Um ano depois dos brutais ataques que
desencadearam a guerra entre Israel e o Hamas em Gaza, Israelitas de todo o
país assinalaram o primeiro aniversário com vigílias em memória dos mortos. E a
data é também assinala da com uma cerimónia de Estado pré-gravada na cidade de
Ofakim, no Sul do país. O evento foi planeado, inicialmente, para ser muito
maior, mas foi reduzido, devido a preocupações de segurança, à medida que
Israel se envolve em crescente conflito com o Irão e com o Hezbollah.
Em Reʿim, um kibutz no Sul de Israel,
a última música que se ouviu no festival Nova, tocou um ano depois do ataque do
Hamas de 7 de outubro.
Às 6h30
locais, hora a que o Hamas lançou o ataque, há 12 meses, as famílias das
vítimas mortais no festival – acompanhadas e abraçadas pelo presidente
israelita Isaac Herzog, com quem se levantaram para um momento de silêncio – reuniram-se
no local onde quase 400 pessoas foram mortas a tiro pelo grupo armado, tendo
muitas outros sido feitas reféns.
Ao mesmo tempo, mais de 350 pessoas
deslocaram-se até ao local onde decorreu o festival de música eletrónica para
prestar homenagem às vítimas, bem como para apelar à libertação dos reféns
ainda detidos em Gaza. De acordo com Telavive, cerca
de 100 reféns permanecem em Gaza, mas deverão estar vivos menos de 70.
Centenas de pessoas protestaram nas ruas de
Jerusalém, antes de se reunirem em frente à casa do
primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, apelando à negociação de um acordo de
cessar-fogo com o Hamas que garanta o regresso dos reféns em segurança. “Gostaria
de prometer a todos os 101 reféns, em nome de todos nós, de todo o povo de
Israel, que não vamos parar de lutar. Não deixaremos de fazer ouvir as suas
vozes. Não vamos parar de insistir no que é moral, na coisa mais básica, que
eles voltem em segurança, o mais depressa possível”, garantiu, em frente à casa
de Netanyahu, a israelita Shir Siegel, filha de um refém detido em Gaza,
vincando: “Estamos aqui para lembrar (aos reféns) que não os esquecemos”, disse
Shiri Albag.
Shiri Albag, cuja filha Liri está entre
as pessoas mantidas em cativeiro, acrescentou que ela e as outras famílias “não
descansarão”, até que os restantes reféns sejam devolvidos.
Entretanto,
é de relevar que Benjamin Netanyahu e o seu governo têm estado sobre crescente
pressão interna
e externa, para um acordo de cessar-fogo com o Hamas, que ponha fim aos
combates na Faixa de Gaza e que permita o regresso dos reféns. Muitas das
famílias das pessoas mortas e feitas prisioneiras nos ataques estão ressentidas
com o governo israelita, por não ter conseguido impedir o ataque e por não ter
sido capaz de trazer os restantes reféns para casa.
O Fórum dos Reféns e das Famílias
Desaparecidas, grupo criado para representar as famílias dos reféns, anunciou,
no dia 7 de outubro deste ano, que Idan Shtivi foi morto nos ataques de 7 de
outubro de 2023, estando o seu corpo na posse do Hamas. Idan Shtivi, de 29
anos, foi feito refém, depois de ter estado no festival de música Nova para
fotografar o evento.
Segundo o Ministério da Saúde de
Gaza, que não distingue combatentes de civis, em Gaza, o conflito já matou mais
de 41900 Palestinianos (2% da população), cerca de 17 mil dos quais menores, fez cerca de 17 mil
feridos, além de quase 10 mil desaparecidos, deslocou a maior parte dos
2,3 milhões de habitantes do território e provocou uma crise humanitária que
levou à fome generalizada (mais de 1,1 milhões de pessoas em “situação
de fome catastrófica”). Por isso, a Europa vem sendo palco de numerosos
protestos, em memória das dezenas de milhares de Palestinianos mortos no
contexto dos combates, e Israel enfrenta críticas internacionais constantes
sobre a sua conduta de guerra, com dois tribunais mundiais a examinarem as suas
ações.
***
Face à pressão crescente – com apelos dos Estados
Unidos da América (EUA) e da União Europeia (UE) para um cessar-fogo em Gaza – sobre
a coligação governativa de Benjamin Netanyahu, à medida que se intensifica o
conflito entre Israel e os grupos aliados do Irão, a questão que se coloca é se
o primeiro-ministro conseguirá manter o
apoio interno, enquanto Israel luta em várias frentes.
Enquanto Israel aumenta as suas
apostas militares contra o Hamas e contra o Hezbollah, grupos aliados e
apoiados pelo Irão, os chamados “proxies”, Benjamin Netanyahu esforça-se por persuadir os parceiros
ocidentais tradicionais de que a sua estratégia musculada é a única opção para
salvar Israel da desgraça. Apesar de os EUA e a UE exigirem, cada vez
mais, um cessar-fogo em Gaza, a guerra estendeu-se à frente libanesa. E Israel
está a ser atacado e a lutar contra os representantes do Irão, o que poderá
levar a eventual confronto com o regime de Teerão.
Entretanto, o governo conservador de
extrema-direita liderado por Benjamin
Netanyahu – político populista do Likud com mais de duas décadas de experiência
– tem estado cada vez mais sob pressão, desde uma miríade de alegados
escândalos e acusações de conflito de interesses até alegações de má gestão da
guerra contra o Hamas e do objetivo de libertar os reféns israelitas em Gaza.
Porém, conseguiu manter-se no poder e conservar a sua posição, enquanto Israel
abria uma nova frente contra o Hezbollah.
A 29 de dezembro de 2022, Benjamin Netanyahu, sob pressão,
formou um governo de coligação com os ultraconservadores de Israel. O novo
executivo foi visto com ceticismo pelos setores mais moderados da sociedade
israelita, que saíram, cada vez mais, à rua para protestar contra as reformas
do governo, como a revisão do sistema judicial. Contudo, os acontecimentos de 7
de outubro de 2023 mudaram tudo. “Os massacres de 7 de outubro mudaram a
situação e criaram um governo de unidade nacional”, considerou Gregory Alegi,
professor de política da Universidade Luiss, em Roma, à Euronews.
Inicialmente, o massacre de 7 de
outubro foi encarado pela população israelita como fracasso das forças de
segurança e erro pessoal de Netanyahu, que fez campanha com a imagem de “Senhor
Segurança”. Todavia, de acordo com os especialistas, o sentimento de emergência
acabou por prevalecer sobre as disputas políticas. “Todos os israelitas
concordam com a necessidade de proteger e defender o país e de o tornar seguro.
Penso que é um erro pensar que algumas pessoas são contra esse objetivo geral”,
sustentou Gregory Alegi, mantendo que, apesar do debate permanente sobre as
escolhas estratégicas do governo, os israelitas têm o sentimento de que estão a
lutar pela sobrevivência do seu país.
“Há poucas dúvidas de que se trata de
um governo de unidade nacional que concorda com o ponto básico de defender e
preservar Israel, tanto como Estado, como um lugar seguro para os judeus e um
símbolo para os judeus no mundo. Isso não mudou. E seria um erro pensar que
podemos mudar. […] Como é que podem separar os diferentes partidos e derrubar o
governo?”, questionou.
Após os ataques a Israel, a aliança
moderada liberal-centrista Unidade Nacional ou Home Camp juntou-se ao gabinete
de guerra, trazendo o apoio de um segmento relevante da população israelita que,
anteriormente, se opunha ao governo de extrema-direita.
A Unidade
Nacional é liderada por Benny Gantz e Gadi Eisenkot, dois antigos chefes de estado-maior
das forças de defesa israelitas (FDI), altamente respeitados. No entanto, ambos
deixaram o gabinete de Netanyahu, a 8 de junho.
Ganz demitiu-se depois de o
primeiro-ministro ter rejeitado o seu “plano de seis pontos”, sobre o futuro de
Gaza e a forma de pôr fim à guerra, apoiado por Washington.
Benny Gantz, membro
centrista do Gabinete de Guerra de Israel, composto por três homens, anunciou a
sua demissão, a 8 de junho, em conferência de imprensa. A mudança não constituiu
ameaça imediata para Benjamin Netanyahu, que ainda controla uma coligação
maioritária no parlamento, mas o chefe do governo torna-se mais dependente dos aliados
de extrema-direita.
Gantz disse que
Netanyahu está a tornar “impossível a vitória total” e que o governo tem de
colocar o regresso dos reféns capturados pelo Hamas “acima da sobrevivência
política”.
O popular antigo chefe militar juntou-se ao governo de Netanyahu pouco
depois do ataque do Hamas, numa demonstração de unidade. A sua presença reforçou
a credibilidade de Israel junto dos parceiros internacionais, pois tem boas
relações de trabalho com os EUA.
Gantz tinha dito que deixaria o governo até 8 de junho, se Netanyahu não
formulasse um novo plano para o pós-guerra em Gaza, o que o primeiro-ministro
não fez.
Durante o anúncio de demissão, apelou a Netanyahu (“não deixes que o nosso
povo seja dilacerado”) para que marcasse uma data para as eleições. “Para
garantir uma verdadeira vitória, é conveniente que, no outono, um ano (após) a
catástrofe, se realizem eleições que acabarão por estabelecer um governo que
irá ganhar a confiança do povo e será capaz de enfrentar os desafios (de
Israel)”, disse Gantz.
A conferência de imprensa de Benny Gantz ocorreu depois de quatro reféns
israelitas terem sido, dramaticamente, resgatados de Gaza, no início do
dia, na maior operação deste tipo realizada por Israel, desde o
início da guerra de oito meses.
Meses após o choque do ataque do
Hamas, a dissidência política voltou a prevalecer, sobretudo, após a pressão
dos EUA e da UE, dois parceiros cruciais, aos olhos de muitos Israelitas
moderados. Pela primeira vez, na História de Israel, o Tribunal Penal
Internacional (TPI) instaurou um processo contra o seu primeiro-ministro,
Netanyahu, e contra o ministro da Defesa, Gallant. Além disso, a coabitação com
políticos ultraconservadores, como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e
o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, tornou-se impossível, para
Gantz.
As razões que levaram à demissão dos
liberais centristas, a 8 de junho, são sistémicas e, quatro meses depois,
continuam presentes: giram em torno de opiniões muito divergentes sobre a
solução dos dois Estados e sobre os colonatos ilegais na Cisjordânia. Os partidos
de Smotrich e Ben-Gvir opõem-se, radicalmente, à solução dos dois Estados e são
contra a repressão dos colonos ilegais.
“A Cisjordânia é um problema, uma
questão internacional, há muito tempo. E é a única parte que está, pelo menos,
nominalmente, sob o controlo da Autoridade Palestiniana [AP]. Por isso, em
muitos aspetos, é um símbolo positivo e negativo ao mesmo tempo”, disse Gregory
Alegi, sustentando: “Há um sinal de receio de que os extremistas, como o Hamas,
possam também apoderar-se da Cisjordânia. É evidente que a resposta não é o
estabelecimento indiscriminado de colonatos por parte de Israel, nem a retirada
de propriedades ou a demolição de casas.”
“Além da base jurídica, a criação de
um clima de entendimento pode ajudar a encontrar uma solução. Por isso, a Cisjordânia
é outro problema importante”, acrescentou.
Nestas circunstâncias, coloca-se a
questão se o primeiro-ministro é refém dos extremistas ou se tem um grande
plano estratégico, independentemente dos seus aliados. Os planos para o futuro
podem ser tão ambiciosos como uma mudança de regime no Irão. Ainda recentemente
se dirigiu ao povo iraniano numa mensagem de vídeo. “Quando o Irão for
finalmente livre, e esse momento chegará muito mais cedo do que as pessoas
pensam, tudo será diferente... Os nossos dois países, Israel e Irão, estarão em
paz”, afirmou Benjamin Netanyahu.
A pressão militar sobre Gaza e sobre o
Líbano aumentou com a morte de mais civis. Nesse sentido, o presidente francês,
Emmanuel Macron apelou ao não fornecimento de armas a Israel.
Por outro lado, os democratas
norte-americanos estão cada vez mais perplexos com os custos políticos da estratégia
geopolítica israelita, o que pode ter enorme impacto na política interna
israelita. Poderá Netanyahu ser abandonado pelos EUA? “Recentemente, vimos que
a marinha americana ajudará sempre a abater foguetes e mísseis disparados
contra Israel”, considerou Gregory Alegi, advertindo: “Não se enganem, isso não
vai mudar. O que pode mudar é o apoio externo, digamos, a teatralidade, mas a
substância vai manter-se inalterada, seja quem for que governe Israel, seja
quem for que governe os Estados Unidos.”
Caprichos da guerra!
2024.10.07 – Louro de Carvalho
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