A 25 de
outubro, após meses de ataques do regime no Irão
contra o Estado de Israel e vice-versa, as Forças de Defesa de Israel (IDF) bombardearam
alvos militares iranianos nas regiões de Teerão, de Cuzestão e de Ilam,
incluindo locais de fabrico de mísseis e de defesas aéreas, o que acarretou a
morte de quatro soldados iranianos. Teerão admitiu “danos limitados”, lamentou
a morte dos seus militares e afirmou ter “o direito e a obrigação de se
defender contra atos agressivos externos”. Porém, não falou em retaliação.
Segundo Israel, os ataques aéreos
foram resposta à barragem de mísseis balísticos que a República Islâmica
disparou contra o país no início do mês. Os militares israelitas afirmaram que
os seus aviões visaram instalações que o Irão utilizava para fabricar mísseis
disparados contra Israel, bem como locais de mísseis terra-ar. Não houve indicação
imediata de que tivessem sido atingidas instalações petrolíferas ou de mísseis,
caso em que os ataques que teriam marcado uma escalada muito mais grave. E Israel
não fez qualquer avaliação imediata dos danos.
De acordo com o site
norte-americano Axios, Israel terá avisado, previamente, o Irão do
ataque e alertou contra qualquer retaliação. Apesar de pressionado, a nível
interno, para retaliar, atacando o programa nuclear ou os campos de petróleo do
Irão, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, optou por só visar alvos
militares, o parece mostrar o efeito da pressão diplomática dos Estados Unidos
da América (EUA) ao chefe do governo de Israel
Eram 2h15, os media iranianos reportaram as primeiras
explosões em Teerão. Quase logo a seguir, as FDI confirmavam estar a proceder a
um “ataque preciso”. Algumas horas depois, segunda onda de ataques atingiu as
regiões do Cuzestão e Ilam. Terão sido atingidos cerca de 20 alvos, incluindo
locais onde se fabricam os mísseis balísticos, drones e sistemas de defesa.
Pelas 6h00 horas, Israel dizia ter terminado o ataque e atingido os objetivos,
anunciando o regresso dos 140 caças, de aviões reabastecedores e de aviões
espiões usados para o bombardeamento, a mais de 1600 quilómetros de distância.
Além da morte de quatro soldados, o Irão admitiu
“danos limitados” e “alguns sistemas de radares danificados”, alegando que os
sistemas de defesa “intercetaram e combateram, com êxito, os ataques” – o que
Israel rejeita. “Penso que mostrámos que a nossa determinação para nos
defendermos não tem limites”, declarou o chefe da diplomacia, Abbas Araghchi.
Mais cedo, o seu ministério insistia que o Irão tinha “o direito e a obrigação”
de se defender, reconhecendo “a sua responsabilidade para com a paz e segurança
regional”.
Os media nacionais e fontes próximas
do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (CGRI) minimizam a situação, afirmando
que se tratou de um fracasso. Frisam que os dirigentes israelitas dirigiram o
ataque a partir de bunkers, alegadamente
por receio de potencial retaliação iraniana. E Fatemeh Mohajerani, porta-voz do
governo iraniano, na sua declaração sobre os danos causados pelos ataques
aéreos, disse que foram “limitados” e que a “situação é normal”.
Está longe a promessa de retaliação, mas isso não
mostra que o conflito esteja resolvido, até porque os aliados do Irão – o Hamas,
na Faixa de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, os Houthis, no Iémen, ou os rebeldes
iraquianos – prosseguem a luta. O Hezbollah condena a agressão sionista contra
a República Islâmica do Irão e considera-a uma escalada perigosa em toda a
região.
As instalações nucleares e
petrolíferas tinham sido consideradas como possíveis alvos da resposta de Israel
ao ataque iraniano de 1 de outubro, antes de a administração dos EUA ter
obtido garantias de Israel, em meados do mês, de que não atingiria esses alvos,
o que constituiria uma escalada mais grave. Com efeito, Washington advertiu
contra novas retaliações, indicando que os ataques recentes deveriam pôr fim à
troca direta de tiros entre Israel e o Irão.
O facto de Israel se ter concentrado
em alvos militares específicos, apesar de não ser o ideal para a República
Islâmica, está longe de ser o pior cenário. Um ataque mais extenso a
infraestruturas críticas – como instalações petrolíferas, elétricas ou
nucleares – poderia ter levado o Irão a uma crise ainda mais profunda, no
contexto da atual instabilidade económica e política.
O ataque em referência tem
precedentes graves. A 13 abril, o Irão bombardeou Israel de, forma direta,
pela primeira vez, lançado cerca de 300 mísseis e drones – a maioria dos quais
foi intercetada por Israel ou pelos aliados. É a retaliação ao ataque, duas
semanas antes, contra a embaixada iraniana em Damasco, que matou 13 pessoas,
incluindo um dos comandantes dos Guardas da Revolução. A 19 de abril, Israel
respondeu com o bombardeamento de um sistema de defesa aéreo iraniano, em
Natanz, localidade central no programa nuclear do Irão. E, a 2 de outubro,
o Irão voltou a atacar Israel, em resposta à morte do líder político do Hamas,
Ismail Haniyeh (em Damasco, a 31 de julho), e do chefe máximo do Hezbollah,
Nassan Nasrallah (em Beirute, a 27 de setembro). Teerão lançou 180 mísseis balísticos,
alguns dos quais atingiram bases israelitas causando danos materiais.
***
Face a estes acontecimentos, “profundamente preocupado”, António Guterres,
secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), “reitera, com urgência,
o seu apelo a todas as partes para que cessem todas as ações militares,
incluindo em Gaza e no Líbano, para que envidem todos os esforços para evitar
uma guerra regional generalizada e para que regressem à via da diplomacia”,
disse o seu porta-voz, num comunicado.
No
seguimento da postura de Guterres, líderes
ocidentais e do Médio Oriente apelaram a ambas as partes para que não se
envolvam numa escalada.
“O perigoso ciclo de ataques e retaliações corre o
risco de provocar uma nova expansão do conflito regional”, disse, em comunicado,
Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia.
“Espero que este seja o fim”, disse o presidente dos
EUA, Joe Biden, sobre o ataque israelita. Washington diz que não participou no
ataque ao Irão, mas Teerão acusa os Israelitas de terem lançado o ataque a
partir do espaço aéreo iraquiano, ocupado pelos EUA, e fala em “cumplicidade.
Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês instou “todas as partes a absterem-se
de qualquer escalada ou de ação que possam agravar o contexto extremamente
tenso na região”. A situação no Médio Oriente foi discutida, em conversa
telefónica, entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chefe de Estado egípcio Abdel-Fattah al-Sisi, segundo um comunicado da presidência egípcia citado pela
agência Xinhua.
O chanceler alemão Olaf Scholz reagiu aos ataques aéreos de Israel contra o Irão, na madrugada de
26 de outubro, publicando no X: “A
minha mensagem para o Irão é clara: não podemos continuar com reações de
escalada maciça. Isto tem de acabar já:”
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, apelou à “máxima contenção”.
Em Washington,
Sean Savett, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, afirmou
que os EUA instam o Irão “a cessar os seus ataques a Israel, para que este
ciclo de combates possa terminar sem uma nova escalada”.
A Arábia Saudita foi um dos vários países da região a condenar o ataque,
considerando-o uma “violação da soberania do Irão e uma violação das leis e
normas internacionais”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do reino disse rejeitar
a escalada na região e “a expansão do conflito que ameaça a segurança e a
estabilidade dos países e povos da região”.
Os Emirados Árabes Unidos (EAU) “condenaram veementemente” os ataques, de acordo com
um comunicado do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros.
A Turquia acusou
Israel de, na sequência dos seus ataques ao Irão, ter “colocado a nossa região
à beira de uma guerra maior”. “Pôr fim ao terror criado por Israel na região
tornou-se um dever histórico, em termos de estabelecimento da segurança e da
paz internacionais”, afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em
comunicado, apelando à comunidade internacional para que tome “medidas
imediatas para fazer cumprir a lei e travar o governo de Netanyahu”.
O Hamas, apoiado pelo Irão,
considerou o ataque “uma escalada que visa a segurança da região e a segurança
do seu povo”.
O líder da oposição israelita afirmou
que os ataques ao Irão não foram suficientemente longe. Yair Lapid criticou
a decisão de evitar “alvos estratégicos e económicos” no ataque. “Podíamos e
devíamos ter exigido um preço muito mais elevado ao Irão”, escreveu Lapid no X.
Em Portugal,
a Assembleia da República (AR) rejeitou a recomendação proposta pelo Bloco de
Esquerda (BE) para considerar Israel Katz, ministro israelita dos Negócios Estrangeiros,
como “persona
non grata”, depois de este ter atribuído esse estatuto ao
secretário-geral da ONU. A proposta do BE foi rejeitada com os votos contra do Partido
Social Democrata (PSD), do Partido Socialista (PS), do Chega, da Iniciativa
Liberal (IL) e do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), tendo obtido
os votos favoráveis dos restantes partidos.
***
O Irão encontra-se em posição
precária, sobretudo porque as suas forças regionais por procuração,
nomeadamente o Hezbollah, no Líbano, estão muito enfraquecidas. O regime está
consciente, pelo menos, nos bastidores, de que não tem capacidade militar para
se equiparar a Israel, que recebe, anualmente, milhares de milhões de euros em
ajuda militar dos EUA. Porém, embora seja improvável que o Irão renuncie ao
direito de retaliação, uma resposta imediata não parece estar de acordo com os seus
interesses estratégicos. A curto prazo, é provável que os media iranianos e a
televisão estatal enfatizem a narrativa de vitória, minimizando ou até rejeitando
aspetos do ataque de retaliação de Israel como falsos. O regime estará,
provavelmente, a ocultar danos nas instalações de produção de mísseis
balísticos ou nas fábricas de drones, aproveitando a natureza limitada e
coordenada da resposta de Israel para controlar a situação.
Esconder a verdade não é novidade na
política iraniana, com muitos exemplos como, o abate do avião ucraniano ou a
resposta de Israel ao primeiro ataque do Irão, em solo israelita, em abril de
2024. Relativamente ao ataque israelita às instalações de Isfahan, há alguns
dias e pela primeira vez, um alto comandante do CGRI reconheceu, finalmente, a
ocorrência deste ataque.
Embora se espere que o Irão mantenha
a retórica de resposta potencial, é provável que navegue num equilíbrio
delicado entre a escalada e a redução das tensões. E é de recordar que as próximas
eleições norte-americanas influenciarão, significativamente, as futuras
políticas do Irão e de Israel, e parece improvável que a Casa Branca permita
que as tensões entrem numa espiral, nos dias que restam – perspetiva que pode
levar o Irão a arquivar a questão, por agora – uma contenção talvez sugerida
pela garantia implícita do Irão de estabilizar o Líbano e Gaza, o que poderia
encorajar Teerão a manter o assunto em segredo.
Contudo, não se deve subestimar a
influência dos que beneficiam das sanções e da linha dura nos círculos
dirigentes do Irão, que veem no conflito em grande escala a sua única via de
sobrevivência política. Assim, o ataque corre o risco de aproximar os
arqui-inimigos de uma guerra total, numa altura em que a violência aumenta no
Médio Oriente, onde grupos militantes apoiados pelo Irão – incluindo o Hamas, em Gaza,
estão em guerra com Israel.
Esta foi a primeira vez que as FDI
atacaram abertamente o Irão, que não enfrentava uma barragem de
fogo sustentada de um inimigo estrangeiro, desde a guerra dos anos 80 com o
Iraque.
Enquanto as explosões soavam, as
pessoas, em Teerão, viram o que parecia ser fogo traçador a iluminar o céu.
Outras imagens mostram o que parecem ser mísseis terra-ar a serem lançados.
O Irão fechou o espaço aéreo do país
na madrugada do dia 26 e os dados de rastreio de voos analisados pela Associated Press (AP) mostraram que as companhias aéreas comerciais tinham abandonado
amplamente os céus do Irão e do Iraque, da Síria e do Líbano.
A Casa Branca indicou que os ataques
de Israel ao Irão deveriam pôr fim à troca direta de tiros entre os dois países
e avisou Teerão das “consequências”, se respondesse.
Israel e o Irão são inimigos ferozes
desde a Revolução Islâmica de 1979. Israel considera o Irão a sua maior ameaça,
citando os apelos dos seus líderes à destruição de Israel, o apoio a grupos
militantes anti-israelitas e o programa nuclear do país.
2024.10.26 – Abílio Louro de Carvalho
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