Está em marcha a disputa pela liderança do Partido Conservador e Unionista
do Reino Unido, que perdeu as eleições de julho passado. Estão na corrida a esta liderança
partidária, desde 9 de outubro, Robert
Jenrick, antigo secretário de Estado da Imigração, e Kemi Badenoch, antiga
ministra da Economia; e, de acordo com a divulgação feita, nesse dia, o
vencedor será anunciado em 2 de novembro.
Efetivamente, uma votação realizada, a 9 de outubro,
pelo grupo parlamentar selecionou os dois finalistas ao eliminar,
inesperadamente, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros James Cleverly,
considerado o favorito.
Segundo o
presidente do Comité 1922 (que coordena a eleição interna), Bob Blackman, 42
deputados votaram em Kemi Badenoch, 41 em Robert Jenrick e 37 em James
Cleverly.
A corrida para a sucessão de Rishi Sunak, na sequência da
derrota histórica dos conservadores nas eleições de julho começou com uma lista
inicial de seis candidatos.
Em julho, Rishi Sunak conduziu o Partido Conservador, no
poder desde 2010, ao seu pior resultado eleitoral, desde 1832. Os conservadores
perderam mais de 200 lugares na Câmara dos Comuns (câmara baixa do parlamento
britânico), caindo para 121 deputados.
O Partido
Trabalhista, liderado por Keir Starmer, venceu as eleições. Agora, o novo líder
dos conservadores terá como desafio restaurar a reputação e a popularidade dos ‘tories’
(conservadores), na oposição, pela primeira vez, desde 2010.
Depois de
anos de desavenças e de escândalos internos, o Partido Conservador e Unionista foi
castigado pelos eleitores britânicos nas eleições legislativas de julho, dando
uma maioria absoluta de mais de 400 assentos (num total de 650) na Câmara dos
Comuns ao Partido Trabalhista.
O governo no Reino Unido é eleito para um mandato de cinco
anos, pelo que as próximas eleições só estão previstas para 2029.
Robert
Jenrick, antigo centrista que se deslocou para a direita, com um discurso duro
sobre a imigração, assumiu como desafio recuperar os votos de conservadores que
apoiaram o Partido Reformista (Reform UK), partido de direita radical e
anti-imigração, liderado pelo político populista Nigel Farage. Embora o Reform
UK tenha conquistado apenas cinco lugares nas eleições, ficou em segundo lugar
em muitas circunscrições eleitorais e a rápida ascensão assustou alguns
dirigentes conservadores, levando-os a deslocarem-se para a direita política.
Conhecido
pelos apoiantes como “Bobby J”, Robert Jenrick, de 42 anos, também se tem
destacado pelo apoio a Israel no conflito no Médio Oriente. Ele, que não é
judeu, mas é casado com Michal Berkner, filha de sobreviventes do Holocausto,
foi fotografado com uma camisola onde se lia “Hamas são terroristas”. Recentemente,
revelou que o nome do meio da uma das suas três filhas é Thatcher, o nome da
antiga primeira-ministra conservadora. Agora, defendendo que o Reino Unido
precisa de um “Novo Partido Conservador”, compromete-se a retirar o país da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), a acabar com a migração em
massa e a abolir as metas para reduzir as emissões de carbono. “Defender a
nossa nação e a nossa cultura, a nossa identidade e o nosso modo de vida”, defendeu
o candidato à liderança dos conservadores britânicos.
Por seu
turno, Kemi Badenoch, nascida na Nigéria, é vista como neoliberal que defende
uma economia de mercado livre, com impostos baixos, algo que assume que o
governo de que fez parte não cumpriu. “No governo, nem sempre cumprimos as
nossas promessas. Prometemos baixar os impostos e eles subiram. Prometemos reduzir
a imigração e ela aumentou”, assumiu, durante o recente congresso do partido.
No entanto, a
determinação em apontar os problemas do país levou a ser criticada por dizer, numa
entrevista, que o subsídio de maternidade no Reino Unido era “excessivo”.
A longa disputa pela liderança enfraqueceu a capacidade do
Partido Conservador em capitalizar os erros do novo governo, que desceu na
popularidade, na sequência do discurso pessimista sobre a economia e das
revelações sobre as prendas recebidas pelo primeiro-ministro, Keir Starmer.
Numa sondagem divulgada na primeira semana de outubro, 64%
dos inquiridos disseram que não se importavam com quem se tornasse líder dos ‘tories’
(conservadores), enquanto 31% disseram importar-se muito ou bastante. “A
população é largamente indiferente à corrida à liderança e os candidatos são
relativamente desconhecidos”, afirmou o diretor de sondagens políticas da
Ipsos, Keiran Pedley. Todavia, os cerca de 1100 inquiridos também disseram que,
a escolher, preferiam o eliminado James Cleverly a Kemi Badenoch ou a Robert
Jenrick.
***
A corrida à liderança dos ‘tories’
e o decréscimo da popularidade de Keir Starmer levam a equacionar a hipótese de
o Reino Unido (UK) abandonar a CEDH, sobretudo, se Robert Jenrick for vencedor da eleição
partidária. Assim, as ameaças de abandono da CEDH voltam a circular no Reino
Unido. E a questão que se levanta é: “Até que ponto são verdadeiras as afirmações
dos candidatos de que a Convenção dificulta os esforços de controlo da
migração?”
Por outro lado, pode concluir-se que os Britânicos não aprenderam com as consequências
do Brexit, ou seja, da saída da União Europeia (UE), por imposição do referendo.
Doravante, ficarão sob a hipótese de saírem do Conselho da Europa. Enfim, deixarão
as principais instituições europeias e, neste caso, por sonegação de direitos
humanos?
Desta vez, o
debate não tem nada a ver com a UE. Em vez disso, Robert Jenrick, candidato à
liderança do Partido Conservador, prometeu retirar-se, imediatamente, da CEDH,
caso venha a ser primeiro-ministro. A razão, diz ele, é a Convenção ser um obstáculo ao controlo da
imigração, permitindo que os imigrantes recorram ao Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (TEDH) para contestar a sua expulsão do Reino Unido.
Embora sem
fazer quaisquer promessas, Kemi Badenoch, a rival de Jenrick na corrida à
liderança, também se declarou disposta a abandonar a CEDH, se necessário, para
reduzir a imigração.
Estas
promessas provocaram uma onda de preocupação entre os moderados do partido.
Porém, será que a saída da CEDH e da organização-mãe, o Conselho da Europa,
faria alguma diferença?
Ainda que
haja alguma credibilidade na asserção de que o TEDH está a impedir o Reino
Unido de deportar imigrantes, não é inteiramente verdade. O tribunal só pode
intervir em circunstâncias muito específicas. Enquanto bastião dos direitos
humanos, o TEDH pode impedir as deportações, se o requerente de asilo em causa
correr um risco real de tortura ou de tratamento degradante no país para onde
seria enviado, em violação do artigo 3.º da CEDH (“Ninguém pode ser submetido a
torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes”).
“O Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem só pode bloquear as deportações nos casos em que
há provas de que uma pessoa pode sofrer danos muito graves, se for devolvida a
um país terceiro”, considerou Ilias Giannoulopoulos, professor de direito dos
direitos humanos na Universidade de Leeds, à EuroVerify.
Na verdade o
artigo 1.º do Protocolo
n.° 7 da Convenção para a Proteção dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que integra a CEDH,
estabelece, no âmbito das “garantias processuais, em caso de expulsão de
estrangeiros”:
“1.
Um estrangeiro que resida legalmente no território de um Estado não pode ser
expulso, a não ser em cumprimento de uma decisão tomada em conformidade com a lei,
e deve ter a possibilidade de: a) fazer
valer as razões que militam contra a sua expulsão; b) fazer examinar o seu caso; e c)
fazer-se representar, para esse fim, perante a autoridade competente ou perante
uma ou várias pessoas designadas por essa autoridade.
“2.
Um estrangeiro pode ser expulso antes do exercício dos direitos enumerados no n.°
1, alíneas a), b) e c), deste artigo,
quando essa expulsão seja necessária no interesse da ordem pública ou se funde
em razões de segurança nacional.”
O
documento só aborda o caso de estrangeiro que resida legalmente no território
de um Estado.
Todavia,
há outra razão – e talvez ainda mais
importante, segundo o professor de direito –, pela qual a referida asserção é
falsa, “é que o princípio jurídico da não repulsão não se baseia apenas na CEDH”,
mas é “um princípio fundamental do direito internacional”.
O princípio
da não-repulsão proíbe os países de deportar pessoas para um país que possa ameaçar a sua vida ou
liberdade, com base em fatores como a raça, a religião ou a nacionalidade.
É uma componente fundamental da CEDH e de outros acordos internacionais,
incluindo a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de
1951, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e a Convenção
das Nações Unidas contra a Tortura.
Por
exemplo, o artigo 7.º da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos
Refugiados, de 1951 estabelece que, “ressalvadas as disposições
mais favoráveis previstas por esta Convenção, um estado contratante concederá
aos refugiados o regime que concede aos estrangeiros em geral” (n.º 1); “após
um prazo de residência de três anos, todos os refugiados beneficiarão, no
território dos estados contratantes, da dispensa de reciprocidade legislativa”
(n.º 2); “cada estado contratante continuará a conceder aos refugiados os
direitos e vantagens de que já gozavam, na ausência de reciprocidade, na data
de entrada em vigor desta Convenção para o referido estado” (n.º 3); “os
estados contratantes considerarão com benevolência a possibilidade de conceder
aos refugiados, na ausência de reciprocidade, direitos e vantagens além dos de
que eles gozam em virtude dos parágrafos 2 e 3, assim como a possibilidade de
fazer beneficiar-se da dispensa de reciprocidade refugiados que não preencham
as condições previstas nos parágrafos n.os 2 e 3” (n.º 4).
Por isso, no
dizer de Trispiotis, “mesmo que o Reino Unido decidisse retirar-se da CEDH, as
autoridades estatais não poderiam deportar os migrantes que quisessem para
países terceiros, devido a outras leis, tratados e obrigações internacionais,
para além da CEDH”. O mesmo sucederia, se decidisse abandonar a CEDH e adotar
uma Declaração de Direitos Britânica, ideia do anterior governo. “Não teria
feito muita diferença em relação a este ponto em particular”, disse Gavin
Phillipson, professor de direito público e direitos humanos na Universidade de
Bristol, sustentando: “E qualquer que seja a declaração de direitos que se
tenha, esta só diz respeito à situação doméstica.” “Se quiséssemos ter total
liberdade a nível internacional, teríamos de nos retirar não só da CEDH, mas
também da Convenção sobre os Refugiados e da Convenção das Nações Unidas contra
a Tortura, o que não é realista”, acrescentou.
A CEDH só impõe restrições à forma como os
países tratam os refugiados ou os requerentes de asilo. Como
salientou Phillipson, a convenção não tem qualquer efeito sobre a forma como os
países tratam a migração legal, a esmagadora maioria dos números da migração. “Tudo
isto é feito com base na política governamental em matéria de vistos e de
motivos de trabalho e não tem nada a ver com a Convenção Europeia dos Direitos
do Homem”, explicou.
A grande
maioria dos países europeus integra o Conselho da Europa, pelo que é signatária
da CEDH. Assim, não é só o Reino Unido a lidar com as decisões desfavoráveis de
deportação do TEDH. A Rússia e a
Bielorrússia são os únicos totalmente fora do Conselho da Europa, tendo a primeira sido expulsa em março
de 2022, devido à invasão, em grande escala, da Ucrânia. A Cidade do Vaticano é
estado observador, enquanto o Kosovo está na fase final de adesão.
Porém, a
adesão à CEDH é tóxica no Reino Unido, devido à persistência do euroceticismo à
direita, após o referendo do Brexit, apesar de as sondagens mostrarem crescente
“arrependimento do Brexit” no eleitorado e de o Conselho da Europa e o
TEDH, por extensão, não terem a ver com a UE. É “exemplo caraterístico de propaganda
dirigida ao tribunal”, diz Dimitrios Giannopoulos, titular da cadeira inaugural
de Direito na Goldsmiths, Universidade de Londres, ao EuroVerify, sustentando: “A demonização do tribunal é um reflexo do
movimento eurocético. É um exemplo flagrante de que estamos a reviver o
psicodrama do Brexit.”
***
Fala-se
de direitos humanos, mas, na hora da verdade, surgem as objeções. E refugiado
ou requerente de asilo sofre!
2024.10.17 –
Louro de Carvalho
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