sábado, 27 de agosto de 2022

Novo aeroporto: escolhas saloias e ditos inconvenientes

 
João Cardona Gomes Cravinho, engenheiro civil, que foi ministro do Planeamento e da Administração do Território (MEPAT) do XIII Governo Constitucional, liderado por António Guterres, afirmou ao Público, a 27 de agosto, que a localização do novo aeroporto de Lisboa na margem sul do Tejo é uma escolha “saloia” e serve apenas “interesses financeiros”, que se lhe impõem, mas que “dificilmente haverá uma solução de curto prazo que não seja a do Montijo”.
O dossiê do novo aeroporto da região de Lisboa continua sem uma decisão política e espera agora a posição do PSD, mas a ideia de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, é conhecida: construir primeiro no Montijo e, mais tarde, a infraestrutura definitiva em Alcochete. E João Cravinho, socialista que ocupou a pasta equivalente, não podia estar mais em desacordo. 
Diz o ex-MEPAT que “escolher a localização é um compromisso entre mercados, acessibilidades e o modelo territorial que se quer para o futuro do país” e que “a construção do aeroporto na margem sul é a escolha mais saloia que pode passar pela cabeça de quem tenha uma noção do possível papel de Portugal na União Europeia”. Segundo o político – que apresentou, enquanto deputado, em 2006, um plano de combate à corrupção (que o deputados socialistas e o então primeiro-ministro José Sócrates terão rejeitado) e que agora diz que a pequena corrupção tem sido debelada, mas a grande continua quase intocável, pois os grandes grupos habituaram-se à cultura da ilegalidade – defende a localização do novo aeroporto na Ota, pois “a localização a sul é uma imposição dos grandes interesses financeiros investidos na rede imobiliária do sul”. Mais aponta que “o modelo de desenvolvimento territorial que é promovido, que é protegido, é um modelo baseado em dois eixos fundamentais: o eixo poderosíssimo que vai de Poceirão a Badajoz e é outro eixo interessante, que hoje fascina o grande capital e os interesses fundiários fundamentalmente, que é Alcochete-Comporta”. E pensa que não “são esses os eixos estruturantes do modelo territorial que queremos para o país no futuro”.
O engenheiro civil, que foi, a 8 de junho de 2005, agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, julga Alcochete “uma péssima localização estratégica”, mas admite que “dificilmente haverá uma solução de curto prazo que não seja a do Montijo, sendo esta “o mal menor”, “apesar dos seus inconvenientes ambientais e limitações”. Não é, pois, taxativo como Mário Lino, célebre pelo seu “jamais”, contra as localizações em Rio Frio, Poceirão, Faias e Alcochete, por estarem num deserto.
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Se formos a ver, todas as localizações para o novo aeroporto são escolhas saloias, porquanto não ficam dentro da área urbana de Lisboa, mas nas suas imediações, a distância menor ou maior. Ota fica a 45 km e tem o inconveniente dos ventos predominantes do quadrante noroeste contra a rotação das pistas para nor-nordeste, bem como a incapacidade de alargamento, por força do encurralamento entre montanhas. Portela está a rebentar pelas costuras e está sobre a cidade. Montijo, além de inconvenientes ao nível da fauna e do aquífero, corre o risco de insuficiência, se as águas do Tejo subirem de nível por força do aquecimento global. E Alcochete, a 34 km de Lisboa, precisa de uma complexa ação de desminagem do terreno, porque haverá, provavelmente, bastantes projéteis, minas e granadas não desativadas. Só não seria saloia a opção por Beja, a cerca de 120 km de Lisboa, opção defendida por especialistas que entendem que novo aeroporto agora não é oportuno, enquanto não ficarem definidas e consolidadas as condições da evolução da aeronavegação, dada a crise dos combustíveis de origem fóssil. Mas seria preciso cuidar da rodovia e da ferrovia e subsidiar o custo inerente à distância.
Depois, além do reforço da rodovia e da ferrovia, fala-se na necessidade de nova travessia rodoferroviária sobre o Tejo para otimizar o trânsito entre o novo aeroporto e Lisboa. Nada que não se justifique. A Ponte Vasco da Gama pode ajudar numa primeira fase, mas corre o risco de ficar mais congestionada que a Ponte Salazar. Talvez os lisboetas pudessem olhar para o que se passa entre Vila Nova de Gaia e Porto: sobre o Douro há cinco pontes ativas (uma é ferroviária) e estão em projeção mais duas.   
Quanto à imposição dos interesses financeiros na localização do novo aeroporto em Alcochete, denunciada por Cravinho, essa acontece seja qual for a localização: se não forem uns interessados, serão outros. Aliás, consta que muitos, movidos por interesses imobiliários, ficaram altamente zangados com o abandono da opção Ota. Não é crível que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que deu a cara por Alcochete e por uma nova travessia sobre o Tejo e produziu o Estudo de Impacto Ambiental, já caducado, se tivesse deixado levar pelos interesses financeiros, embora não os pudesse negar.
À questão de Cravinho de que o HUB plataforma giratória de vooscentro de conexão para transferir para o destino pretendido os passageiros que não têm voos diretos, pelo que têm de mudar de aeronave – de todo o país dever ser feito a partir de Lisboa, tal como os espanhóis o fazem a partir de Madrid, é de esclarecer que o HUB a partir de Lisboa tanto se obtém com Alcochete como Ota.
Ademais, não é por falta de localização do aeroporto que este não se constrói. Aliás, há quem tenha alvitrado Alverca e Sintra. Porém, surgiu um grupo de agentes económicos privados, sediado em Portugal – com capitais nacionais e estrangeiros – e cujos rostos não são conhecidos, que se propõe construir, com o respetivo estudo de impacto ambiental a cargo do grupo (prevê-se sem contraindicações), um novo aeroporto na região de Santarém (a 75 km de Lisboa), sem custos para o erário público. O projeto, em elaboração há três anos, será pago pelas taxas aeroportuárias e desenvolvido em fases, tendo a primeira custos inferiores ao milhar de milhão de euros. Sabe-se agora que o Governo e as câmaras municipais já conhecem o estudo preliminar do projeto. Admite-se que se inicie por uma dimensão regional, com uma pista, e alargamento posterior. E o local fica servido pela autoestrada n.º 1 e pela linha férrea que liga Lisboa e Porto.
Será também esta uma opção saloia? Ou não o será, por a localização não ficar na margem sul, embora a 75 km, não interferindo com a competência territorial da ANA-aeroportos de Portugal?
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Postas as coisas nestes termos, a denúncia de opção saloia feita pelo ex-MEPAT pode configurar mais um dito inconveniente, como o “jamais” do mencionado Mário Lino, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações do XVII Governo Constitucional ou como a asserção do então Presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, que excluía a margem sul porque o terrorismo podia destruir as pontes.
Infelizmente, os ditos inconvenientes não se circunscrevem a estas personalidades. Recordo que um secretário de Estado disse, em tempos, numa feira internacional, que a pandemia de covid-19 acabou por favorecer Portugal. Não sei em quê, a não ser que se considere benefício a rarefação da população, a perda de aprendizagens e a perda de mão-de-obra. O Presidente da República chegou a dizer publicamente que Portugal, em certa medida, ganha com a guerra na Ucrânia. Referia-se ao aumento do turismo, mas que não compensa a perda do poder de compra pelo aumento dos produtos, a crise energética, a resolução do problema da seca (que impõe o aumento do tarifário da água, a acrescentar ao aumento do custo de vida). Recentemente, a ministra da Presidência, a segunda figura na hierarquia governamental, ao falar da declaração de calamidade para o Parque Natural da Serra a Estrela, fustigado e devastado por uma incêndio de gigantescas proporções, e do respetivo investimento na recuperação daquele vasto rincão territorial, afiançou que irá ficar melhor do que antes. Não se duvida da intenção de acertar, mas tem de se apontar a falta de sensibilidade escudada na ambição política de agradar e mostrar obra.
É certo que toda a crise deve ser vista como uma oportunidade para recuperar, restaurar, reconverter e tornar melhor, quer o território, quer as infraestruturas, quer as estruturas empresariais e de serviços. Contudo, não é legítimo acalentar ou deixar perceber qualquer laivo de satisfação perante as desgraças pessoais e coletivas. Indubitavelmente, a Baixa Pombalina em Lisboa ficou mais segura, com melhor estética e com mais higiene, após o terramoto de 1755. Porém, nem o rei nem o povo perdoariam ao futuro marquês que viesse a terreiro desvalorizar, por exemplo, a destruição da Patriarcal e de tantos outros imóveis (públicos e privados), de ruas e de praças, bem como o número de desaparecidos, de mortos, de estropiados e de novos pobres.
Enfim, modus in rebus! É o que serve às causas públicas.

2022.08.27 – Louro de Carvalho


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