de terem
sido atacadas à porta das assembleias de voto, uma na cidade ocidental de
Zugdidi e a outra em Marneuli, cidade a Sul da capital, Tbilisi. Houve relatos
de múltiplas irregularidades na votação. Um vídeo partilhado nas redes sociais
mostrava um homem a colocar os boletins de voto numa caixa numa assembleia de
voto, em Marneuli. O Ministério do Interior da Geórgia declarou ter iniciado
uma investigação. E a CEC indicou que tinha sido aberto um processo criminal e
que todos os resultados da assembleia de voto seriam declarados inválidos.
Antes das eleições parlamentares, Bidzina Ivanishvili –
o bilionário obscuro que criou o Sonho Georgiano e fez fortuna na Rússia –
prometeu, novamente, proibir os partidos da oposição, caso o seu partido ganhasse.
Ora, de acordo com as sondagens, cerca de 80% dos Georgianos
são a favor da adesão à UE e a Constituição do país obriga os seus dirigentes a
aderir a esse bloco e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o que
é contrariado pelos resultados eleitorais.
***
A CEC anunciou, na manhã do dia
27, que o partido no poder, o Sonho Georgiano, obteve
confortável maioria nas eleições do dia 26, com 53,9% dos votos, com base em
99% das mesas de voto contadas, estando ainda por contabilizar os votos da
diáspora georgiana no estrangeiro. E os quatro principais partidos da oposição,
que tinham planeado unir-se para retirar o Sonho Georgiano do poder, reuniram
37%.
O cenário estava montado para a
agitação, já que os quatro partidos da oposição se recusaram, imediatamente, a
reconhecer os resultados, alegando que tinham sido manipulados e falsificados.
Pouco tempo antes de o Sonho
Georgiano reclamar a maioria, os quatro partidos da oposição aplaudiram-se e
felicitaram-se, mutuamente, nas suas sedes, com base em resultados de sondagens
à boca das urnas, que mostravam um resultado dramaticamente diferente.
Uma sondagem da Edison mostrava os quatro
partidos da oposição com 51,9% dos votos e o partido no poder com 40,9%
A CEC afirmou, anteriormente, que 90%
dos votos estariam disponíveis, duas horas após o encerramento das urnas, mas
divulgou os resultados completos várias horas mais tarde.
Os membros dos partidos da oposição
chamaram a atenção para o número inesperadamente elevado de votos no Sonho
Georgiano em zonas, como Tbilíssi, consideradas bastiões da oposição. E uma
sondagem da HarrisX para canais
pró-oposição atribuiu ao partido no poder 42% dos votos e aos grupos da
oposição 48%. “Analisámos os dados destas circunscrições e há uma grande
discrepância, em relação aos dados que temos. Em alguns casos, há zonas em
Tbilíssi onde o Georgian Dream está a ganhar por 45% dos votos, quando sabemos
que a maioria dos votos da oposição veio da capital”, disse à BBC Dritan Nesho, da HarrisX, sobre os
resultados preliminares.
Os partidos da oposição afirmaram que
os resultados foram manipulados, tendo a presidente do MNU afirmado que “não
aceitaremos os resultados destas eleições”, que foram “roubados”.
Vários grupos de observadores
eleitorais afirmaram que se registaram incidentes de violação, no momento em
que os Georgianos votavam. Um vídeo de alguém a encher uma urna de voto, em
Marneuli, tornou-se viral quando a votação estava a decorrer, tendo o
Ministério do Interior anunciado que seria feita uma investigação ao incidente
e que todos os votos dessa assembleia de voto seriam declarados inválidos. E My
Vote, uma missão de observação local composta por várias organizações
da sociedade civil da Geórgia, apelou à anulação dos resultados, com base em
vários incidentes de manipulação dos eleitores e de assédio nas assembleias de
voto.
O Parlamento Europeu
(PE) confirmou que as eleições foram acompanhadas por observadores nacionais e
internacionais, incluindo uma delegação do PE.
O Gabinete das Instituições
Democráticas e dos Direitos Humanos disse à Euronews
que tinha 380 pessoas a observar as eleições, juntamente com outros
observadores internacionais. Os resultados oficiais foram divulgados no dia 27.
O partido no poder e a oposição
enquadraram as eleições nos termos mais duros, com Ivanishvili a acusar, num
comício em Tbilíssi, antes da votação, os partidos da oposição de crimes de
guerra contra o povo georgiano e a afirmar que os proibiria, se o Sonho
Georgiano obtivesse uma maioria constitucional.
A oposição reagiu aos resultados em
termos duros, com o líder da Coligação para a Mudança, Nika
Gvaramia, a afirmar que “as eleições foram roubadas”. E a presidente
do MNU, Tina Bokuchava, acusou a CEC de levar a cabo o
trabalho sujo de Ivanishvili e disse que a oposição iria “lutar como nunca
antes, para recuperar o futuro europeu”.
As eleições foram consideradas pela
oposição como um momento crucial para a adesão da Geórgia à UE. Todavia, o Sonho
Georgiano afirma que está empenhado na adesão da Geórgia à UE, alegando
que quer aderir ao bloco nos seus próprios termos.
Os partidos da oposição, que
subscreveram a “Carta da Geórgia” da presidente Salomé
Zurabishvili, antes das eleições, afirmaram todos que, se
obtivessem a maioria, efetuariam reformas imediatas, para reabrir as
negociações de adesão da Geórgia à UE. No entanto, se a maioria do Sonho
Georgiano se mantiver, não é claro como irão progredir as ambições da Geórgia
em relação à UE. E os líderes europeus têm-se mantido relativamente silenciosos,
em relação aos resultados das eleições, tendo apenas o húngaro Victor
Orbán felicitado o Sonho Georgiano, numa publicação no X.
***
Os resultados baseados no voto eletrónico, que afeta 90% da população,
dão a vitória ao partido Sonho Georgiano, considerado pró-russo. A CEC anunciava, no dia 16, após o encerramento das urnas,
que o partido no poder, obteve 52,99% dos votos, mas ressalvava que o anúncio
era preliminar, depois de 97% dos votos eletrónicos (utilizados por 90% dos
eleitores) terem sido contados. Os Georgianos votaram no interior do país por
via eletrónica e utilizando cédulas de papel, mas nem todos os votos expressos pelos Georgianos no estrangeiro
tinham sido contados.
A presidente da Geórgia, Salomé
Zurabishvili, afirmou, no dia 27, que o país foi vítima de uma “operação
especial” russa, dizendo que não reconhece os resultados da votação, que deu a
vitória ao partido no poder. E, nesta situação, apelou aos Georgianos para que
se manifestassem às 19 horas do dia 28, na rua principal da capital, Tbilíssi,
para protestar contra o resultado, que considerou ser uma “falsificação total,
um roubo total dos vossos votos”.
Os resultados finais foram anunciados
a meio do domingo, dia 27, com uma vitória por 53,9% do Sonho Georgiano.
Entretanto, a Coligação para a Mudança (oposição), que
ficou no segundo lugar, anunciou que desistia dos mandatos parlamentares
ganhos, em protesto contra a alegada fraude nas eleições, de acordo com o
anunciado pela cabeça-de-lista Nana Malashkhia.
Embora os membros da delegação de
observadores tenham afirmado que a votação no dia das eleições foi, de um modo
geral, bem organizada, chamaram a atenção para um ambiente tenso e de pressão,
antes do dia da votação, bem como para vários casos de intimidação e
inconsistências processuais durante o próprio dia.
Em 24% dos casos analisados por uma
delegação do Gabinete das Instituições Democráticas e dos Direitos Humanos
da Organização para a Segurança e a Cooperação (OSCE), o
sigilo dos eleitores foi considerado comprometido. E Antonio López-Isturiz
White, que representou uma delegação de observadores do PE,
salientou o ambiente tenso e muito polarizado para os eleitores.
Os observadores assinalaram a
existência de condições de concorrência desiguais, com o partido no poder a
dispor de recursos financeiros significativamente mais elevados no período que
antecedeu as eleições. Embora tenha havido um claro enviesamento político em
todos os meios de comunicação social nacionais na Geórgia, foi dedicado muito
mais tempo de antena ao partido no poder, no período que antecedeu as eleições.
Os observadores não responderam a
perguntas sobre o impacto das suas conclusões na formação do novo governo, mas
prepararão relatórios separados e monitorizar o ambiente pós-eleitoral.
***
Com um partido pró-russo no poder e a
pretender a adesão à UE, é difícil prever o futuro da Geórgia. Quererá o bloco
ter como estado-membro um país que jogue nos dois tabuleiros?
2024.10.27 – Louro de Carvalho
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