terça-feira, 16 de agosto de 2022

AdC desaconselha publicitação de preços e não quer entraves a profissões

 

Autoridade da Concorrência (AdC) relaciona os anúncios públicos de alterações de preços e de perturbações nas cadeias de abastecimento como tentativas de “disfarçar” práticas de concertação. Por isso, sustenta que as empresas devem fixar os seus preços e abster-se de anunciá-los unilateralmente, para evitar “convites à colusão” entre entidades de um mesmo setor. Por outro lado, pede ao Estado que não ceda à tentação de fixar preços para evitar distorções de mercado que podem levar à escassez de oferta, na ausência de incentivos de lucro para a produção.

O regulador defende ainda o fim de barreiras desnecessárias à entrada de profissões reguladas e de empresas em setores como o das fintech (empresas que fornecem serviços financeiros através do uso da tecnologia), o das comunicações, o da energia, o ferroviário e o rodoviário.

Estas recomendações constam do relatório “Concorrência e Poder de Compra em Tempos de Inflação” que o regulador divulgou no dia 16 de agosto, em que analisa o impacto da concorrência na descida dos preços.

Além do exposto, a AdC considera que as interrupções temporárias de cadeias de abastecimento não devem ser utilizadas para disfarçar um cartel, o que, juntamente com qualquer forma de anúncio público de preços, pode constituir convite à colusão. E, relativamente à fixação de preços pelo Estado, uma realidade em bens como o gás de botija, observa que “os governos são mais propensos a implementar controlos de preços quando a inflação aumenta”, o que pode comportar riscos para a concorrência. Por isso, entende a importância de “avaliar o impacto na concorrência e ponderar políticas alternativas para atingir o mesmo objetivo”.

Na verdade, segundo a AdC, “o limite de preços pode funcionar como um ponto focal de conluio se for fixado demasiado alto em relação aos custos de produção das empresas e ao nível de preços que prevaleceria numa situação de concorrência”. E “a imposição de um limite a um nível artificialmente baixo, que não permita às empresas recuperarem os seus custos, pode desencadear a saída de empresas, particularmente as de menor dimensão”, como pode “enfraquecer os incentivos para a entrada e expansão de concorrentes no mercado”, sem ter peso significativo no controlo da inflação. Assim, no entender da AdC, os controlos de preços distorcem os sinais de preços no mercado e podem conduzir à escassez de oferta e a ruturas na cadeia de valor.

***
Enquanto a AdC alerta para os riscos da fixação administrativa de preços, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), noutro patamar de enfrentamento da realidade, justificou a limitação de preços (definição de preços máximos) na botija de gás com a existência de problemas estruturais no mercado de gás engarrafado, com “elevados níveis de concentração”, e preços desfasados das cotações internacionais.

Assim, os preços máximos da botija de gás de petróleo liquefeito (GPL), fixados pelo Governo, entraram em vigor no dia 16 de agosto, representando uma poupança de quase 3,2 euros por garrafa de butano de 13 quilogramas (Kg).

Numa nota justificativa adrede divulgada, o regulador disse ser “possível corroborar a existência de problemas estruturais ao nível do mercado de GPL embalado”, notando que este assenta em “elevados níveis” de concentração, alinhamento de ofertas comerciais e no “desacoplamento” do preço de venda ao público (PVP) médio nacional ao comportamento dos mercados internacionais.

Segundo a ERSE, verifica-se que, nos últimos anos, as introduções a consumo de GPL em Portugal foram dominadas por seis operadores – Galp Energia, Rubis, Repsol, OZ Energia, Cepsa e Prio, sendo que os três principais operadores (Galp Energia, Rubis e Repsol) foram responsáveis por 70% a 90% das introduções ao consumo de GPL no país entre janeiro e junho.

Já no atinente à evolução dos preços, a ERSE referiu que os aumentos “muito expressivos” nas garrafas de propano, em maio, “podem ter alguma justificação” face ao comportamento dos mercados internacionais. Porém, assinalou ser “pouco notório” o reajustamento dos preços entre maio e julho, “nos quais as cotações desceram de forma igualmente expressiva”.

Além disso, o setor apresenta uma “muito baixa diferenciação” das ofertas comerciais, um comportamento que, para o regulador, se tornou “caraterístico” no mercado nacional. Neste sentido, a Galp Energia, a Repsol e a Rubis têm estratégias de ‘pricing’ [preço] “praticamente coincidentes”. Tomando em linha de conta estes fatores, a ERSE propôs uma intervenção excecional e temporária nas margens que formam o PVP do GPL engarrafado. E o Governo, no dia 12, fixou preços máximos para o gás engarrafado, tal como já tinha acontecido durante a pandemia de covid-19, determinando que uma garrafa de butano de 13 quilogramas (kg) terá como valor máximo 29,47 euros, enquanto as garrafas de 12,5 kg custarão até 28,34 euros.

No caso do GPL propano T3, o máximo varia entre 29,11 euros por garrafa de 11 kg e 23,81 kg por botija de nove quilogramas. Por seu turno, as garrafas de GPL propano T5 custarão até 109,08 euros (45 kg) ou 84,84 euros (35 kg).

De acordo com os dados enviados à Lusa pelo Ministério do Ambiente, estes máximos, considerando os preços reportados nos primeiros dias de agosto, representam a poupança de 3,180 euros por garrafa, no caso das botijas T3 de 13 kg. No caso da garrafa T3 de 11 kg de propano, a poupança é de 3,258 euros. Já na garrafa T5 de 45 kg de propano a poupança é de 6,206 euros.

***

É de anotar que a ERSE não está em contradição com a AdC, uma vez que a sua intervenção nos preços de venda da garrafa de gás é excecional e temporária e não se prevê que induza uma extensão a todos os setores do mercado.

Já a AdC sustenta que mais concorrência significa preços mais baixos e uma recuperação económica mais sustentável, que são os dois desafios macroeconómicos mais prementes que as economias globais enfrentam após a paralisação provocada pela pandemia de covid-19 e pela inflação que está a provocar a perda do poder de compra das populações em todo o mundo. Por isso, a concorrência deverá ser fomentada e deverá ser combatida a cartelização nos concursos públicos, promovendo preços mais baixos e poupanças de recursos públicos. Como sustenta este regulador, há correlação entre a maior concorrência e a flutuação dos preços, pelo que, “em tempos de crise, mercados competitivos e uma aplicação eficaz da lei da concorrência têm um papel essencial a desempenhar”, já que mais concorrência nos mercados de produtos leva a preços mais baixos através da pressão descendente sobre as margens de lucro e sobre os custos.

Por outro lado, segundo o regulador, “uma economia mais competitiva tende a ajustar-se mais rapidamente a choques inesperados” e “mais concorrência leva as empresas a alterar os seus preços com maior frequência como resposta à pressão da concorrência e/ou a alterações dos fatores subjacentes”, o que “pode reduzir o tempo que a inflação leva a regressar ao valor anterior aos choques que a impulsionaram em primeiro lugar”.

Nestes termos, para a AdC, a política de concorrência contribuirá para uma recuperação económica mais sustentável, a um custo económico mais baixo, pois “a concorrência força as empresas a concorrer de forma mais agressiva umas com as outras, beneficiando os consumidores através de preços mais baixos, melhor qualidade e maior variedade”. Daqui resulta que se defendam medidas como a eliminação de barreiras desnecessárias à entrada e expansão das empresas, tendo em vista “induzir a mobilidade de fatores de produção, uma entrada mais rápida de empresas no mercado e uma resposta mais rápida à escassez de oferta”. E torna-se premente combater a cartelização nos concursos públicos, evitando o aumento artificial dos preços e despesa desnecessária do Estado, bem como o fim de barreiras desnecessárias à entrada de profissões reguladas e de empresas em setores como o das fintech, o das comunicações, o da energia, o ferroviário e o rodoviário, barreiras que, se forem eliminadas, poderão “promover um ambiente concorrencial e uma alocação mais eficiente de recursos”.

A AdC, para manter o poder de compra das famílias, defende a concorrência, a qual postula e pretende concursos eficientes, combate ao conluio, incremento das poupanças, mobilidade laboral, maior produtividade, mais oportunidades de trabalho, preços mais baixos, mais escolha, mais inovação e mais rápido ajustamento de preços.    

***

É óbvio que uma democracia liberal pressupõe a livre concorrência, que o Estado não deve travar, de modo que a competitividade induza a maior produção de riqueza e sua distribuição equitativa. Não obstante, com vista ao bem-estar das populações, o Estado deve intervir para levar à correção dos excessos, abusos e distorções do mercado. Todos sabemos como alguns sabem reverter a seu favor as situações de crise, como se viu no contexto dos apetrechos das vacinas covid (alguns poucos enriqueceram exorbitantemente). Com efeito, a livre iniciativa e o direito de propriedade é importantes conquistas das democracias, mas o bem comum e a subordinação do interesse particular ao geral, bem como a função social da propriedade, são deveres de todos, cabendo ao Estado zelar por estes desígnios em favor da comunidade e, em especial, de quem mais precisa.

2022.08.16 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário