sábado, 12 de outubro de 2024

Taxas de pobreza infantil do Reino Unido e na União Europeia

 

Uma publicação nas redes sociais, com quase 200 mil visualizações, sustenta que a pobreza infantil no Reino Unido é, significativamente, mais elevada do que nos países nórdicos. Com efeito, 32% das crianças, ali, vivem na pobreza. Todavia, parece que este valor percentual não corresponde à realidade.

Este dado é comparado com os da Dinamarca, da Finlândia, da Noruega e da Suécia, que têm, supostamente, taxas de pobreza infantil entre 2% e 4% (Dinamarca - 2,4%; Finlândia - 3,2%; Noruega e Suécia – 3,6%). No entanto, a publicação é enganadora: embora haja mais crianças em situação de pobreza no Reino Unido do que nos países nórdicos, os números foram inflacionados.

Isto deve-se ao facto de o artigo utilizar dados de há cerca de 20 anos, para os países nórdicos, e números aparentemente inventados, para o Reino Unido. A maior parte dos invocados números dos países nórdicos provém do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 2005 e são calculados com base na percentagem de crianças com menos de 18 anos que viviam em agregados familiares com rendimento disponível inferior a 50% da mediana. Isto difere do que diz a publicação nas redes sociais – que se baseia na percentagem de crianças que vivem em agregados familiares com menos de um salário mínimo.

O mesmo conjunto de dados situava a taxa de pobreza infantil do Reino Unido em cerca de 16% no ano 2000, e não em 32%.

A OCDE publicou, pela última vez, dados para todos os cinco países juntos, em 2019. Nessa altura, o Reino Unido continuava a ter as piores taxas de pobreza infantil, mas não eram tão graves como sugere a publicação no X. O Reino Unido situava-se nos 14,1%, seguido da Suécia com 9,3%, da Noruega com 7,9%, da Dinamarca com 4,8% e da Finlândia com 3,7%.

Os dados mais recentes sobre crianças em risco de pobreza do Eurostat e do Departamento do Trabalho e Pensões do Reino Unido (DWP) baseiam-se em agregados familiares com menos de 60% do rendimento mediano de um país e, por conseguinte, apresentam números mais elevados do que a métrica dos 50%.

Em 2023, o Eurostat estimava a Suécia em 19,8%, a Noruega em 12,3% e a Dinamarca e a Finlândia em 9,7%. O DWP do Reino Unido, por seu turno, apontava para 22,4% nesse ano.

Embora seja verdade que o Reino Unido está a ficar para trás, em relação aos países nórdicos na pobreza infantil, a diferença não é tão acentuada como afirma a publicação das redes sociais.

Quando se olha para a Europa como um todo, o Reino Unido situa-se perto do topo da tabela das taxas de pobreza infantil mais elevadas, utilizando os dados de 2023 do Eurostat e do DWP. No entanto, comparado com o resto das “Cinco Grandes” economias europeias, o Reino Unido (22,4%) não é o pior; de facto, tem um desempenho melhor do que a Roménia (29,6%), do que a Espanha (28,9%) do que a Bulgária (26,9%), do que a Itália (24,7%), do que o Luxemburgo e do que a Eslováquia (22,6%).

A França (21,6%) também tem uma taxa mais elevada do que a média da UE (19,4%), enquanto a Alemanha está a 14%. Em Portugal, a taxa é de 20,7% (acima da média da UE). Fora dos países nórdicos, a Finlândia (9,7%), a Dinamarca (9,7%), a Eslovénia (10,2%), a Chéquia (12,4%) e a Bélgica (13,2%) têm, segundo o Eurostat, as taxas de pobreza infantil mais baixas da Europa.

A partilhar algum do seu território com a Europa, a Turquia apresenta uma taxa de 31,2%.

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Os dados de 2023 referentes à UE representam uma evolução para melhor, face aos dados de 2020. Com efeito, o bloco europeu tomou medidas de erradicação (ou de minoração) da pobreza e da exclusão social. Porém, ainda há muito por fazer. Esta é a batalha de todos os dias.

Em 2020, na UE, 24,2% das crianças (cerca de uma em quatro) estavam em risco de pobreza ou de exclusão social. Os agregados familiares com uma única pessoa a cuidar de crianças apresentavam o maior risco de pobreza ou de exclusão social, com 42,1%.

Existia, como ainda existe, uma grande variedade nos níveis de pobreza infantil, na Europa. Em 2020, os mais elevados eram 41,5%, na Roménia, e 36,2% na Bulgária; e os mais baixos eram 12,1% na Eslovénia. E a pandemia de covid-19 agravou a situação, levando a níveis mais elevados de insegurança financeira, de pobreza e de desigualdade de rendimentos.

Há consequências, ao longo da vida, para as crianças que crescem na pobreza. São mais propensas a desistir da escola, têm menos hipóteses de encontrar empregos decentes, mais tarde, sofrem de exclusão social e de problemas de saúde, no futuro. Isto cria, frequentemente, um ciclo de desvantagem, sendo mais provável que a próxima geração cresça em situação de pobreza.

Por isso, a UE estabeleceu a Garantia Europeia para a Infância (GEI), com vista a quebrar o ciclo de pobreza infantil e a possibilitar o acesso a serviços-chave para todas as crianças, incluindo a educação gratuita e atividades pós-escolares, refeições escolares saudáveis gratuitas, cuidados de saúde, boa nutrição e habitação decente. Isto põe em ação o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS), sobre os cuidados e apoio às crianças.

Um ano após o seu lançamento, em março de 2021, os países da UE passaram a ter de apresentar os seus planos de ação nacionais à Comissão Europeia, explicando como poriam em prática a GEI, bem como a ter de apresentar relatório sobre os progressos, de dois em dois anos.

Em Portugal, foi publicada a 29 de dezembro, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2021, que aprova a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030.

Uma das formas de implementar a GEI é a utilização de dinheiros do Fundo Social Europeu Mais (FSE+), que tem um orçamento de 88 mil milhões de euros para 2021-2027. Os países onde os níveis de pobreza infantil são iguais ou superiores à média da UE, devem gastar, pelo menos, 5% dos fundos que recebem no combate a esta situação e outros países são também encorajados a utilizar o financiamento do FSE+.

A Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança reforça os direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da UE e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

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Ser pai ou mãe, sem ter o essencial para dar ao bebé é situação desesperada. Em Chipre, onde a crise sanitária abala a crescente economia, a via para erradicar a pobreza é ainda longa. Segundo a Rede Antipobreza de Chipre, uma em cada três crianças é afetada. Para obviar à situação, foi criado o programa Baby’s Dowry, financiado tanto por Chipre, como pelo Fundo Europeu de Ajuda aos Pobres na Europa. O objetivo é ajudar as famílias com crianças menores de dois anos, que enfrentam privação material e risco de pobreza e exclusão social.

Em Temvria, perto de Nicósia, vive um casal em que o marido era soldado e a mulher trabalhava, a tempo parcial, numa bomba de gasolina. A frágil situação financeira tornou-se precária com a inesperada chegada de trigémeos. Porém, com ajuda do Baby’s Dowry, sentem-se aliviados e poupam algum dinheiro, para o utilizarem quando as crianças crescerem.

O projeto é um passo em frente para enfrentar um problema social que continua a ser difícil de avaliar, como diz Panayiota Christou, assistente social do Baby’s Dowry, explana: “A pobreza infantil permanece escondida, secreta. Não é óbvia. Por isso, devemos dar mais apoio às casas de acolhimento para melhorar as condições de vida das crianças.”

O Baby’s Dowry ajudou cerca de duas mil famílias, como a evocada. Todavia, muitos dos beneficiários são mães solteiras ou famílias de refugiados. E, asseguradas as necessidades básicas dos filhos, poupam dinheiro para a família e melhoram a situação profissional.

Permitir às crianças o acesso aos serviços básicos para o seu desenvolvimento e bem-estar é o objetivo da GEI. Em 2021, Ana Mendes Godinho, então a ministra portuguesa do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, no quadro da presidência rotativa do Conselho Europeu, explicava: “O que queremos garantir é que existe uma abordagem global integrada para abordar as diferentes necessidades das crianças, em termos de habitação, educação, cuidados e saúde, garantindo que cada Estado membro tenha um plano nacional, com um objetivo concreto, e, depois, um compromisso para abordar e ter uma resposta específica para as crianças necessitadas nas diferentes áreas. Só assim podemos garantir a igualdade de oportunidades a todas as crianças na Europa.”

Adotada a GEI pelo Conselho Europeu, os estados-membros tiveram de preparar os planos de ação, na esperança de acabar com a pobreza infantil.

Também em 2021, Jana Hainsworth, secretária-geral da Eurochild, advertindo que os números de então eram de antes da pandemia e, então, havia quase uma em cada quatro crianças a crescer na pobreza na UE, considerava isso “bastante dramático numa região tão rica como a Europa”.

Os membros da Eurochild relatavam dificuldades bastante significativas em toda a Europa e via-se um aumento notável na utilização de bancos alimentares. Havia problemas de desalojamento familiar e o impacto nas crianças era bastante draconiano, pois as crianças perdiam as redes, não conseguiam aceder à escola.

Da GEI dizia que era muito promissora, muito ambiciosa e com a intenção certa de dar prioridade ao investimento nas crianças. “O desafio, para nós, é que isto não permaneça um compromisso no papel. Um bom exemplo pode ser encontrado na Irlanda, que tem uma estratégia, a longo prazo. para combater a pobreza infantil e a exclusão social, tem um alvo. É também um país onde há um ministro para as crianças”, destacou, para concluir: “Ao olharmos para a recuperação desta crise muito profunda, precisamos de pensar numa recuperação inclusiva; e, se dermos prioridade às crianças, estamos a criar um futuro mais sustentável e mais inclusivo.”

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A pobreza é pluridimensional. Não representa só falta de recursos financeiros e de rendimentos, advindos do trabalho ou de benefícios sociais. Na sua abrangência, representa uma situação de vulnerabilidade, de precariedade, de falta de oportunidades e de baixo exercício de direitos, bem como dificuldades de acesso à educação, à saúde, à cultura, à habitação, ao emprego, a serviços e a infraestruturas, à informação e à participação política.

Pobreza Infantil significa que uma criança cresce numa família com baixos rendimentos e baixo exercício de direitos. Significa que está mais exposta a vários riscos e a não conseguir atingir o seu máximo potencial. Significa, também que o seu acesso à educação pode sofrer impactos: a sua motivação e participação são afetadas e torna-se mais difícil a aquisição de formação e de informação que, no futuro, a poderá fazer sair do ciclo de pobreza onde é criada.

É difícil visualizar um bilião de crianças afetadas pela pobreza em todo o Mundo. Ser fácil se imaginarmos que, postas lado a lado, todas estas crianças dariam 25 voltas ao Equador.

Na UE, ninguém morre à fome, mas a pobreza é realidade inegável, dizia a Comissão Europeia, 2009 (o que é contestável), mas quase 80 milhões de Europeus, ou seja, 16 % de toda a população, lutam diariamente para terem dinheiro suficiente para pagar as contas do supermercado, para vestir, calçar e alimentar os filhos e para manter um teto sobre as suas cabeças; 23,5 milhões vivem com menos de 10 euros por dia; um cidadão europeu em cada cinco vive em condições de habitação precária; e mais de 9 % dos Europeus vivem em agregados familiares onde ninguém tem emprego.

Na UE, 19 milhões de crianças vivem na pobreza. Esta atinge as famílias monoparentais, que são particularmente vulneráveis, com uma taxa de risco de pobreza de 32 %.

Erradicar a pobreza infantil é urgente. É dever de todos e envolve todas as entidades a nível nacional, regional e local, mas, principalmente, os decisores políticos, que definem as medidas de política, e todos os profissionais que trabalham nesta área e que podem fazer a diferença.

2024.10.11 – Louro de Carvalho

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