A Moldova foi
a votos, a 20 de outubro, para eleger um presidente e dar conta da vontade da
população sobre a União Europeia (UE), com um referendo sobre a entrada do país
no bloco comunitário.
Segundo a
Comissão Eleitoral Central, até ao fecho das urnas, às 21h00 de domingo, mais
de 1,5 milhões de eleitores – cerca de 51% dos eleitores (cidadãos e cidadãs
com capacidade eleitoral ativa, ou seja, que podem exercer o direito de voto) –
tinham votado.
O “sim” à adesão à UE venceu, por margem curtíssima,
o referendo; e Maia Sandu, que venceu a primeira volta das eleições presidenciais,
realizadas em simultâneo com o referendo, denunciou “fraude sem precedentes” na
votação.
Na manhã do
dia 21, com quase 99% dos votos contados, o “sim” alcançou, de acordo com as
autoridades eleitorais da Moldova, 50,18%, de um total de 1,4 milhões de
boletins de voto.
O resultado,
tecnicamente um empate, surpreendeu, uma vez que se esperava uma confortável
vitória do “sim”, mas o “não” chegou a estar à frente, durante a contagem.
Já a atual presidente
pró-União Europeia, Maia Sandu, fala numa “fraude sempre precedentes”,
denunciando que os números eleitorais resultaram de interferência estrangeira
na política moldava. “Grupos criminosos, juntamente com forças estrangeiras,
hostis aos nossos interesses, atacaram o nosso país, com dezenas de milhões de
euros, com mentiras e com propaganda, pelos meios mais miseráveis para
conduzir os nossos cidadãos e o nosso país para uma zona de incerteza e
instabilidade. Temos provas e informações de que o objetivo do grupo criminoso
era comprar 300 mil votos. A escala da fraude não tem precedentes”, afirmou
Maia Sandu, em conferência de imprensa.
Na corrida
presidencial, Sandu, que tenta a reeleição, venceu a primeira volta, com 42%
dos votos, num universo de 11 candidatos, mas não conseguiu obter uma maioria
absoluta. No dia 3 de novembro, Alexandr Stoianoglo, antigo procurador-geral
favorável à Rússia – dispensado pela presidente –, superou as sondagens e, com
cerca de 26% dos votos, vai disputar a segunda volta.
A Moldova
está, atualmente, em negociações com a UE, para se tornar membro do bloco
comunitário. Seja qual for o resultado do referendo, as conversações deverão
continuar, uma vez que este não é juridicamente vinculativo. Ainda assim, um
escrutínio que se esperava claro, para tornar o processo de adesão
irreversível, trouxe ainda mais instabilidade ao atual processo.
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Referia a Euronews,
a 18 de outubro, que os Moldavos iriam, no mesmo dia, eleger o seu novo
presidente e referendar a adesão à UE, sendo que a maioria dos jovens dizia
defender a integração da Moldova nas estruturas europeias.
Obviamente, as
opiniões dividem-se sobre se a adesão proporcionará o futuro que os apoiantes
da ideia desejam. Alguns Moldavos preferem manter relação cordial com a Rússia. “Este
referendo tem, de facto, um valor existencial para nós, para os cidadãos
moldavos, porque vai determinar escolhas civilizacionais para o nosso Estado e
para a sociedade moldava. Somos, efetivamente, Europeus, no sentido em que
estamos a aderir à civilização europeia ou continuamos a ser Soviéticos e a
pertencer a uma civilização que passou à História”, afirmou o analista político
Anatol Țăranu, em entrevista à Euronews.
As autoridades da Moldova alertaram para o facto de a Rússia estar a tentar desviar as eleições da adesão à UE. Chisinau (a capital da Moldova) estima que a Rússia tenha gasto cerca de 100 milhões de euros, no total, para prejudicar o processo eleitoral, designadamente, em campanhas de desinformação coordenadas destinadas a influenciar ou a suprimir o voto.
No dia 17, o primeiro-ministro da
Moldova, Dorin Recean, aconselhou os eleitores a manterem-se atentos. “Cabe-vos
a vós, caros cidadãos, parar o ataque à democracia. No domingo, a escolha é
vossa. Voltamos ao passado, sozinhos, sem recursos para o desenvolvimento,
vulneráveis aos desafios, ou vamos para o futuro, para a família dos países
civilizados?”, alertou.
A maioria dos jovens moldavos, com os quais a Euronews falou, disse preferir que o país faça parte das estruturas europeias. Para estes jovens, a integração significa melhores empregos e melhor realização profissional. Os Moldavos esperam, acima de tudo, salários mais altos e melhores investimentos em infraestruturas, especialmente em estradas. Estradas, talvez; salários dificilmente. Veja-se o caso português.
De acordo com as últimas sondagens,
cerca de 60% dos Moldavos estavam a favor da adesão do país à UE, o que o
referendo não confirmou. Como dizem alguns, “sondagens são sondagens” e “valem
o que valem”. Porém, a integração da Moldova na UE tornou-se o princípio
central do mandato da presidente da Moldova, Maia Sandu, também candidata que
venceu a primeira volta destas eleições presidenciais, mas podendo ganhar ou ser
derrotada na segunda volta.
***
Já em abril,
o governo pró-europeu da Moldova tomou
medidas para contrariar a alegada influência russa no referendo sobre a adesão
à UE, que iria realizar-se no outono. Criou uma agência, o Centro de
Comunicação Estratégica, para reagir às campanhas de desinformação e reprimir
os alegados esforços para subornar o eleitorado, pois A UE acreditava que
a Rússia estava a
injetar dinheiro no país, para comprar votos. “Estas formas de tentar enviar
dinheiro são muito criativas. Há de tudo, desde transportar dinheiro pouco
abaixo do limite máximo legalmente permitido (dez mil euros) – dinheiro que não
precisa de ser declarado, quando se atravessa a fronteira. Por isso, houve voos
com muitos desses transportadores”, explicava Janis Mazeiks, embaixador da UE na Moldova.
Moscovo, é
claro, opõe-se, profundamente, à adesão do antigo membro do bloco soviético à
UE, mas rejeita, de todo, as alegações de interferência política.
Recentemente,
a 16 de outubro, Mared Gwyn Jones publicou, na Euronews, um texto em que referia que funcionários europeus afirmavam que as campanhas de desinformação e os
esquemas de compra de votos corriam o risco de comprometer a integridade do
escrutínio de 20 de outubro.
As eleições presidenciais, em que a
atual presidente Maia Sandu, pró-europeia, é candidata à reeleição, coincidiram
com o referendo sobre a candidatura da Moldova à UE. Um “sim” à adesão à UE
levaria o governo de Chisinau a consagrar o desejo na Constituição do país,
cimentando o caminho para a UE. Todavia, a Moldova tem sido apanhada no fogo
cruzado de uma guerra de informação que opõe a adesão à UE a alinhamento mais
próximo com a Rússia. Os pró-europeus receavam que as técnicas de guerra
híbrida do Kremlin pudessem distorcer a votação.
“A Rússia não está a poupar esforços para subverter os processos eleitorais na Moldova”, afirmou no dia 14, o chefe da política externa da UE, Josep Borrell.
No início do mês, as autoridades
moldavas alertaram para o facto de cerca de 14 milhões de euros em fundos
russos terem sido canalizados diretamente para as contas de 130 Mil moldavos, na
tentativa de comprar os seus votos contra a UE. O oligarca pró-russo Ilan Shor,
conhecido por liderar as operações secretas do Kremlin na Moldova, também
ofereceu, publicamente, dinheiro em troca de votos contra a integração na UE.
Chisinau
estima que a Rússia tenha gasto um total de 100 milhões de euros, para
prejudicar o processo eleitoral, nomeadamente através de campanhas de desinformação
coordenadas para influenciar ou para suprimir o voto. “É isto que a Rússia faz.
É o seu modus operandi”, disse James
Nixey, diretor do Programa Rússia e Eurásia, do grupo de reflexão Chatham
House, considerando: “O que distingue a Moldova é o facto de a sociedade em geral
estar razoavelmente dividida ou, pelo menos, ambivalente, sobre se quer ir para
o abraço da Europa ou regressar à órbita da Rússia. Isso dá à Rússia um terreno
fértil para jogar.”
Para o referendo ser considerado
válido, é necessária uma taxa de participação de 33% (ora 51% de votantes
ultrapassa o score exigido para a
validade), o que significa que muitas campanhas apoiadas pela Rússia se têm concentrado
em desmobilizar os eleitores.
Não atingir o
limiar de participação seria fracasso para o governo e, em princípio, era um
objetivo mais facilmente alcançável para a Rússia do que garantir um “não”,
segundo Ondrej Ditrych, analista sénior do Instituto de Estudos de Segurança da
UE (EUISS). Porém, o presidente da delegação moldava do Parlamento Europeu (PE),
Siegfried Mureșan, diz que o apoio inabalável da UE a Chișinau superará a
guerra de informação do Kremlin.
A guerra na Ucrânia transformou a
arena política da Moldova, com os partidos que, anteriormente, apelavam à
relação mutuamente benéfica com a Rússia a distanciarem-se do Kremlin. Mudou
também o ambiente em Bruxelas, onde os funcionários veem a adesão da Moldova e
de outros países candidatos à UE como imperativo geopolítico.
A influência profunda da Rússia na
região separatista da Transnístria, que ladeia a fronteira oriental da Moldova
com a Ucrânia, tornava a adesão do país à UE profundamente problemática, quase
impossível. Moscovo tem 1500 soldados estacionados na Transnístria e os
rebeldes pró-russos no território têm assegurado que este se mantém firme na
órbita da Rússia. O Kremlin também intensificou, recentemente, os esforços para
desestabilizar a Moldova, através da pequena região autónoma de Gagaúzia, a
Sul. No dia 14, a UE sancionou a líder da Gagaúzia, Evghenia Guțu, que foi
acusada de promover o separatismo.
Questionado sobre se estas regiões
podem obstruir o caminho da Moldova para a UE, o eurodeputado Mureșan que “a
resposta simples é não”. “A integração da República da Moldova na UE traz
benefícios a todos os cidadãos do país, independentemente das zonas do país em
que vivem”, declarou perentoriamente.
A presidente da Comissão Europeia,
Ursula von der Leyen, acabou de apresentar um pacote de financiamento de 1,8
mil milhões de euros, o maior financiamento da UE à Moldova, desde a sua
independência, para apoiar o processo de adesão do país à UE. Uma vez aprovado,
a Moldova receberá parcelas de dinheiro de seis em seis meses, na condição de
implementar reformas judiciais e económicas fundamentais. Porém, o bloco sabe
que está a enfrentar um rival na Rússia, que está a explorar toda uma gama de
técnicas de guerra híbrida para desestabilizar o país.
Antes da votação de 20 de outubro,
Moscovo orientou a sua guerra de informação para os cidadãos da Moldova,
utilizando as plataformas sociais para semear a desconfiança na UE e
deslegitimar a presidente Sandu. A agência de investigação Check Point revelou,
recentemente, a campanha “Operação MiddleFloor” dirigida a funcionários
públicos moldavos, em que documentos falsificados divulgam falsas alegações sobre
a adesão à UE. Segundo alguns analistas, a campanha, corresponde ao padrão do
Kremlin de usar as minorias como arma para dividir as sociedades. Um documento
que se apresenta como da Comissão Europeia afirma que a bandeira LGBTQ+ seria
hasteada em edifícios ministeriais em 12 dias do ano, se a Moldova se tornasse estado-membro
da UE. E um e-mail falso afirma que o
governo está a introduzir um novo decreto para “atrair migrantes do Médio
Oriente, para compensar as perdas no mercado de trabalho”.
A Moldova não é alheia a ataques
híbridos que visam colocar a antiga república soviética, de novo sob a
influência de Moscovo. As atividades do Kremlin concentram-se em torno de
eventos eleitorais importantes, tornando o escrutínio de domingo vulnerável a
interferências.
“A Rússia tem tentado minar os
processos de modernização e de reforma na República da Moldova há 30 anos”,
explicou Mureșan, acrescentando que, no entanto, “não conseguiu travar a
Moldova no seu percurso de integração europeia”.
***
As conversações formais
sobre a adesão
da Ucrânia e da Moldova à UE começaram a 25 de junho, num
acontecimento considerado histórico. É natural que a Rússia queira
obstar a isso. Porém, custa a crer que se empenhe, tão a fundo, numa campanha
de falsidades. No entanto, a guerra da informação e da desinformação pode não conhecer
limites, de parte a parte.
2024.10.21 – Louro de Carvalho
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