quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Organização da JMJ em risco merece intervenção do chefe de Estado

O Presidente da República promoveu, para 4 de agosto, uma visita das várias entidades responsáveis pela organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) ao local onde decorrerá a vigília e a missa final com o Papa, como o objetivo de sanar os problemas suscitados, nos últimos dias, pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), relativos às questões financeiras.    

A 29 de julho, o Expresso, num texto sob o título “Moedas envia conta do Papa para Costa e pode perder eventos”, revelava que a CML não tinha assinado o memorando com os encargos, criando apreensão nos organizadores. Assim, a um ano da chegada a Portugal do maior evento católico do mundo, que traz a Lisboa e a Loures Francisco e centenas de milhares de peregrinos durante uma semana, há um impasse sobre onde e como tudo acontecerá. Efetivamente, a CML ainda não assinara o memorando que enviou em abril e que distribui o trabalho, a conta e os locais das várias iniciativas, incluindo o evento de boas-vindas ao Papa. A não haver entendimento nas próximas semanas, parte dos eventos pode sair da capital, porque os prazos começam a ficar apertados, pelo que já se pensa em alternativas, de Vila Franca de Xira a Cascais.

Carlos Moe­das, na reunião pública da CML do dia 27 de julho, referindo-se ao ano do anúncio da escolha de Lisboa para sede da JMJ, frisou que era fácil dizer, em 2019, que estavam todos de acordo, mas chegada a parte operacional, o Governo tem de ser parte da solução, pois “a CML não é promotora do evento”.

Os avisos de Moedas, que atiram a decisão para setembro, fazem soar os alarmes entre câmaras, Governo e promotores. O edil enviou carta a António Costa e a Ana Catarina Mendes, a ministra que tem a pasta da JMJ, a exigir ajuda para, ao menos, as “torres multimédia e a estrutura das casas de banho”, um recuo face ao memorando, temendo-se que Lisboa não queira assinar. Por isso, D. Américo Aguiar, bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa e coordenador-geral da JMJ, almoçou com Moedas para dar conta destas preocupações.

No draft do memorando, a CML atribuía a si própria uma série de tarefas e encargos, entre eles questões práticas do evento principal, no Parque Tejo, como a iluminação, a água, um “espaço para alimentação de VIP e bispos, a colocação de casas de banho e as torres multimédia (imagem e som), que permitam a todos os peregrinos acompanhar as cerimónias em qualquer lugar do recinto e nas zonas circundantes”. Mais: Lisboa encarregava-se de assegurar os materiais e a logística dos outros eventos da semana de 1 a 6 de agosto de 2023, o que envolve a escolha dos espaços, em articulação com a Igreja, a preparação dos terrenos e todos os serviços e infraestruturas necessárias, como palcos, stands, ecrãs, luzes, colunas de som ou casas de banho.

Os destinatários da mensagem de Moedas foram os gabinetes dos vereadores e as demais entidades envolvidas no evento: Câmara de Loures, Comité Organizador Local (COL), criado pelo Patriarcado de Lisboa, e o grupo de projeto para a JMJ 2023 do Governo, coordenado pelo ex-vereador em Lisboa José Sá Fernandes. Porém, Sá Fernandes prefere destacar o que está “a correr bem”, diz-se seguro de que “tudo vai acontecer” e, como coordenador da equipa de missão (EM) admite que há “alguma apreensão”, porque “falta a CML dizer que faz tudo aquilo com que se comprometeu”. E, se não o assume, tem de o dizer, para se arranjar solução.

Ao mesmo tempo, elogia o trabalho conjunto das entidades, entre autarquias, Igreja e Governo, garantindo que o novo Executivo “já assumiu uma série de tarefas, algumas que até eram das câmaras”. É o caso do plano de mobilidade ou das áreas da saú­de e da segurança, como “hospitais de campanha, tendas para a saúde, proteção civil, etc., bem como os planos de segurança, merecendo elogio o Sistema de Segurança Interna do Estado.

A JMJ divide-se em dois espaços-tempo, o mais importante no final do evento, no Parque Tejo, entre Lisboa e Loures, junto ao rio Trancão, a única localização que está assegurada. Mesmo com as reservas sobre quem vai tratar da infraestrutura, as obras no antigo aterro arrancaram e os terrenos estão a ser preparados para a chegada e pernoita de milhares de peregrinos.

A empreitada custa cerca de €7 milhões, a que se juntam mais €2 milhões para a montagem do palco de onde o Papa celebrará a missa. No local já se percebe a elevação onde será montada a estrutura de cerca de dois mil metros quadrados e 12 metros de altura. Não muito longe nascerão duas pontes a ligar Lisboa e Loures, uma pedonal e uma militar, por onde passará o Papa.

O evento é de proporções ainda difíceis de prever. As incertezas não permitem uma base realista, conta Duarte Ricciardi, secretário-executivo do COL, por ser a primeira JMJ pós-pandemia. No evento equivalente em Madrid, em 2011, estiveram 1,2 milhões de pessoas. Em Cracóvia, em 2016, foram dois milhões – isto só para citar dois exemplos na Europa.

Sá Fernandes não arrisca números, mas está “descansado” porque a preparação do terreno do Parque Tejo era “o mais importante” pelo que gostava de ver nascer ali um enorme parque urbano que unisse os dois concelhos e que se chamasse Parque Papa Francisco.

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O Presidente da República tem acompanhado a causa desde o início e mantido o contacto com os diferentes responsáveis da preparação da JMJ, que decorrerá entre 1 e 6 de agosto. E fez saber, em diversas ocasiões, que quer que o evento seja um sucesso, não sendo, pois, de estranhar o seu empenhamento em tentar resolver o conflito que estalou quando o Expresso noticiou que a CML queria rever a fatura de cada uma das entidades envolvidas e que, no limite, poderia levar a que os principais atos da JMJ saíssem da capital. Assim, na visita ao local, no dia 5, Marcelo juntou os dois presidentes de câmara – Carlos Moedas (Lisboa, PSD) e Ricardo Leão (Loures, PS) –, bem como a ministra adjunta Ana Catarina Mendes, que tutela a EM criada pelo Governo, e o presidente do Comité Organizador Local (COL), D. Américo Aguiar.

O chefe de Estado, sentindo que algo está a correr mal e, prevenindo alguma derrapagem de prazos, de empenhamentos e de compromissos financeiros, chamou os principais intervenientes para que Lisboa e Portugal não falhem na preparação do acontecimento. Nos bastidores da organização, há quem recorde que o compromisso de promover a jornada é da Igreja local – no caso, o Patriarcado. Mas ele só é tomado quando as cidades de acolhimento assumem a sua parte. O anterior executivo camarário presidido por Fernando Medina decidiu apoiar a realização da JMJ em Lisboa. Loures juntou-se-lhe, considerando que a maior parte do terreno da Jornada fica no concelho, na margem do rio Trancão: cerca de 70 hectares em Loures e cerca de 30 em Lisboa, com uma nova frente ribeirinha linear de seis quilómetros, do lado de Loures.

Responsáveis do COL destacam o cartaz turístico para Lisboa, que constituirá a missa final com o Papa, a celebrar junto ao Tejo de modo que, aquando do lançamento do vídeo oficial com o hino da JMJ, apareceram críticas na Igreja dizendo que se tratava de vídeo de promoção turística.

No memorando entregue em abril aos restantes parceiros, a CML comprometia-se com obras de iluminação, abastecimento de água, espaço para alimentação de bispos e convidados, casas de banho e torres de imagem e som para transmissão das cerimónias no Parque Tejo. Além disso, em vários locais da cidade (Parque Eduardo VII, Belém, Terreiro do Paço e outros) haverá outros acontecimentos nos dias 1 a 5 de agosto que exigem infraestruturas para acolher espetáculos, espaços de oração, manifestações culturais e muitas outras iniciativas que envolverão as centenas de milhares de peregrinos que virão a Lisboa.

Em relação a esses locais, o COL decidiu que as missas de abertura e de acolhimento, bem como a Via Sacra do Papa com os jovens serão no parque Eduardo VII – local onde decorreu, em 1991, a eucaristia do Papa São João Paulo II com os jovens portugueses e que foi uma das inspirações para a convocação das JMJ. Também a missa de abertura, presidida pelo cardeal-patriarca, no dia um, decorrerá no Parque Eduardo VII. D. Manuel Clemente completa 75 anos a 16 de julho do próximo ano e, por isso, quando presidir ao ato inaugural da JMJ, terá já apresentado o pedido de resignação. Mas é tradição que um cardeal fique mais tempo no cargo. Por isso e porque seria absurdo substituir o principal responsável local meses antes do evento, presidirá – a não ser que apareça razão grave, por exemplo de saúde, que o obrigasse a retirar-se mais cedo.

Belém é a zona escolhida para os outros atos principais: Feira das Vocações, grande apresentação dos grupos e movimentos católicos, ao jeito de exposição, e o Parque do Perdão, com largas dezenas de confessionários. Por fechar está o encontro final do Papa com os 30 mil voluntários, que trabalharão na JMJ, que será o maior evento alguma vez realizado em Portugal. Porém, nem o COL nem a EM criada pelo Governo e dirigida por José Sá Fernandes dizem quantos jovens preveem que possam estar em Lisboa, até porque as inscrições só abrirão no final do verão.

D. Américo Aguiar aponta fatores que podem alterar o número de participantes: a pandemia, cujos efeitos ainda se sentem, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e as consequências económicas e políticas que esta pode provocar são elementos a ter em conta. De qualquer modo, os cenários oscilam entre os 400-500 mil, no mínimo, até menos de milhão e meio no máximo. Donde pode vir mais incerteza é de Espanha e do Brasil. Por isso, os organizadores estão a trabalhar com a Conferência Episcopal Espanhola e a sua estrutura de pastoral juvenil, no sentido de os jovens de inscreverem. Também o Brasil (e vários países da América Latina) é uma incógnita quanto ao número de participantes. O que é seguro é a herança sustentável que a JMJ de Lisboa vai deixar: um enorme parque verde junto ao Tejo e à foz do Trancão. É muito importante que nasça ali um parque como legado da JMJ a Lisboa e a Loures. Mas, para lá do parque, o objetivo é que a própria JMJ seja sustentável e não deixe pegada ecológica negativa. D. Américo Aguiar dá o exemplo das instalações do COL. Apesar de haver ar condicionado instalado, só é ligado em determinadas salas, mas com contrapartidas: há uma lista de comportamentos que os responsáveis e voluntários se comprometem a ter, sempre que ligam os aparelhos, de modo a diminuir a fatura ecológica.

Sónia Paixão, vice-presidente da Câmara Municipal de Loures com a tutela da JMJ, também diz que a Jornada será “oportunidade única” para um território até agora ocupado por contentores. “Será um legado” de algo devolvido às populações que poderá ser um lugar de “lazer, fruição, que possa acolher grandes momentos de família ao ar livre”. “Será uma forma de deixar algo em que o Papa tanto tem insistido”, diz a vice-presidente da autarquia: “um momento de fé e que fique também como exemplo de sustentabilidade ambiental”.

No atinente à preparação temática da JMJ, para já, os jovens portugueses, além da peregrinação dos símbolos, de reuniões de oração ou de encontros de debate, seguem dois guiões catequéticos: o Say Yes e o Rise Up. Mas ainda não há iniciativas públicas significativas. Ora, temas como guerra e não-violência, sustentabilidade e ecologia, falta de emprego e habitação para os jovens, participação política ou outros (muito caros ao Papa), não deram origem a nenhuma iniciativa pré-JMJ. Mas D. Américo Aguiar espera que, depois do verão, surjam iniciativas diversas.

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Assim se crê, assim se espera. Que se entendam e trabalhem, porque o tempo é breve!

2022.08.03 – Louro de Carvalho 

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