domingo, 20 de outubro de 2024

Uma nova agenda, em sete pontos, para um pretenso novo ciclo

 

Assegurada a viabilização da proposta de Orçamento para 2025 (OE 2025) – o secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, garantiu-a pela abstenção –, Luís Montenegro aproveitou o encerramento do 42.º Congresso do Partido Social Democrata (PSD) para enunciar um conjunto de sete decisões que o governo irá tomar.

Assumindo o papel de primeiro-ministro (PM), em detrimento do de presidente do PSD, elencou prioridades imediatas, tais como o “acordo histórico” para a gestão de recursos hídricos a assinar com Espanha, nos próximos dias, a par do grande programa de infraestruturas para “transportar, reter e armazenar”, assegurando a existência de água suficiente “para décadas”.

No quadro de outros empreendimentos de longo-prazo, destacou o “grande projeto de reabilitação” da Área Metropolitana de Lisboa (AML), incluindo o Arco Ribeirinho Sul (Almada, Barreiro e Seixal), a zona do Vale do Jamor (Lisboa e Oeiras) e os terrenos libertados pelo atual aeroporto Humberto Delgado (AHD). E “criar uma sinergia capaz de levantar um projeto de revitalização, cultura, habitação e sustentabilidade ambiental” foi um objetivo enunciado pelo PM, significando a transformação de toda a zona em torno da capital numa “metrópole vibrante e homogénea, que não seja tão contrastante entre as duas margens do rio Tejo”. / 0:00

Começando as decisões pela água, “essencial à nossa vida e ao nosso futuro”, o líder social-democrata precisou que o acordo entre Portugal e Espanha garantirá caudais mínimos no Tejo e o pagamento da água do Alqueva pela sua utilização por agricultores do país vizinho.

Na saúde, apresentou uma medida – aparentemente pequena, mas relevante para milhares de Portugueses –, que passa por 150 mil doentes terem a possibilidade de receberem a sua medicação nas farmácias da sua área de residência, em vez de se deslocarem aos respetivos hospitais.

Na educação, prometeu aumentar a comparticipação pública por sala de aula, para universalizar o acesso à educação pré-escolar, admitindo novos contratos de associação, olhando o interesse das crianças e não qualquer bloqueio ideológico; disse que o governo reverá os programas dos ensinos básico e secundário; e, quanto à área da Estratégia para a Cidadania, garantiu que esta será guiada pelos valores constitucionais e será “libertada de amarras a projetos ideológicos e de fação”, numa concessão aos críticos do suposto predomínio da ideologia de género.

Sobre a imigração, destacou a construção de dois centros de instalação temporária, em Lisboa e no Porto, para acolher casos de imigração ilegal ou irregular, mas não esqueceu um programa de atração de talento para as nossas universidades e empresas, “atraindo capital humano qualificado” para vencer “um dos maiores entraves para a competitividade de Portugal”.

Na área da segurança, prometeu o “reforço da proximidade e [da] visibilidade da polícia nas ruas” e de sistemas de videovigilância; e realçou a criação de equipas multiforças, integrando a Polícia Judiciária (PJ), a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a Autoridade para as Condições do Trabalho Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e a Autoridade Tributária (AT), coordenadas pelo Sistema de Segurança Interna (SSI), para combater a criminalidade violenta, o tráfico de drogas, o tráfico e abuso de seres humanos e a imigração ilegal.

E, no tocante à violência doméstica, o PM assegurou a duplicação do valor do apoio para a autonomização de vítimas, bem como o investimento de 25 milhões de euros em instrumentos de teleassistência e de transporte de vítimas; e garantiu que mulheres colocadas em casas-abrigo fora da sua área de residência passam a ter acesso imediato a serviços de saúde.

Por fim, garantiu que os sociais-democratas continuarão a “dar o melhor” para assegurar “um futuro de humanismo, de justiça e de felicidade”. E, marcando diferenças em relação a outros partidos, nomeadamente ao Chega, referiu-se a uma governação “a bem do interesse de cada ser humano que nasceu, que cresceu, que vive ou que possa vir viver em Portugal”.

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O Congresso estava para ser momento de pressão sobre Pedro Nuno Santos. Porém, como este se antecipou em garantir a viabilização do OE 2025, pela abstenção, a reunião magna do PSD presumiu-se de abertura de novo ciclo político (esquisito, com mesma composição parlamentar, com o mesmo elenco ministerial e com um OE próximo do PS), da definição do PSD como partido de charneira e de uma agenda de sete áreas de intervenção, para um horizonte temporal que ultrapassa, claramente, a atual legislatura. E Luís Montenegro apresentou uma agenda que vai além da governação ao centro e anuncia medidas mais ao centro-direita e à direita (ocupando, de certo modo, espaço político que tem sido dominado pelo Chega).

Eis, em síntese, os sete pontos da nova agenda, seguindo António Costa do ECO online:

·           “Gestão de um recurso insubstituível como a água”, que passará por um “acordo histórico” com Espanha e por um programa de infraestruturas da água;

·           Reforço da proximidade e visibilidade da polícia, incremento de sistemas de videovigilância e formação de equipas multiforças que integrarão a PJ, a PSP, a GNR, a ASAE, a ACT e a AT, para combater a criminalidade, a violência, o tráfico de droga e a imigração ilegal;

·           Duplicação do valor do apoio à autonomização das vítimas de violência doméstica e investimento de mais 25 milhões de euros para apoiar mulheres acolhidas em casas de abrigo;

·           Projeto de reabilitação da AML, com três polos, a fim de aproximar as duas margens do Tejo, para o qual foi selecionada a designação de “Parque Humberto Delgado”;

·           “Aumento da comparticipação pública por sala”, teste de novos contratos, com vista a alargar a rede dos estabelecimentos de educação pré-escolar, contratos de associação com privados, revisão dos currículos escolares e libertação da “Cidadania” de projetos ideológicos;

·           Dar a 150 mil doentes os medicamentos na sua farmácia de proximidade;

·           Por fim, o PM junta o talento junta à imigração: construirá dois centros de acolhimento, no Porto e em Lisboa, e lançará um programa para atrair “capital humano qualificado, em ligação à academia e às empresas”.

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A reação dos partidos da oposição convidados para a cerimónia de encerramento foi imediata.

A líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, acusou o governo de fazer anúncios em permanente campanha eleitoral, de levar a ideologia para a educação e de ceder à extrema-direita na segurança e na imigração. São anúncios sucessivos feitos antes de qualquer avaliação sobre os anúncios que já foram feitos e que estão em execução. Por exemplo, do anterior plano para a educação, já se sabe que ir “buscar professores aposentados não resultou” e o país continua com dezenas de milhares de alunos sem aulas. Agora, há um anúncio a mostrar que o PSD “só tem social-democrata no nome”, pois, em serviços públicos, quer “tirar do público para dar ao privado”.

Para quem quer tirar amarras ideológicas, o anúncio sobre a educação, é profundamente ideológico, quer do ponto de vista do que se pretende fazer na área da Cidadania, quer na retoma do “financiamento aos privados”, que será retirado, “obviamente”, da escola pública.

Alexandra Leitão disse que, no discurso de Montenegro, houve “uma ausência total de referência ao interior, à coesão territorial”, assim como à habitação, que parece ter o PSD enterrado, definitivamente, a regionalização e que as medidas anunciadas para Lisboa são “avulsas e pouco compreensivas”. “Lisboa, antes de grandes anúncios sobre grandes pólis, talvez fosse mais importante que a higiene urbana em Lisboa funcionasse. […] Tirar o lixo da rua, começávamos por aí, começávamos devagarinho, pelas coisas que importam às pessoas em Lisboa”, afirmou.

E, sobre os anúncios relativos à segurança, opinou: “Acho que a aliança que apoia o governo está a tentar apropriar-se do discurso da extrema-direita. E uma das áreas em que o está a fazer é na segurança, a outra é na imigração.”

Por sua vez, o Chega acusou o PM de se ter baseado no seu programa eleitoral para fazer o discurso de encerramento do Congresso e de ignorar a Saúde, a Habitação e o interior do país.

“Fala em vários pontos, neste congresso, de medidas que sempre foram nossas, que estão no nosso programa eleitoral, que estão na base da fundação do nosso partido”, afirmou o deputado Filipe Melo, sustentando que o discurso do líder do PSD agradou, em parte (por exemplo, em relação à Cidadania na escola), mas que não percebe a posição do PM sobre questões como a imigração.

Sobre a imigração, deixou críticas: “Não percebo como é que o senhor primeiro-ministro, hoje, tem a capacidade de falar em imigração, depois de ter boicotado as propostas do Chega, ter boicotado um referendo”, apontou Filipe Melo.

Para o Chega, Luís Montenegro deixou de fora vários assuntos que o partido considera essenciais: a questão da Habitação, a questão da Saúde. “Dizem que estão a fazer progressos, nós não vemos, efetivamente, nenhum progresso, nós vemos retrocesso”, atirou, frisando que o chefe do governo “não conseguiu explicar o porquê, nem o que estão a tentar fazer para o futuro”.

Ao discurso de Montenegro faltaram também, segundo o Chega, palavras sobre o interior, ao passo que houve demasiadas medidas para Lisboa. “O país não é só Lisboa, o país contempla[-se] de Norte a Sul e interior e o senhor primeiro-ministro, mais uma vez, esqueceu-se das pessoas do interior dos pais”, vincou.

Belmiro Magalhães, membro da Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista Português (PCP), considerou que a reunião magna social-democrata ficou marcada por “uma vontade muito grande de continuar a zelar pelos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros”. “Essa é a marca de água que distingue o governo do PSD. Não se falou de aumento dos salários, das reformas, dos problemas da habitação, da valorização dos serviços públicos. Não se falou dos principais problemas do povo e do país”, sustentou.

Sobre os anúncios feitos pelo PM, Belmiro Magalhães disse que é de analisar cada uma das medidas, vincando que “talvez algumas delas nem sejam novas, outras estão seguramente muito longe da prioridade e preocupação das pessoas”. “O que a escola pública precisa é de mais professores, [de] mais auxiliares, [de] investimento nos próprios edifícios da escola e, portanto, desse ponto de vista, parece-nos que não é, seguramente, a questão prioritária”, afirmou.

O dirigente do núcleo do Porto do Livre Hélder Sousa notou a aproximação do discurso do PSD ao da extrema-direita” e disse-se preocupado com a reconfiguração da disciplina de cidadania”.

Por outro lado, frisou que incentivar os privados e distribuir recursos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) pelos privados não parece boa medida. E lamentou que o PM não tenha mencionado a habitação ou a emergência climática e “o que é preciso fazer para se enfrentar esse desafio, nos próximos tempos”. Não houve “nada sobre combate às desigualdades. Continuamos a assistir a algumas medidas que vão contribuir para privilegiar muitos poucos, em detrimento da maior parte das pessoas”, disse.

A dirigente do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) Sandra Pimenta afirmou que, após oito anos na oposição, o PSD traz “uma mão cheia de nada”; não apresentou “medidas inovadoras” ou que deem “resposta aos problemas diários”. “Assistimos a um discurso redondo, virado para o PSD e para as caraterísticas próprias do PSD e, por isso, temos de lamentar”, disse, considerando que “as alterações climáticas ficaram na gaveta” e que, sobre violência doméstica, o governo continua “a falar no fim da linha”.

Todos os apoios são importantes para as vítimas, essencialmente mulheres, de violência doméstica, mas temos de falar em prevenir, pois, até setembro, foram registados mais de 11 mil denúncias de crimes por violência doméstica. “Quando é que vamos parar estes números?”, perguntou.

A dirigente do PAN defendeu ainda que “é essencial que este governo comece a perceber” que a sociedade é sensível “à proteção e bem-estar animal”, mas as verbas para a proteção animal “ficaram completamente de fora” deste discurso. “Só temos a lamentar esta visão retrógrada, provavelmente influenciada pela coligação que se apresentou a estas eleições”, acentuou.

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As críticas seguem a posição ideológica ou pragmática dos partidos. Contudo, é de salientar que o PS aceitou, com o PSD, pela via referendária (sobretudo como a inscreveram na Constituição, em 1997) matar a regionalização; e, pelos vistos, por sugestão do Presidente da República, António Costa adiou o novo debate sobre a matéria para 2024. Montenegro limitou-se, por omissão, a adiá-lo para as calendas gregas. Quanto à Estratégia para a Cidadania nas escolas (que não se reduz a uma disciplina), a retirada da questão de género é tão ideológica como foi a sua inclusão. Não é por se discordar de uma tese que ela deve ser retirada do estudo. Por exemplo, discordo da pena de morte, mas rejeito que se abula o debate sobre ela

A meu ver, há clara cedência à pressão da extrema-direita, como a há na imigração, agora, em alinhamento com as novas opções da Comissão Europeia, e como a há à pressão da direita moderada no atinente à beneficiação dos privados na Saúde e na Educação.

O interior do país é o parente pobre da governação, porque não dá votos.

O acolhimento seletivo da imigração é mau sinal. É legítimo estabelecer dinâmicas de captação de recursos humanos qualificados, mas é desumano expulsar quem não tem meios de subsistência. Imigrantes ilegais devem, preferencialmente, passar por um processo de legalização. Só em casos de grave perturbação da ordem e ou de crime organizado é que devem ser expulsos, se não houver possibilidade de julgamento. De resto, são de acolher, integrar e respeitar as suas culturas.

Por fim, os sete anúncios em referência são cópia eleitoralista dos PowerPoints do governo anterior. Até parece que o PSD queria eleições antecipadas, agora!

2024.10.20 – Louro de Carvalho

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