quarta-feira, 9 de outubro de 2024

A migração irregular para a UE não está a aumentar

 

É comum, entre eurodeputados de extrema-direita, numa altura em que o debate sobre a imigração se torna cada vez mais tóxico, a afirmação de que está aumentar a migração irregular para a União Europeia (UE). Por isso, há discursos, manifestações e atos violentos contra imigrantes, eivados de xenofobia e de racismo, até com o pretexto de que estão a descaraterizar os países europeus, a eclipsar os valores ocidentais, nomeadamente a nossa matriz judaico-cristã. Parecerá uma preocupação perene, mas o debate sobre a imigração para a UE aqueceu, nos últimos meses.

O primeiro-ministro da Hungria, a 8 de outubro, em Estrasburgo, no discurso ao Parlamento Europeu (PE), em que apresentou as prioridades da presidência rotativa húngara do Conselho Europeu, incluiu a defesa de controlos fronteiriços mais rigorosos e políticas de migração mais duras em toda a UE, bem como a criação de centros de registo fora da UE, para o tratamento dos pedidos de asilo, e apelou à realização regular de uma “cimeira de Schengen”, para discutir o controlo das fronteiras. E reiterou o pedido do seu país para se excluir da política de migração da UE, uma abordagem que o governo holandês está agora a considerar.

“A ideia de uma política comum de migração é aceitável, mas, por favor, deixem que os países que não conseguem seguir a corrente principal tenham uma opção de exclusão. Caso contrário, estaremos a destruir a União Europeia”, afirmou Victor Orbán.

É de recordar que o chefe do governo húngaro ameaçou enviar refugiados para Bruxelas, em resposta à multa de 200 milhões de euros, imposta pelo Tribunal de Justiça Europeu (TJE), por violar, persistentemente, as regras de asilo do bloco e mais um milhão de euros por dia, até que alinhe as suas políticas com a legislação da UE. “Respeitaremos as leis e os regulamentos europeus. Mas, se alguém a quem foi concedido asilo na Hungria quiser ir para Bruxelas, teremos todo o gosto em ajudá-lo”, atirou.

No entanto, a eurodeputada holandesa Tineke Strik, relatora do PE para a Hungria, acusou Orbán de minar o sistema comum de asilo da UE. Em entrevista à Euronews, afirmou que o primeiro-ministro húngaro “usa a retórica para reforçar a sua posição e [para] chantagear a UE, [a fim de] obter mais fundos; não está a cumprir as obrigações de asilo e os requerentes de asilo estão a ser empurrados para trás nas fronteiras da Hungria”.

Já a 6 de setembro, Vitor Orbán, no Fórum de Cernobbio, no Norte de Itália, em que pediu novas leis para conter o fluxo migratório, clamava que a migração vai desintegrar a UE. “Se olharmos para trás, desde 2014 até agora, este período é um período de processo de desintegração da União Europeia”, vincou.

O líder nacionalista, criticado, há muito, que pelas posições contra os imigrantes, referiu-se a eles como “veneno” e como “não necessários”, enquanto discutia as suas três prioridades, durante os seis meses da presidência húngara da UE: competitividade, guerra na Europa e migração. Disse que a migração – como o género, o emprego e a segurança – é “questão existencial” que a UE enfrenta. E, refletindo sobre a abordagem da Hungria à migração ilegal e comparando-a com a generosa política de asilo da Alemanha, assegurou: “Nunca os deixaremos entrar.” 

Depois de ter discursado no Fórum, reforçou estas declarações na rede social X: “Deixem a Hungria e outros países optarem por não participar na política comum de migração”, publicou. 

Entretanto, o secretário de Estado Bence Rétvári, em conferência de imprensa, em Budapeste, fez eco destes comentários, afirmando que o governo anti-imigração está empenhado em pôr em prática um plano para oferecer aos requerentes de asilo viagens gratuitas, só de ida, para Bruxelas. 

Considerando que a UE quer forçar a Hungria a permitir que “imigrantes ilegais” atravessem as suas fronteiras, disse que o país ofereceria a esses imigrantes, voluntária e gratuitamente, viagens só de ida para Bruxelas. O transporte seria efetuado, “após a aplicação do procedimento europeu”, mas não especificou qual o estatuto dos requerentes de asilo, após o transporte.

Os comentários foram proferidos tendo como pano de fundo uma fila de autocarros de passageiros com letreiros luminosos a dizer “Röszke-Bruxelas” – rota que levaria os imigrantes da fronteira Sul da Hungria com a Sérvia para a sede da UE, na Bélgica. “Se Bruxelas quer imigrantes ilegais, Bruxelas pode tê-los”, disse.

A UE discorda da posição de Budapeste de obrigar as pessoas que procuram proteção internacional a deslocarem-se às embaixadas húngaras na Sérvia ou na Ucrânia, para solicitarem autorização de viagem, o que viola as regras da UE, que obrigam todos os países-membros a terem procedimentos comuns para a concessão de asilo.

O governo de Orbán afirmou que vai instaurar um processo judicial contra a UE, por causa das multas. E exigiu compensação pelos milhares de milhões que diz ter gasto na proteção das fronteiras, incluindo a construção de vedações protegidas por arame farpado, nas suas fronteiras meridionais com a Sérvia e com a Croácia. De facto, a UE congelou milhares de milhões de euros para a Hungria, devido a violações das normas do Estado de direito e da democracia. Alguns legisladores da UE pediram que o país fosse destituído dos direitos de voto na Comissão Executiva. E o governo não cumpriu o primeiro prazo de setembro para pagar a multa de 200 milhões de euros, imposta pelo TJE, abrindo caminho a potencial novo conflito com Bruxelas.

Em Portugal, a 29 de setembro, uma enorme manifestação anti-imigração organizada pelo Chega (e em que se terão integrado grupos ainda mais extremistas, como o 1143) encheu as ruas da capital, no que foi contrariada por uma manifestação de sentido contrário. Porém, o líder do Chega, André Ventura, contente garantiu que foi um dia histórico.

Entretanto, têm-se registado incidentes contra imigrantes, da parte de grupos organizados de ativistas anti-imigrantes, incluindo o caso de um grupo que encerrou as instalações da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) na cidade do Porto; e o presidente da Câmara de Lisboa, a 5 de outubro, no 114.º aniversário da implantação da República, mostrou-se contra a imigração de portas escancaradas, com situações de escravatura e, subliminarmente, de crime.

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Enfim, os políticos de extrema-direita, na França, na Alemanha, na Hungria e noutros países, têm apontado as chegadas de migrantes, “sem precedentes”, como ameaça à segurança e à identidade europeias: Berlim introduziu novos controlos fronteiriços; Budapeste, como vimos, ameaçou enviar autocarros de migrantes para Bruxelas; e Madrid estabeleceu acordos com líderes africanos para tentar conter o fluxo de pessoas.

Porém, apesar da retórica e das várias medidas defensivas, os números oficiais mostram que, nos primeiros oito meses de 2024, a migração não autorizada para a UE diminuiu significativamente.

De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) da Organização das Nações Unidas (ONU), as travessias irregulares das fronteiras meridionais da UE – que representam a maior parte deste tipo de migração – diminuíram 35%, de janeiro a agosto. Cerca de 115 mil migrantes não autorizados, que representam menos de 0,03% da população da UE, chegaram à UE, neste ano, através do Mediterrâneo ou do Atlântico, contra 176252 no mesmo período de 2023. Para colocar isto em perspetiva, mais de um milhão de pessoas entraram na UE, no auge da crise migratória, em 2015.

Os dados da UE revelam uma tendência semelhante. A Frontex, a agência de fronteiras do bloco, diz que as travessias não autorizadas do Sul caíram 39%, neste ano, em comparação com 2023.

Os migrantes utilizam, mais frequentemente, a rota do Norte de África através do Mediterrâneo central, para Itália, e cerca de 64% menos pessoas utilizaram esta rota, neste ano, do que em 2023. No entanto, os números relativos às rotas individuais não são os mesmos em todos os setores.

A segunda rota mais utilizada é a do Mediterrâneo Oriental, onde os números aumentaram 57%, nos primeiros oito meses do ano, com as redes de contrabando a utilizarem lanchas rápidas e outros métodos agressivos para contrariar a guarda costeira. Isto, apesar do suposto sucesso da UE com a declaração UE-Turquia, assinada em 2016, que terá travado o fluxo de migrantes irregulares da Turquia para a UE. A rota atlântica da África Ocidental para as Ilhas Canárias de Espanha é a terceira mais procurada e a sua utilização mais do que duplicou, neste ano.

De acordo com a ONU, mais de 25500 migrantes provenientes de países como o Mali e o Senegal desembarcaram nesta rota, no final de agosto.

No entanto, o primeiro-ministro espanhol anunciou uma série de acordos com vários países da África Ocidental, para tentar travar a maré, para aumentar a cooperação e para combater o tráfico de seres humanos. Pedro Sánchez garantiu que, apesar da retórica na Europa, a migração em si não é um problema, mas, sim, um problema que deve ser tratado com humanidade.

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Fixemo-nos um pouco no caso da AIMA, no Porto, pelo que representa. O grupo extremista Habeas Corpus, liderado pelo ex-juiz Rui da Fonseca e Castro, encerrou o balcão da AIMA, a 8 de outubro, como forma de protesto. O líder do grupo e alguns militantes afixaram diversos cartazes em toda a fachada do prédio, onde se lia “AIMA encerrada, enquanto os Portugueses não tiverem saúde, segurança, habitação, emprego, educação”. Durante a manhã, os cartazes foram retirados e o atendimento aos imigrantes aconteceu, normalmente, com seguranças à porta e apoio da Polícia de Segurança Pública (PSP). A entidade “lamenta estes atos de vandalismo que exibem práticas nada consentâneas com os valores democráticos e que, em última análise, prejudicam a segurança interna”.

Com esta ação na AIMA do Porto, já é de três o número de protestos promovidos por diferentes grupos, mas tendo os imigrantes como alvo. “A AIMA ficará encerrada, por determinação nossa e por tempo indefinido, enquanto os portugueses forem cidadãos de segunda na sua própria terra”, declarou Rui da Fonseca e Castro, num vídeo partilhado no grupo na rede social Telegram. Também foram colados QR Codes de propaganda do Habeas Corpus. Nos grupos online, a iniciativa foi festejada. “Esses estrangeiros vieram para substituir a raça branca; e, por isso, tudo fazem para nos eliminar”, escreveu uma militante.

Outros sugeriram a mesma ação em Lisboa e outras iniciativas, como “colocar carne de porco”.

Estas atividades são, geralmente, focadas contra pessoas LGBTI+, contra judeus e contra o 25 de Abril. Uma das ações recentes foi colocar uma cabeça de porco crua na mesa da reunião da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. No site oficial, o grupo frisa que a “luta é do Bem contra o Mal, dos valores Cristãos Ocidentais, que fazem da civilização europeia a mais evoluída e avançada do mundo, contra a seita do Anticristo”.

Para a investigadora da Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Ana Rita Gil, “é um momento em que os discursos intolerantes passaram a ter um espaço mais público para se exteriorizarem”. De acordo com a especialista e relatora nacional de diversos estudos para a Comissão Europeia e para o PE, nesta matéria, a ascensão do Chega tornou o tema da imigração fraturante na sociedade portuguesa, mudando o paradigma e demonstrando que há espaço para discursos intolerantes, cujas ideias já poderiam existir, mas não tinham ‘tempo de antena’”.

Para a investigadora, é importante ouvir as preocupações das pessoas e dar respostas. “Perceber de onde vem a preocupação e responder à mesma, ao invés de catalogar, imediatamente, tudo como sendo intolerância ou xenofobia. Por vezes, é apenas preocupação com o descontrolo, pura e simplesmente”, analisa, sustentando que, se a resposta não for adequada, podem ser atraídas para a causa pessoas inicialmente moderadas, que, não sendo ouvidas, passam intolerantes.

Por mais números que se exibam sobre a importância da mão-de-obra dos imigrantes no mercado de trabalho e nas receitas para a Segurança Social e para o fisco (é verdade), é preciso que o governo gira as migrações, de forma que seja sustentável para todos, pois, enquanto a população vir pessoas sem-abrigo migrantes na rua, nenhuma estatística as tornará menos extremistas. Depois, há que saber integrá-los, ministrar-lhes o ensino do Português e fazê-los cumpridores das nossas leis, mas respeitando, dentro do possível, as suas caraterísticas culturais.

2024.10.09 – Louro de Carvalho

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