sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Cortes na despesa pública e aumento de impostos em França

 

O governo francês apresentou, a 10 de outubro, em conferência de imprensa, o projeto de plano orçamental para 2025, que será objeto de minucioso exame por parte da Comissão Europeia, depois de Bruxelas, em junho, ter advertido a França para o seu défice orçamental excessivo.

Trata-se de assunto delicado, já que o défice da França deverá atingir mais de 6% do produto interno bruto (PIB) até ao final do ano, valor superior ao de quase todos os outros países europeus.

O governo do novo primeiro-ministro francês, Michel Barnier, está a ser pressionado pelos mercados financeiros e pela União Europeia (UE) para equilibrar o seu orçamento.

O objetivo do governo é reduzir 60 mil milhões de euros, só em 2025, o que corresponde a 2% do PIB, um montante sem precedentes. E o ministro da Economia, Antoine Armand, anunciou o corte vertiginoso de 40 mil milhões de euros na despesa pública, que abrangerá todos os ministérios – uma medida impopular, mesmo no seio do governo.

O Estado será o setor mais afetado, com mais de 20 mil milhões de euros de cortes nas despesas, sendo a área da Educação a mais afetada, com mais de dois mil cortes de postos de trabalho.

“Precisamos de fazer melhor com menos pessoal. Estamos a propor cerca de 2200 cortes nos postos de trabalho, divididos entre ministérios e operadores do Estado”, disse Laurent Saint Martin, ministro do Orçamento, prometendo reduções direcionadas, não cortes indiscriminados, mas garantindo “aumentos substanciais para reforçar a soberania e a segurança, nomeadamente, no setor da Justiça e das Forças Armadas”.

O orçamento do Ministério do Desporto sofrerá cortes substanciais, justificados pelo fim do período dos Jogos Olímpicos. O resto dos 20 mil milhões de euros virá de aumentos de impostos “excecionais e temporários”.

O aumento de impostos incidirá sobre os rendimentos dos mais ricos (acima de 250 mil euros por ano), durante três anos, medida que deverá gerar mais dois mil milhões de euros, em 2025. Mais de 400 das empresas mais bem remuneradas, com volume de negócios superior a mil milhões de euros, serão sujeitas a um imposto sobre as sociedades de 20%, que deverá gerar oito mil milhões de euros, em 2025. A sua escala será reduzida, no ano seguinte, para gerar receitas de quatro mil milhões de euros em 2026.

A aviação terá sanções ecológicas mais severas e um imposto sobre os bilhetes de avião.

Quanto à energia, o imposto sobre a eletricidade, reduzido durante a crise energética, aumentará em fevereiro. O valor era de cerca de 33 euros por MWh. Em 2025, aumentará para “cerca de 50 euros por MWh”, anunciou o Ministério da Economia, mas dizendo que não aumentarão as faturas de eletricidade para a maioria das famílias, devido à descida do preço de mercado.

Embora o governo tenha afirmado que está aberto ao debate no Parlamento, a atual situação de fragmentação política poderá levar o primeiro-ministro a adotar o texto sem votação, recorrendo ao controverso artigo 49.3 da Constituição francesa.

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O primeiro-ministro pré-apresentara, a 1 de outubro, o seu plano político em discurso proferido no Parlamento, na sessão de abertura da legislatura, o que representou um teste crucial para o seu governo, que já está a sentir os efeitos da falta de uma maioria clara parlamentar.

O ex-negociador de direita da UE, Michel Barnier, enfrentou os apupos e as reações dos deputados de esquerda e as críticas imediatas da extrema-direita, que se tornou uma força poderosa, na sequência dos resultados das eleições antecipadas.

Barnier – que apelara, anteriormente, a uma moratória sobre a imigração – prometeu posição dura sobre os fluxos migratórios, pedindo um “melhor controlo” do número de pessoas que chegam a França. Propôs “facilitar” a detenção de estrangeiros em situação irregular no país, enquanto se aguarda a aplicação de ordens de deportação. Afirmou que a França continuará, “enquanto for necessário”, a implementar controlos nas suas fronteiras nacionais, na zona sem passaportes da Europa. E sugeriu que o número de vistos concedidos estaria condicionado à capacidade de outras nações fornecerem documentos consulares aos seus cidadãos que são deportados de França, depois de chegarem ilegalmente ao país.

Em 2022, medida semelhante de Macron originou uma disputa de um ano com Marrocos.

O debate sobre a imigração, em França, ficou ainda mais inflamado, desde que um marroquino, de 22 anos, foi apontado como o suspeito de ter atacado Philippine, estudante de 19 anos, violada e assassinada num bairro exclusivo de Paris, no final de setembro.

Numa entrevista à estação de televisão francesa LCI, a 29 de setembro, o ministro do Interior, Bruno Retailleau, afirmou que se deveria realizar um referendo sobre a questão da imigração. E lamentou que a Constituição francesa não o permita (a França não pode referendar a imigração, visto que a questão não faz parte dos temas que podem ser objeto de votação.

A França “permanecerá ao lado do povo ucraniano”, afirmou Barnier. Os Ucranianos estão a lutar na defesa da soberania e da liberdade e os “valores partilhados” com a França e com a Europa.

Barnier prometeu implementar o plano de vários milhares de milhões de euros da França, para aumentar as suas despesas militares, nos próximos anos, impulsionado pela guerra na Ucrânia. E, frisando que a França “também permanecerá ativa” no Médio Oriente, declarou: “O agravamento da situação no Líbano [...] exige a nossa mobilização total com os nossos parceiros na região, os Estados Unidos da América [EUA] e os Europeus, para pôr fim, o mais rapidamente possível, às hostilidades que ameaçam seriamente a estabilidade de toda a região.”

Outra das principais prioridades do chefe do governo é resolver o problema do endividamento das finanças públicas francesas. No seu discurso, afirmou que o governo procurará reduzir o défice francês dos atuais 6% do PIB, para 5% no próximo ano, e para menos de 3%, em 2029. Para tal, prometeu cortar nas despesas do Estado, gastar o dinheiro de forma mais “eficiente” e combater a evasão fiscal e outras fraudes. “A verdadeira espada de Dâmocles é a nossa dívida colossal. […] Se não tivermos cuidado, ela colocará o nosso país à beira do precipício”, vincou.

O primeiro-ministro anunciou um imposto “excecional” sobre os indivíduos mais ricos de França, que o ministro francês do Orçamento e das Contas Públicas, Laurent Saint-Martin, revelou que se aplicaria a famílias que ganhassem, pelo menos, “500 mil euros por ano”.

Em declarações à estação de televisão francesa France 2, Saint-Martin explicou que este valor corresponderia a 0,3% dos contribuintes franceses e que será exigido um “esforço” contributivo suplementar às grandes empresas que registam lucros elevados.

A França está a ser pressionada pelo executivo da UE para reduzir a dívida. Porém, o aumento dos impostos vai contra a filosofia fiscal do presidente francês, que reduziu, sistematicamente, os impostos, quando ainda tinha um governo com uma clara maioria no Parlamento.

Barnier também afirmou que pretende reduzir a despesa, dizendo que a França tem “muito para fazer”, mas “tem de fazer com pouco”.

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A apresentação detalhada do projeto do plano orçamental para 2025 ocorreu dois dias após a investidura parlamentar do governo, a 8 de outubro.

A votação ocorreu no momento em que o frágil governo de Barnier enfrenta um grande desafio para aprovar o orçamento do próximo ano, apesar de não ter maioria parlamentar. O governo minoritário sobreviveu a uma moção de desconfiança, no primeiro grande teste para o novo primeiro-ministro, obrigado a contar com a extrema-direita para se manter no poder.

A moção de desconfiança foi apresentada por um grupo de 192 deputados da coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP), que acusa o governo de negar “o resultado das últimas eleições legislativas”. Apesar de ter obtido o maior número de lugares na Assembleia Nacional (AN) nas eleições legislativas do verão, a coligação não teve o ensejo de formar governo.

O Rassemblement National (RN), de extrema-direita, que conta com 125 deputados, declarou que se iria abster de votar uma moção de desconfiança, por enquanto. Dado que a moção precisava de 289 votos para ser aprovada, era improvável que fosse aprovada sem o apoio do RN. O grupo ganhou 40 lugares na An, em comparação com 2022. A líder do RN, Marine Le Pen, deputada à AN pelo círculo eleitoral de Pas-de-Calais, disse que decidiu “dar uma oportunidade” ao governo.

O político de esquerda Olivier Faure, do Partido Socialista, declarou, numa entrevista à emissora pública francesa France 2, que o RN “decidiu mostrar o seu apoio, sem participar no governo”, mas que a votação foi oportunidade para mostrar “quem está na oposição e quem não está”.

A coligação NFP começou a programar o voto de desconfiança, quando Emmanuel Macron se recusou a nomear a sua candidata, Lucie Castets, como primeira-ministra.

Após as eleições de julho, a AN, a câmara baixa do Parlamento, ficou dividida em três grandes blocos: a NFP, os aliados centristas de Macron e o RN. Nenhum dos grupos detém maioria absoluta. A frustração aumentou ainda mais, quando Macron levou 51 dias para nomear Barnier – que vem do partido conservador Republicanos (LR) – como primeiro-ministro, colocando um político cujo partido obteve menos de 5% dos votos nas eleições ao leme do país.

O gabinete de Barnier é composto maioritariamente por membros do seu partido e por centristas da aliança de Macron, que juntos representam pouco mais de 200 deputados.

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Na sua primeira entrevista televisiva desde a nomeação como primeiro-ministro, Michel Barnier anunciou a vontade de melhorar a reforma das pensões com os parceiros sociais e prometeu “medidas concretas” para controlar os fluxos migratórios, respeitando o quadro orçamental.

Em entrevista ao canal de televisão TF1, a 7 de setembro, à noite, revelou muito pouco sobre as suas intenções enquanto chefe do Governo francês, atualmente em formação.

A este respeito, o novo ocupante do Hôtel Matignon declarou-se cônscio de que a missão seria perigosa, “devido à situação sem precedentes” da AN, atualmente. Porém, sustenta que a sua equipa “não será apenas um governo de direita”. Confirmou que os ministros cessantes poderão fazer parte da equipa, mantendo-se aberto à nomeação de ministros de outras origens.

Como sinal desta mão estendida, anunciou que pretendia reabrir o debate sobre a reforma das pensões, que a esquerda e a extrema-direita tencionam desvendar. Mas deixou claro que “não vamos pôr tudo em causa”. Ou seja, a lei manter-se-á em vigor, o governante abrirá o debate para a melhorar, fazendo-o com os parceiros sociais, que, na sua opinião, precisam de ser mais ouvidos, com os deputados e com os senadores. Porém, traçou uma linha vermelha: quer proceder à melhoria, respeitando o quadro orçamental, sem aumentar a dívida e o défice (cerca de 5,6% do PIB, quando deveria ser inferior a 3% do PIB, segundo as regras europeias).

Para acalmar a esquerda, que não digeriu a sua nomeação, o primeiro-ministro declarou não se opor a uma “maior justiça fiscal”, nem ser hostil a aumentos de impostos.

O ex-negociador do Brexit prometeu empenhar-se num melhor “controlo dos fluxos migratórios”, como comprometera na candidatura às eleições presidenciais de 2022. Embora não tenha repetido a palavra “moratória” sobre a imigração, já acusado pelos opositores de piscar o olho à extrema-direita, prometeu “medidas concretas”, deixando claro que ninguém tem o monopólio das boas ideias”. “Vamos abordar o problema de uma forma rigorosa e humanista”, afirmou.

Quanto à reforma da lei eleitoral que introduza uma quota proporcional, considerou que não tem “nenhuma linha vermelha”, mas que precisa de a discutir com “todos os grupos políticos”.

Por fim, questionado sobre a relação com Emmanuel Macron e sobre este capítulo da coabitação entre o Eliseu e o Matignon, disse respeitar o cargo presidencial e o homem que o encarna. Mas sustentou que “o Presidente deve presidir, o governo deve governar”, sempre em colaboração.

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É grande a dificuldade de governar em França, dada a composição parlamentar e pelo facto de Macron, através de Barnier, se ter ajeitado ao apoio do RN, que será consistente, se o governo ceder às suas principais reivindicações. E parece ir nessa via. A restrição migratória vai nesse sentido e o enorme aumento de impostos será temporário.

2024.10.10 – Louro de Carvalho

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