segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Funerais de José Eduardo dos Santos no dia dos seus 80 anos

 

Embora falecido a 8 de julho, num a clínica catalã, onde estava internado, o ex-presidente de Angola só foi sepultado no dia 28 de agosto. Com efeito, a sua morte fora do seu país suscitou polémica entre os filhos mais velhos, que não queriam que o defunto fosse sepultado em Angola, onde alegadamente fora maltratado nos últimos tempos, e a viúva com os filhos mais novos, por um lado, e entre aqueles e o Governo, por outro, que desejavam que o antigo estadista fosse sepultado no país e com honras de Estado.  

Apesar de o velório ter sido emoldurado por uma multidão menor que o esperado, como provam as cadeiras vazias perto do Mausoléu Agostinho Neto, os que acorreram à Praça da República, elogiaram o ex-presidente e agradeceram-lhe o facto de ter obtido a paz no país. Paulo Paz foi um dos que homenagearam “uma figura considerada muito forte a nível de África” que “assegurou o país no tempo da guerra, trouxe a paz e grandes benefícios, inclusive a reconstrução do país”. E, sem referir a polémica do atual Presidente sobre a anterior gestão ou os processos judiciais a elementos da família, frisou que, após a sua saída do poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) “tratou muito bem” Eduardo dos Santos – o que não é consensual.

Depois, defendeu que, para Angola, o Presidente João Lourenço está só a cumprir um plano que é do MPLA no poder e que o antigo presidente deixou. E, minimizando a polémica em torno das eleições do dia 24, com resultados contestados pela oposição, sobretudo pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), sustentou que as forças armadas e a polícia de segurança pública estão preparadas, nada havendo a temer. A manifestação de jovens, agendada nas redes sociais, entre o cemitério de Santa Ana e a praça 1.º de Maio, quase inexistente. A UNITA almeja o poder e “ninguém aceita perder de ânimo leve”, mas a defesa face a qualquer rebeldia está assegurada pelo Governo, ainda que a oposição conteste os resultados pelas vias legítimas e a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) se tenha disponibilizado para a recontagem dos votos, sobretudo para rever a distribuição de mandatos, revisão que pesará para a UNITA.  

Madalena Joaquim preferiu não discutir política e insistiu que estava apenas a prestar homenagem ao ex-presidente, “o nosso pai, foi o nosso pai, um líder que liderou tantos anos”.

Diamantino Mbarfungo considerou que a “perda deste presidente significa muito” para Angola, porque “foi um grande líder”. Quanto aos resultados eleitorais, minimizou a crítica, pois “o MPLA não perde nada” (mas perdeu na Província de Luanda) e observou que a morte de Eduardo dos Santos nada tem a ver com os resultados do MPLA, que, segundo os dados da CNE, baixou de maioria qualificada para maioria absoluta. E, sobre a ausência das filhas mais velhas de Eduardo dos Santos, disse que “são angolanas, podem vir” prestar a “sua homenagem ao pai em Angola”.

A urna chegou, num cortejo sem multidões, no dia 28, pelas 10 horas, à Praça da República, local do Memorial António Agostinho Neto, consagrado ao primeiro presidente de Angola, pois a praça da República foi escolhida para as cerimónias fúnebres, depois de ter acolhido um velório público sem corpo logo após a morte do estadista, durante um luto nacional de sete dias. E, no dia 28, houve honras militares num programa que incluiu música lírica, leitura de mensagens do Estado angolano e da família, do MPLA, da Fundação José Eduardo Santos, leitura do elogio fúnebre e um culto ecuménico, acompanhado de grupos corais.

Familiares do estadista, em particular a viúva Ana Paula dos Santos e os três filhos em comum, estavam na tenda onde decorreu a homenagem, tal como vários membros do Governo, dirigentes do MPLA e amigos do ex-presidente. Estiveram também o presidente da UNITA, bem como líderes de outros partidos da oposição, bispos católicos, membros do executivo angolano e outras individualidades.

Compareceram nos funerais 24 delegações estrangeiras, incluindo vários chefes de Estado e de Governo, com destaque para o primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe e os presidentes de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de Portugal, além de outros países africanos.

Téte Antonio, ministro das Relações Exteriores, assinalou o impacto internacional da ação do ex-presidente, que levou Angola ao reconhecimento da comunidade internacional, numa presidência internacional marcada pelo papel “que teve na nossa própria região e pacificação da região”.

Ao invés do que sucedia em vida, quando no dia do aniversário de Eduardo dos Santos, a 28 de agosto, todos queriam estar presentes, tornando-se um dia de festa em que muitos angolanos se juntavam à celebração, as cerimónias ficaram marcadas por alguma falta de pessoas. As exéquias, apesar de o corpo ter aterrado em Luanda em campanha eleitoral, foram celebradas depois das eleições, embora no rescaldo pós-eleitoral, quando se aguardam os resultados definitivos das eleições, com os dados preliminares a apontar à vitória do MPLA, contestada pela UNITA.

O ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português João Gomes Cravinho salientou o papel do ex-presidente angolano, vincando que soube criar proximidade com Portugal e que o país “lhe deve muito”. Disse que soube estabelecer com todos os Presidentes da República portugueses eleitos em democracia, devido à longevidade da carreira, relações que propiciaram a proximidade entre os nossos povos. Para Cravinho, esta “é a homenagem que Angola e o mundo devem” a José Eduardo dos Santos, que foi Presidente durante 38 anos “em tempos difíceis e complexos”, mostrando “liderança extraordinária em momentos decisivos para Angola e para o continente africano e naturalmente Portugal não podia deixar de estar presente ao mais alto nível”.

Uma das filhas mais novas do ex-presidente recordou o “pai da nação” e agradeceu o apoio do Governo à família na realização das cerimónias oficiais de exéquias fúnebres. Para Josiane dos Santos, que colaborou com o Governo na realização da cerimónia, Eduardo dos Santos assumiu principalmente o papel de pai, “adotando uma nação inteira e logo o continente que o carrega”. Em nome da família, agradeceu a todos os que se lhe juntaram para celebrar “a vida do grande homem que perdemos” e deixou um “reconhecimento aos membros do executivo que tornaram possível este dia”. E assegurou não deixar que usem o nome do pai em vão e em benefício próprio e que lutará nas batalhas dele “com determinação”, pois as lutas do pai “não foram em vão” e mencionou a música e o desporto, sobretudo o futebol, como suas paixões.

Isabel, Tchize dos Santos e o irmão Coreon Du, que recusaram participar no funeral de Estado, choraram o pai nas redes sociais e recordaram o seu aniversário. O cantor Coreon Du, que já tinha manifestado os momentos difíceis que estava a atravessar depois de um tribunal espanhol decidir entregar a custódia do corpo do ex-presidente à viúva contra a vontade dos filhos mais velhos, lamentando ter-lhe sido roubada a oportunidade “de dar-lhe o último adeus na terra que nos viu nascer”, neste dia, quis marcar o aniversário. Garantiu que, “nos momentos mais difíceis” se lembrará da voz serena e do sorriso do pai, que espera que o motivem a não perder o otimismo e nem a sensatez. A empresária Isabel dos Santos, que tinha expressado a sua mágoa na véspera, apenas disse: “Feliz aniversário, papá.” E a empresária Tchize dos Santos, ex-deputada do MPLA e influenciadora, desejou “feliz aniversário” ao pai, num ‘post’ acompanhado de uma música em que acrescentou: “Em tua memória, continuarei a lutar pela pátria”.

Estes filhos não visitam Angola há anos, como Eduardo dos Santos, que se exilou em Barcelona quando o regime liderado por Lourenço a partir de 2017 ergueu a bandeira da luta contra a corrupção atingindo alguns deles, sobretudo Isabel do Santos, que enfrenta processos na justiça.

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Governo, amigos e partido governamental recordaram a figura do ex-presidente angolano, o “bom patriota” que promoveu a paz e reconciliação no país. Em nome da direção do MPLA, de todos os militantes, simpatizantes e amigos do partido, Luísa Damião, vice-presidente do partido do Governo, ofereceu uma flor e disse adeus ao presidente emérito, arquiteto da paz. Em representação da Fundação José Eduardo dos Santos, João de Deus recordou que o povo falava do ex-presidente como Zedu, “dada a sua natureza de humildade e trajetória simples”. E este orador, que desmaiou durante o discurso, tendo sido assistido pelos serviços médicos, disse que Eduardo dos Santos “sacrificou a sua juventude”, assumindo, em 1979, a “substituição necessária para dar sequência ao prematuro passamento físico do imortal guia da revolução” (referência a Agostinho Neto). O chefe da Casa Civil do Presidente de Angola, Adão de Almeida, afirmou que o país se despede de Eduardo dos Santos, “bom patriota” que “trouxe a paz” e garantiu a “unidade territorial” ao longo dos 40 anos de governo. Elogiou o seu legado histórico e o seu papel na transição para o regime democrático, economia de mercado e na construção de um conjunto de “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, dos quais destacou a abolição da pena de morte. Mas, em particular, elogiou a “invulgar sagacidade” do ex-presidente que, após a vitória na guerra civil, promoveu a reconciliação nacional, de “cujos frutos Angola usufrui há 20 anos”. E Roberto Almeida, antigo presidente da Assembleia, falou do amigo como “arquiteto da paz” que pôs fim a “décadas de guerra fratricida”, num “reencontro da grande nação angolana”.

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Paz à alma do ex-presidente e que Angola enverede mesmo pelas sendas da democracia plena.

2022.08.29 – Louro de Carvalho

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