sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Máscara obrigatória só em unidades de saúde e em lares de idosos!

 

Nos termos do comunicado do Conselho de Ministros de 25 de agosto, a não ser nas unidades de saúde e nos lares de idosos, a vida voltou a ser possível sem máscara, que deixou de ser obrigatória nos transportes e até nas farmácias.

Efetivamente, o Governo aprovou o decreto-lei que procede à eliminação da obrigatoriedade do uso de máscaras ou viseiras nos seguintes locais: transportes coletivos de passageiros, incluindo o transporte aéreo, bem como o transporte de passageiros em táxi ou TVDE (Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a partir de Plataforma Eletrónica ); farmácias de venda ao público; e locais em que tal seja determinado em normas da Direção-Geral da Saúde. Trata-se do Decreto-Lei n.º 57-A/2022, de 26 de agosto, assinado, promulgado, referendado e publicado em tempo-relâmpago.

Não obstante, o intuito de proteger quem se encontre em situação de maior vulnerabilidade leva a manter obrigatório o uso de máscaras ou viseiras em estabelecimentos e serviços de saúde e em estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para populações vulneráveis, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como em unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI).

Escudam-se os decisores no desenvolvimento positivo da situação epidemiológica para julgarem oportuna a eliminação de mais medidas restritivas, assegurando sempre a sua proporcionalidade às circunstâncias da infeção verificadas em cada momento, mas sem descartar a necessidade da sua modelação futura, designadamente em função da sazonalidade.

Por outro lado, foi aprovada a resolução que prorroga a declaração da situação de alerta em todo o território nacional continental, no âmbito da pandemia da doença de covid-19, até às 23 horas e 59 minutos do dia 30 de setembro de 2022. Trata-se da Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26 de agosto, também publicada em tempo-relâmpago.

É a tentativa de regresso total à normalidade pré-covid-19, com a doença ainda por aí, continuando a infetar e a matar, com a qual nos habituamos a conviver, aliás como com as outras doenças.

A ministra da Saúde, Marta Temido, ao anunciar que a máscara nos transportes públicos deixou de ser obrigatória, aduziu a manutenção da evolução favorável, com a tendência controlada da utilização dos cuidados de saúde e com a informação científica disponível, Por isso, segundo afirmou, “o Conselho de Ministros entendeu ser adequado pôr fim à obrigatoriedade de utilização de máscaras ou viseiras nos transportes públicos de passageiros e também em táxis e TVDE”.

E, com o objetivo de continuar a prevenir e a debelar a doença, a ministra anunciou que a vacinação contra a covid-19 e a gripe sazonal arrancará a 5 de setembro, antecipando um parecer da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) sobre vacinas combinadas, de uns dias antes. Assim, mantém-se como planeamento do Ministério da Saúde o início da campanha de vacinação combinada entre covid-19 (reforço sazonal) e gripe sazonal na semana que se inicia a 5 de setembro. E a ministra, questionada sobre a preparação do período de outono e inverno na Saúde, sublinhou que, quanto à pandemia de covid-19, a vacinação continua a ser a medida mais eficaz.

A obrigatoriedade foi imposta, com efeitos a partir de 13 de março de 2020, pelo Decreto-Lei n.º 10-A, de quando não tinha morrido ninguém de covid em Portugal (a primeira morte foi noticiada três dias depois). Na verdade, o artigo 13.º-B deste decreto, cuja última alteração lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 53-A/2021, de 16 de junho, estabelece a obrigatoriedade do uso de máscara ou viseira, por parte das pessoas com idade superior a 10 anos, para acesso ou permanência nos seguintes locais: espaços e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços; edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram atos que envolvam público; estabelecimentos de educação, de ensino e nas creches; interior das salas de espetáculos, de exibição de filmes cinematográficos ou similares (exceto quando, em função da natureza das atividades, o seu uso seja impraticável); e transportes coletivos de passageiros.

É, portanto, passados dois anos, cinco meses e nove dias (892 dias), que o uso de máscara em transportes públicos deixa de ser obrigatório, quando mais de metade da população portuguesa (5,4 milhões) foi infetada e 25 mil pessoas morreram (24 797, segundo os dados mais recentes). Assim, o uso da máscara só se mantém agora obrigatório nas unidades de saúde e nos lares de idosos, tendo deixado de o ser nas farmácias e nos aviões.

A obrigatoriedade do uso máscara começou a tornar-se uma imposição logo em março de 2020, embora o seu uso nos estabelecimentos comerciais só tenha urgido a 3 de maio, pela dificuldade na aquisição de máscaras; e agravou-se em outubro do mesmo ano, quando o Parlamento avançou para a obrigatoriedade do uso nas ruas, sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostrasse impraticável. Só em abril passado, mais de dois anos após a chegada da pandemia ao país, o Governo decretou o fim da máscara nas salas de aula e noutros espaços fechados.

O balanço, neste regresso à normalidade, revela, a partir de dados da Our World In Data, que, nos dois itens mais importantes para a avaliar as consequências da pandemia – infetados e mortos – Portugal ficou pior do que a média europeia. Na verdade, só há um valor em que Portugal mostra um item ligeiramente melhor do que o da média da União Europeia (UE): o número total de mortos per capita registados desde o início da pandemia. Nas outras comparações com a UE, Portugal está abaixo da média da EE: bastante pior nos valores per capita, que revelam a situação atual (novos infetados por dia e novos mortos por dia) e pior no total de infetados per capita desde o início da pandemia. Ao todo, Portugal registou uma média de 27,8 mortos por dia desde que a covid-19 chegou e de 6054 novos infetados em cada 24 horas.

As comparações também são desfavoráveis a Portugal, quando estão em causa valores nacionais e valores médios do inteiro. A situação é pior seja qual for o item escolhido, infetados ou mortos, por dia, atualmente ou no cômputo geral. Contudo, podem as médias mundiais estar distorcidas pela falta de fiabilidade de muitos números nacionais. Há países com défice na informação.

O total de infetados por milhão é, em Portugal, de 524,762.19, quando a média da UE é 364,860.5 (estamos pior). O total de mortos por milhão é, em Portugal, de 2,409.79 e de 2,533.99 a média da UE (estamos ligeiramente melhor). O total de novos infetados / dia por milhão é, em Portugal, de 788.14, quando é de 194.73 a média da UE (estamos pior). O total de novas mortes / dia por milhão é, em Portugal, de 2.14, quando é de 0.98 a média da UE (estamos pior). O total de infetados por milhão, em Portugal, é de 524,762.19, quando a média mundial é 75,663.49 (estamos pior). O total de mortos por milhão é, em Portugal, de 2,409.79 e de 816.94 a média mundial (estamos pior). O total de novos infetados / dia por milhão é, em Portugal, de 788.14, quando é de 109.95 a média mundial (estamos pior). O total de novas mortes / dia por milhão é, em Portugal, de 2.14, quando é de 0.37 a média mundial (estamos pior).

Entretanto, segundo o último relatório da Direcção-Geral da Saúde (DGS), o total de casos da última semana representa uma variação semanal de menos 4.382 casos, tendo-se fixado a incidência em 148 casos por 100 mil habitantes, uma quebra de 22% face à semana anterior. E o índice de transmissibilidade, R(t), fixou-se em 0,92. Os 43 óbitos representam um decréscimo de 20 casos face à semana anterior e a mortalidade por milhão de habitantes foi de quatro, um decréscimo de 32%. Os internamentos hospitalares registaram uma ligeira queda, com 559 internamentos na última semana, menos nove do que na semana anterior, e 39 internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI), uma variação semanal de menos quatro. Continua, pois, a tendência a ser de diminuição, com o R(t) abaixo de 1.

Não obstante, a Associação Nacional das Farmácias (ANF), apesar de o uso da máscara ou viseira deixar de ser obrigatório, recomenda a continuação do seu uso nas farmácias, para prevenir a covid-19, em situações específicas e de mais vulnerabilidade, ou seja, nos casos de pessoas que vivem com doença ou na prestação de serviços de saúde nas farmácias realizados em gabinete de atendimento personalizado. Também a Ordem dos Farmacêuticos (OF) diz não acompanhar a decisão anunciada em Conselho de Ministros, já que “as farmácias são espaços de saúde”, não fazendo sentido dissociar os estabelecimentos prestadores de saúde das farmácias.

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A decisão plasmada no novo normativo referido supra é muito discutível. A tendência é para a diminuição dos casos de infetados e de mortos, mas está longe de consolidação. A este respeito, o virologista Manuel Carmo Gomes, que não está contra a decisão, por se manter a recomendação do uso de máscara ou viseira em espaços propícios à transmissão (fechados ou com concentração de pessoas), sustenta, em declarações ao Jornal de Notícias, que, “se o número de casos começar a aumentar, é provável que o Governo tenha de recuar”.

Admite o virologista que a retoma das atividades escolares e a intensificação de muitas atividades económicas no outono, como a experiência passada mostra, podem propiciar o aumento de casos, não que se preveja uma nova variante, a menos que seja uma subvariante da ómicron, mas, se estamos estabilizados nos 2300 casos / dia, também não estamos a decrescer. Por isso, a covid-19 continua a preocupar, pela ceifa de vidas e pela pressão que exerce sobre os serviços.

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Em suma, não se percebe a pressa em produzir, promulgar, referendar e publicar em tempo-relâmpago um decreto para alívio de medidas restritivas, o que se entendia para tomada urgente de medidas restritivas. Em abril, sucedeu o mesmo, supostamente por causa das comemorações da revolução abrilina e surgiram inopinadamente surtos por aí fora, com relevo para os lares de idosos.

Não vamos lá com recomendações, pois o civismo das populações é ótimo, mas não duradouro.

2022.08.26 – Louro de Carvalho

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