domingo, 27 de outubro de 2024

Líderes ocidentais e do Médio Oriente advertem contra escalada

 

A 25 de outubro,  após meses de ataques do regime no Irão contra o Estado de Israel e vice-versa, as Forças de Defesa de Israel (IDF) bombardearam alvos militares iranianos nas regiões de Teerão, de Cuzestão e de Ilam, incluindo locais de fabrico de mísseis e de defesas aéreas, o que acarretou a morte de quatro soldados iranianos. Teerão admitiu “danos limitados”, lamentou a morte dos seus militares e afirmou ter “o direito e a obrigação de se defender contra atos agressivos externos”. Porém, não falou em retaliação.

Segundo Israel, os ataques aéreos foram resposta à barragem de mísseis balísticos que a República Islâmica disparou contra o país no início do mês. Os militares israelitas afirmaram que os seus aviões visaram instalações que o Irão utilizava para fabricar mísseis disparados contra Israel, bem como locais de mísseis terra-ar. Não houve indicação imediata de que tivessem sido atingidas instalações petrolíferas ou de mísseis, caso em que os ataques que teriam marcado uma escalada muito mais grave. E Israel não fez qualquer avaliação imediata dos danos.

De acordo com o site  norte-americano Axios, Israel terá avisado, previamente, o Irão do ataque e alertou contra qualquer retaliação. Apesar de pressionado, a nível interno, para retaliar, atacando o programa nuclear ou os campos de petróleo do Irão, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, optou por só visar alvos militares, o parece mostrar o efeito da pressão diplomática dos Estados Unidos da América (EUA) ao chefe do governo de Israel

Eram 2h15, os media iranianos reportaram as primeiras explosões em Teerão. Quase logo a seguir, as FDI confirmavam estar a proceder a um “ataque preciso”. Algumas horas depois, segunda onda de ataques atingiu as regiões do Cuzestão e Ilam. Terão sido atingidos cerca de 20 alvos, incluindo locais onde se fabricam os mísseis balísticos, drones e sistemas de defesa. Pelas 6h00 horas, Israel dizia ter terminado o ataque e atingido os objetivos, anunciando o regresso dos 140 caças, de aviões reabastecedores e de aviões espiões usados para o bombardeamento, a mais de 1600 quilómetros de distância.

Além da morte de quatro soldados, o Irão admitiu “danos limitados” e “alguns sistemas de radares danificados”, alegando que os sistemas de defesa “intercetaram e combateram, com êxito, os ataques” – o que Israel rejeita. “Penso que mostrámos que a nossa determinação para nos defendermos não tem limites”, declarou o chefe da diplomacia, Abbas Araghchi. Mais cedo, o seu ministério insistia que o Irão tinha “o direito e a obrigação” de se defender, reconhecendo “a sua responsabilidade para com a paz e segurança regional”.

Os media nacionais e fontes próximas do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (CGRI) minimizam a situação, afirmando que se tratou de um fracasso. Frisam que os dirigentes israelitas dirigiram o ataque a partir de bunkers, alegadamente por receio de potencial retaliação iraniana. E Fatemeh Mohajerani, porta-voz do governo iraniano, na sua declaração sobre os danos causados pelos ataques aéreos, disse que foram “limitados” e que a “situação é normal”.

Está longe a promessa de retaliação, mas isso não mostra que o conflito esteja resolvido, até porque os aliados do Irão – o Hamas, na Faixa de Gaza, o Hezbollah, no Líbano, os Houthis, no Iémen, ou os rebeldes iraquianos – prosseguem a luta. O Hezbollah condena a agressão sionista contra a República Islâmica do Irão e considera-a uma escalada perigosa em toda a região.

As instalações nucleares e petrolíferas tinham sido consideradas como possíveis alvos da resposta de Israel ao ataque iraniano de 1 de outubro, antes de a administração dos EUA ter obtido garantias de Israel, em meados do mês, de que não atingiria esses alvos, o que constituiria uma escalada mais grave. Com efeito, Washington advertiu contra novas retaliações, indicando que os ataques recentes deveriam pôr fim à troca direta de tiros entre Israel e o Irão.

O facto de Israel se ter concentrado em alvos militares específicos, apesar de não ser o ideal para a República Islâmica, está longe de ser o pior cenário. Um ataque mais extenso a infraestruturas críticas – como instalações petrolíferas, elétricas ou nucleares – poderia ter levado o Irão a uma crise ainda mais profunda, no contexto da atual instabilidade económica e política.

O ataque em referência tem precedentes graves. A 13 abril,  o Irão bombardeou Israel de, forma direta, pela primeira vez, lançado cerca de 300 mísseis e drones – a maioria dos quais foi intercetada por Israel ou pelos aliados. É a retaliação ao ataque, duas semanas antes, contra a embaixada iraniana em Damasco, que matou 13 pessoas, incluindo um dos comandantes dos Guardas da Revolução. A 19 de abril,  Israel respondeu com o bombardeamento de um sistema de defesa aéreo iraniano, em Natanz, localidade central no programa nuclear do Irão. E, a 2 de outubro, o Irão voltou a atacar Israel, em resposta à morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh (em Damasco, a 31 de julho), e do chefe máximo do Hezbollah, Nassan Nasrallah (em Beirute, a 27 de setembro). Teerão lançou 180 mísseis balísticos, alguns dos quais atingiram bases israelitas causando danos materiais. 

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Face a estes acontecimentos, “profundamente preocupado”, António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), “reitera, com urgência, o seu apelo a todas as partes para que cessem todas as ações militares, incluindo em Gaza e no Líbano, para que envidem todos os esforços para evitar uma guerra regional generalizada e para que regressem à via da diplomacia”, disse o seu porta-voz, num comunicado.

No seguimento da postura de Guterres, líderes ocidentais e do Médio Oriente apelaram a ambas as partes para que não se envolvam numa escalada.

“O perigoso ciclo de ataques e retaliações corre o risco de provocar uma nova expansão do conflito regional”, disse, em comunicado, Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia.

“Espero que este seja o fim”, disse o presidente dos EUA, Joe Biden, sobre o ataque israelita. Washington diz que não participou no ataque ao Irão, mas Teerão acusa os Israelitas de terem lançado o ataque a partir do espaço aéreo iraquiano, ocupado pelos EUA, e fala em “cumplicidade.

Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês instou “todas as partes a absterem-se de qualquer escalada ou de ação que possam agravar o contexto extremamente tenso na região”. A situação no Médio Oriente foi discutida, em conversa telefónica, entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chefe de Estado egípcio Abdel-Fattah al-Sisi, segundo um comunicado da presidência egípcia citado pela agência Xinhua.

O chanceler alemão Olaf Scholz reagiu aos ataques aéreos de Israel contra o Irão, na madrugada de 26 de outubro, publicando no X: “A minha mensagem para o Irão é clara: não podemos continuar com reações de escalada maciça. Isto tem de acabar já:”

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, apelou à “máxima contenção”.

Em Washington, Sean Savett, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional,  afirmou que os EUA instam o Irão “a cessar os seus ataques a Israel, para que este ciclo de combates possa terminar sem uma nova escalada”.

Arábia Saudita foi um dos vários países da região a condenar o ataque, considerando-o uma “violação da soberania do Irão e uma violação das leis e normas internacionais”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros do reino disse rejeitar a escalada na região e “a expansão do conflito que ameaça a segurança e a estabilidade dos países e povos da região”.

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) “condenaram veementemente” os ataques, de acordo com um comunicado do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Turquia acusou Israel de, na sequência dos seus ataques ao Irão, ter “colocado a nossa região à beira de uma guerra maior”. “Pôr fim ao terror criado por Israel na região tornou-se um dever histórico, em termos de estabelecimento da segurança e da paz internacionais”, afirmou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em comunicado, apelando à comunidade internacional para que tome “medidas imediatas para fazer cumprir a lei e travar o governo de Netanyahu”.

O Hamas, apoiado pelo Irão, considerou o ataque “uma escalada que visa a segurança da região e a segurança do seu povo”.

O líder da oposição israelita afirmou que os ataques ao Irão não foram suficientemente longe. Yair Lapid criticou a decisão de evitar “alvos estratégicos e económicos” no ataque. “Podíamos e devíamos ter exigido um preço muito mais elevado ao Irão”, escreveu Lapid no X.

Em Portugal, a Assembleia da República (AR) rejeitou a recomendação proposta pelo Bloco de Esquerda (BE) para considerar Israel Katz, ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, como “persona non grata”, depois de este ter atribuído esse estatuto ao secretário-geral da ONU. A proposta do BE foi rejeitada com os votos contra do Partido Social Democrata (PSD), do Partido Socialista (PS), do Chega, da Iniciativa Liberal (IL) e do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), tendo obtido os votos favoráveis dos restantes partidos.

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O Irão encontra-se em posição precária, sobretudo porque as suas forças regionais por procuração, nomeadamente o Hezbollah, no Líbano, estão muito enfraquecidas. O regime está consciente, pelo menos, nos bastidores, de que não tem capacidade militar para se equiparar a Israel, que recebe, anualmente, milhares de milhões de euros em ajuda militar dos EUA. Porém, embora seja improvável que o Irão renuncie ao direito de retaliação, uma resposta imediata não parece estar de acordo com os seus interesses estratégicos. A curto prazo, é provável que os media iranianos e a televisão estatal enfatizem a narrativa de vitória, minimizando ou até rejeitando aspetos do ataque de retaliação de Israel como falsos. O regime estará, provavelmente, a ocultar danos nas instalações de produção de mísseis balísticos ou nas fábricas de drones, aproveitando a natureza limitada e coordenada da resposta de Israel para controlar a situação.

Esconder a verdade não é novidade na política iraniana, com muitos exemplos como, o abate do avião ucraniano ou a resposta de Israel ao primeiro ataque do Irão, em solo israelita, em abril de 2024. Relativamente ao ataque israelita às instalações de Isfahan, há alguns dias e pela primeira vez, um alto comandante do CGRI reconheceu, finalmente, a ocorrência deste ataque.

Embora se espere que o Irão mantenha a retórica de resposta potencial, é provável que navegue num equilíbrio delicado entre a escalada e a redução das tensões. E é de recordar que as próximas eleições norte-americanas influenciarão, significativamente, as futuras políticas do Irão e de Israel, e parece improvável que a Casa Branca permita que as tensões entrem numa espiral, nos dias que restam – perspetiva que pode levar o Irão a arquivar a questão, por agora – uma contenção talvez sugerida pela garantia implícita do Irão de estabilizar o Líbano e Gaza, o que poderia encorajar Teerão a manter o assunto em segredo.

Contudo, não se deve subestimar a influência dos que beneficiam das sanções e da linha dura nos círculos dirigentes do Irão, que veem no conflito em grande escala a sua única via de sobrevivência política. Assim, o ataque corre o risco de aproximar os arqui-inimigos de uma guerra total, numa altura em que a violência aumenta no Médio Oriente, onde grupos militantes apoiados pelo Irão – incluindo o Hamas, em Gaza, estão em guerra com Israel.

Esta foi a primeira vez que as FDI atacaram abertamente o Irão, que não enfrentava uma barragem de fogo sustentada de um inimigo estrangeiro, desde a guerra dos anos 80 com o Iraque.

Enquanto as explosões soavam, as pessoas, em Teerão, viram o que parecia ser fogo traçador a iluminar o céu. Outras imagens mostram o que parecem ser mísseis terra-ar a serem lançados.

O Irão fechou o espaço aéreo do país na madrugada do dia 26 e os dados de rastreio de voos analisados pela Associated Press (AP) mostraram que as companhias aéreas comerciais tinham abandonado amplamente os céus do Irão e do Iraque, da Síria e do Líbano.

A Casa Branca indicou que os ataques de Israel ao Irão deveriam pôr fim à troca direta de tiros entre os dois países e avisou Teerão das “consequências”, se respondesse.

Israel e o Irão são inimigos ferozes desde a Revolução Islâmica de 1979. Israel considera o Irão a sua maior ameaça, citando os apelos dos seus líderes à destruição de Israel, o apoio a grupos militantes anti-israelitas e o programa nuclear do país.

2024.10.26 – Abílio Louro de Carvalho

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