Os Estados
Unidos da América (EUA), em carta, de 15 de outubro, enviada ao chefe do
governo israelita e assinada pelo Secretário de Estado, Antony Blinken, e pelo
Secretário da Defesa, Lloyd Austin, ameaçam Israel com o corte de alguma
assistência militar, se não aumentar o acesso da ajuda humanitária a Gaza, no
prazo de 30 dias. Trata-se da mais forte advertência formal ao aliado
americano, desde o início da guerra, dada a profunda preocupação com “a
deterioração da situação humanitária” na região.
De acordo
com a carta, Israel negou ou impediu que cerca de 90% da ajuda humanitária
fosse transportada para Gaza em setembro; as ordens israelitas de evacuação
forçaram quase dois milhões de pessoas a concentrarem-se numa faixa estreita
onde correm “elevado risco de contágio letal”; os ataques israelitas
prosseguiram no sul da Faixa de Gaza, na noite de 15 de outubro, tendo,
alegadamente, matado, pelo menos, 15 pessoas, incluindo seis crianças e duas
mulheres.
As críticas
a Israel tornaram-se mais generalizadas à medida que a guerra entre Israel e o
Hamas se arrasta, causando mais de 42 mil mortos palestinianos, segundo o
Ministério da Saúde de Gaza.
Estas críticas
assumiram um nível sem precedentes, depois que Israel lançou uma invasão
terrestre no Líbano, alegadamente, para eliminar as bases do Hezbollah, visto
que este grupo paramilitar lançava cada vez mais ataques contra Israel.
Por outro
lado, os ataques israelitas às forças de manutenção da paz da Organização das
Nações Unidas (ONU), durante este assalto, suscitaram a condenação
internacional, tendo o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu,
classificado de “completamente falsas” as acusações de que Israel visava,
deliberadamente, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL).
A ministra
alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, afirmou que a UNIFIL deve
ser protegida para poder cumprir o seu dever de forma mais sólida. Porém,
afirmou que Israel tem o direito de autodefesa e que as instalações do
Hezbollah devem ser eliminadas.
O xeque Naim
Kassem, vice-chefe do Hezbollah, que assumiu a liderança interina, após a morte
de Hassan Nasrallah, em ataque aéreo israelita, prometeu, em discurso
transmitido pela televisão, no dia 15, “derrotar os nossos inimigos e
expulsá-los das nossas terras” e declarou que o grupo libanês está concentrado
em ferir o inimigo, visando Haifa e outras partes de Israel.
***
Entretanto, a 17 de outubro, o ministro
dos Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz, confirmou que Yahya Sinwar
foi morto numa operação das forças israelitas em Gaza, o que o Hamas confirmou
no dia 18. O chefe da diplomacia considerou, como “feito militar e moral, para
o exército israelita”, o assassinato de Sinwar, que se crê ter sido o cérebro do ataque de 7 de outubro a Israel, e que
se tornara o líder do Hamas (em especial, da sua linha dura), em Gaza,
substituindo Ismail Haniyeh, na sequência do seu assassinato em Teerão, no mês
de agosto. “O assassinato de Sinwar criará a possibilidade de libertar,
imediatamente, os reféns e de introduzir uma mudança que conduzirá a uma nova
realidade em Gaza, sem o Hamas e sem o controlo iraniano”, declarou Katz, em
comunicado. As Forças de Defesa de Israel (FDI) informaram, em comunicado, que,
“depois de completo o processo de identificação do corpo, pode ser confirmado
que Yahya Sinwar foi eliminado”. E o primeiro-ministro israelita, em declaração
à televisão nacional, anunciou a morte de Sinwar [politicamente próximo do
Irão] e disse que “o mal sofreu um duro golpe”, mas avisou que a “tarefa” de
Israel ainda não está completa.
Segundo o primeiro-ministro,
a morte do líder do Hamas foi o “princípio do fim”, mas Israel continuará a
trabalhar até ao fim da guerra. Aos cidadãos, Netanyahu disse que ainda há “muitos
desafios a enfrentar e que é necessário manter a resiliência e “continuar a
lutar”. Às famílias dos reféns, garantiu que as forças israelitas continuarão,
“com toda a força”, até eles regressarem.
O presidente
dos EUA reagiu à morte de Sinwar, dizendo que aquele foi um “dia de alívio”,
comparando-o com o momento em que Barack Obama deu a ordem para matar Bin Laden
e considerando que a morte do líder do Hamas pode ser uma “oportunidade” para
Gaza.
Ao início da
tarde do dia 17, as FDI, em declaração conjunta com o Shin Bet, tinham
informado que o líder do Hamas fora, “muito provavelmente”, morto depois de o
exército ter enfrentado e matado três militantes, nas operações terrestres em
Gaza. “No prédio onde os terroristas foram eliminados, não havia sinais da
presença de reféns na área”, acrescenta o comunicado das FDI. Portanto, as
unidades que enfrentaram os três militantes não estavam a participar numa operação
de homicídio e não sabiam da presença de Sinwar no local.
Foram
encontrados dinheiro, documentos e armas nos corpos dos militantes. O exército
israelita recuperou os corpos para teste de ácido desoxirribonucleico (ADN). Com
efeito, Israel tinha em arquivo o ADN e os dados biométricos de Sinwar, desde a
sua passagem por uma prisão israelita.
***
Enquanto o presidente dos EUA, Joe Biden, referiu a possibilidade de
cessar-fogo aberta pela morte de Sinwar, António Guterres escreveu sobre a
situação humanitária em Gaza. Por isso, Israel voltou a criticar o
secretário-geral da ONU, na
sequência da morte do líder do Hamas, considerado um dos cérebros dos
ataques de 7 de outubro de 2023. Isto, depois de Joe Biden e de outros líderes
internacionais se terem mostrado otimistas com a notícia.
O ministro dos Negócios Estrangeiros israelita escreveu,
no X, que Guterres não mostrou “satisfação
pela eliminação do arquiterrorista Yahya Sinwar” e segue uma agenda “anti-israelita
e antijudaica”. Por isso, Israel continua
a considera-lo “persona non grata”. Na mesma linha, o embaixador de Israel nas Nações Unidas, Gilad
Erdan, escreveu que “é a figura pública mais irrelevante e
desapegada do planeta”. Israel Katz respondeu à publicação do secretário-geral
da ONU, que voltava a alertar para a situação humanitária em Gaza.
“A fome
paira. Isto é intolerável.
Os pontos de passagem devem ser abertos imediatamente, os impedimentos
burocráticos devem ser removidos e a lei e a ordem devem ser restauradas, para
que as agências da ONU possam prestar assistência humanitária que salva
vidas”, escreveu Guterres,
referindo o aumento dos deslocados, pouco depois de as autoridades israelitas terem confirmado que
Yahya Sinwar fora morto pelo exército israelita, em Rafah.
Os
responsáveis norte-americanos mostraram-se otimistas quanto à possibilidade de a
morte de Sinwar assinalar um ponto
de viragem no Médio Oriente e dar novo ímpeto às conversações de
cessar-fogo, agora estagnadas. “Nas últimas semanas, não houve negociações para
pôr fim à guerra, porque Sinwar se recusou a negociar”, disse aos jornalistas
o porta-voz do Departamento de
Estado, Matthew Miller, acrescentando que a sua morte abriu a
possibilidade de o Hamas e Israel negociarem o fim dos combates.
Tal como Joe
Biden, outras personalidades viram na morte de Sinwar a possibilidade de
pressionar para o cessar-fogo. “Há uma proposta do presidente Biden e de outros
sobre como seria este cessar-fogo e apoiamos totalmente isso”, disse o chanceler alemão Olaf Scholz, em
Bruxelas.
Já o presidente francês, Emanuel Macron escreveu,
no X, que “Yahya Sinwar foi o
principal responsável pelos ataques terroristas e atos bárbaros de 7 de
outubro” e que “a França exige a
libertação de todos os reféns ainda detidos pelo Hamas”.
Apesar do otimismo
internacional de que o conflito no Médio Oriente poderia cessar, Benjamin Netanyahu disse que, embora a morte de
Sinwar tenha marcado nova fase na guerra, a guerra de Israel em Gaza e no Líbano “ainda não terminou”, pelo que
manterá o controlo sobre a Faixa de Gaza, durante o tempo suficiente para
garantir que o Hamas não regressa. E, como Israel, nem o Hamas nem o Hezbollah deram qualquer indicação de que
possa haver pausa nas hostilidades.
***
O exército
israelita divulgou imagens que diz mostrarem os últimos momentos antes da morte
do líder do Hamas. Assim, a
morte não foi acidental, nem instantânea. Numa sala danificada pelos bombardeamentos,
aparece um homem sentado numa cadeira e de rosto coberto, possivelmente, para
esconder a identidade. Daniel Hagari, porta-voz das FDI, disse que os militares
dispararam um projétil contra o edifício, provocando o seu desmoronamento e
matando Sinwar.
Khalil
al-Hayya, que foi adjunto de Sinwar no Qatar e que representou o Hamas em
várias rondas de negociações de cessar-fogo, confirmou o óbito do líder, que morreu, “confrontando o exército
de ocupação até ao último momento da sua vida”. Reforçou que o Hamas não
devolverá nenhum dos reféns, antes do fim da agressão a Gaza, garantindo que a
morte do líder fortaleceu o grupo: “O
martírio dos líderes só aumentará a determinação do movimento em continuar”,
proclamou.
Em
comunicado, o grupo militante, com sede na Faixa de Gaza, saudou Sinwar como
herói, por “não ter recuado, brandindo a sua arma, enfrentando e confrontando o
exército de ocupação na primeira linha das fileiras”. A declaração parece
referir-se ao vídeo que os militares israelitas fizeram circular dos alegados
últimos momentos do líder do Hamas.
O ministro
dos Negócios Estrangeiros do Irão homenageou o líder do Hamas, no X, afirmando que “não temia a morte” e que
“lutou corajosamente até ao fim”. Seyed Abbas Araghchi faz referência à
fotografia do suposto cadáver de Sinwar, descrevendo-o como “fonte de inspiração para os combatentes da
resistência em toda a região, Palestinianos e não Palestinianos”. “A
causa da libertação da Palestina da ocupação está mais viva do que nunca”,
garantiu.
O Hamas regenerou-se para continuar a luta. Além do recrutamento de
milicianos, exigirá ter um papel na definição do futuro do território. “Diz-se, por exemplo, que o Hamas perdeu seis mil
combatentes, mas parece estar a recrutar – ou melhor, a mobilizar – cerca de
seis mil membros das suas reservas”, disse Hugh Lovatt, analista político, no
centro de estudos European Council for Foreign Relations (ECFR), sustentando: “Não estarão tão bem treinados como o
grupo inicial, mas são capazes de segurar numa arma e de disparar lança-foguetes
contra tanques israelitas.”.
O chefe do
Estado-Maior General das FDI, Herzi Halevi, disse, em carta aos soldados, por
ocasião do primeiro aniversário do ataque, que as forças armadas “derrotaram a
ala militar do Hamas” e que continuam a combater as suas capacidades
terroristas. Porém, os analistas sustentam que o Hamas não foi derrotado,
continua a ter capacidade de regeneração, ao nível do recrutamento de milicianos
e da reabilitação da infraestrutura subterrânea. “Acho que é muito fácil, de
facto, recrutar e regenerar, simplesmente porque há muitos órfãos e grupos como
o Hamas que sempre recrutaram os que ficaram órfãos em ataques israelitas
anteriores”, afirmou Joost Hiltermann, analista político no Cris Group.
O Hamas tem
trabalhado para restaurar alguns dos túneis danificados. Porém, o assassinato
do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, a 31 de julho de 2024, em visita ao
Irão, pode ter sido analisado como importante golpe contra o movimento. Exilado
no Qatar, Haniyeh era pragmático e moderado nas negociações. Mas o novo líder,
Yahya Sinwar, o mentor do atentado de 7 de outubro, é visto como um elemento da
linha dura, que manteria a luta armada a qualquer preço. Hiltermann revelou que
“as decisões são tomadas por consenso no Conselho da Shura”, mas que Yahya
Sinwar teria uma voz forte, devido ao 7 de outubro e à forma como é visto no Hamas
e talvez fora do Hamas, o líder forte”. E manter reféns israelitas, dava-lhe
uma carta forte”.
Yahya Sinwar
não se arrependeu do 7 de outubro e considerou que só é possível criar um Estado
palestiniano “pela via armada”, segundo a Reuters,
que contactou seis fontes políticas (quatro em organizações palestinianas e
dois governos do Médio Oriente).
Um
ex-militante comunista libanês, Nabih Awadah, que esteve preso com Sinwar (em Ashkelon,
entre 1991-95), disse que o líder do Hamas via os acordos de paz de Oslo
(1993), entre Israel e a Autoridade Palestina (AP), como “desastrosos” e um
estratagema de Israel, que só abriria mão de terras palestinianas “pela força,
não por negociações”. “Obstinado e dogmático”, iluminava-se de alegria, sempre
que ouvia falar de ataques do Hamas ou do Hezbollah contra Israelitas. O
confronto militar era a única via para libertar a Palestina da ocupação
israelita.
Os EUA e a União
Europeia (UE) tratam o Hamas como grupo terrorista, mas o movimento é crucial
para a negociação de um cessar-fogo. Alguns países ocidentais poderiam
desempenhar um papel de mediação mais importante, refere Joost Hiltermann,
considerando: “Países como a Noruega e a Suíça podem manter conversações com o
Hamas, porque não lhes atribuem o rótulo político de organização terrorista. É
uma decisão política.”
A ausência
de canais diretos de negociação é problema, segundo Hiltermann, porque o Hamas
é um movimento que luta contra a ocupação militar com violência, mas “é preciso
falar mais sobre soluções para o conflito israelo-palestino, que, até agora,
não estão a ser fomentadas”.
Porém,
segundo Hugh
Lovatt, analista político do
ECFR, uma solução política para o conflito terá como principal
interlocutor a Autoridade Palestiniana (AP), do presidente Mahmoud Abbas, pois governa
a Cisjordânia e parte de Jerusalém, devendo ser chamada a governar Gaza, como o
fazia desde 2007, depois de ter vencido eleições com o seu braço político. “Sejamos claros, o Hamas não vai a lado
nenhum, mesmo tendo sofrido tanto. Terá sempre a possibilidade de se
opor a qualquer intervenção externa em Gaza, quer se trate de uma intervenção
israelita, como está a acontecer neste momento, quer se trate da intervenção da
Autoridade Palestiniana no futuro ou de uma força internacional”, sustenta o analista, realçando que o conflito no Líbano
e as retaliações do Irão agravam a crise e sinalizam que o Irão continuará a
apoiar o Hamas em todas as frentes.
Outros
analistas dizem que o Hamas terá de ser incluído nas decisões sobre o futuro do
território, apesar de o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, ter
prometido “limpar o Hamas da face da Terra”. O Irão é a maior fonte de
financiamento do Hamas. Por razões estratégicas, ideológicas e pragmáticas,
continuará a sê-lo, segundo Lovatt. E Joost Hiltermann diz não haver espaço
significativo para soluções diplomáticas (embora existam sempre), pois a via
escolhida foi a da força, para subjugar os inimigos, vendo onde caem “as fichas”
e trabalhando “a partir daí”.
***
Enfim, a
guerra continua, como convém a muitos, e as pessoas sofrem a destruição e a
morte!
2024.10.18 – Louro de Carvalho
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