segunda-feira, 22 de agosto de 2022

A Igreja católica sofre inqualificável perseguição na Nicarágua

 

A 19 de agosto, a meio da noite, forças policiais e paramilitares da Nicarágua invadiram o prédio da Cúria Episcopal da Diocese de Matagalpa, no norte do país, de onde estavam impedidos de sair, desde 4 de agosto, Dom Rolando José Álvarez Lopes e alguns sacerdotes, seminaristas e leigos. Como a própria diocese denunciou nas redes sociais, os agentes tiraram do edifício, à força, nove pessoas, incluindo o prelado, levando-as, segundo testemunhas, num comboio de oito veículos. E centenas de pessoas, quando ouviram os sinos da igreja a tocar enquanto a polícia invadia a Cúria, aproximaram-se para tentar proteger o bispo e os demais.

Um comunicado da polícia esclarece que Dom Álvarez, como todas as outras pessoas detidas, foi levado para Manágua, a capital, onde está em prisão domiciliária na sua residência, enquanto as outras oito pessoas que o acompanhavam foram levadas para um quartel da polícia para ulteriores investigações. O cardeal Leopoldo Brenes, arcebispo de Manágua e vice-presidente da Conferência Episcopal da Nicarágua, visitou Dom Álvarez e teve longa conversa com ele.

Chefiada por Francisco Díaz, cunhado do presidente Daniel Ortega, a polícia acusa “as altas autoridades da Igreja católica” na província de Matagalpa, encabeçadas pelo bispo Álvarez, de se aproveitarem da condição de religiosos e de liderança, para tentarem, com o uso da mídia e das redes sociais, organizar grupos violentos. Segundo as autoridades, a alta hierarquia estaria a incitar esses grupos violentos a “realizar atos de ódio contra a população”, causando um clima de ansiedade e de desordem, alterando a paz e a harmonia na comunidade, com o escopo de “desestabilizar o Estado da Nicarágua e atacar as autoridades constitucionais”. Por isso, foi aberto “um processo de investigação, a fim de apurar a responsabilidade criminal das pessoas envolvidas na prática destes atos criminosos, de que foram informados o Ministério Público e o Judiciário”, e que “as pessoas sob investigação – não mencionadas – permanecerão em casa”.

Em nota divulgada a 7 de agosto, os bispos da Nicarágua expressam “o sentir da nossa Igreja”, que, por natureza, “anuncia o Evangelho da Paz e está aberta à colaboração com todas as autoridades nacionais e internacionais para cuidar deste bem universal tão grande”, e assim se propõe construir a Civilização do Amor, de qual sempre falou o Papa São João Paulo II.

Às portas do Congresso Nacional Mariano, a Conferência Episcopal da Nicarágua convida o santo Povo de Deus a elevar e oferecer orações e rosários a Nossa Senhora Imaculada Conceição de Maria, padroeira da Nicarágua.

Assinaram a nota: o presidente da Conferência Episcopal, Dom Carlos Enrique Herrera Gutiérrez, bispo da Diocese de Jinotenga; o vice-presidente, cardeal Leopoldo José Brenes Solórzano, arcebispo da Arquidiocese de Manágua; o secretário-geral Dom Jorge Solórzano Pérez, bispo da Diocese de Granada; o ecónomo geral Dom Marcial Humberto Guzmán Saballos, bispo da Diocese de Juigalpa; Dom Sócrates René Sándigo Jirón, bispo da Diocese de León e Dom Isidoro del Carmen Mora Ortega, bispo da Diocese de Siuna.

Por sua vez, o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos, condenou “o assalto à Cúria Episcopal de Matagalpa e o sequestro de Dom Rolando Álvarez e dos demais sacerdotes e leigos que o acompanhavam, ‘pedindo’ o respeito pela sua integridade pessoal e de sua vida”.

Historicamente tensas, as relações entre a Igreja e o governo de Ortega pioraram recentemente devido à prisão e à posterior condenação do padre Manuel Salvador García Rodríguez, por suposta violência contra uma mulher, e pela prisão do padre Leonardo Urbina, por supostos abusos contra um menor, bem como pela intimidação ao padre Uriel Vallejos e ao bispo Rolando Álvarez.

O presidente Ortega qualificou de “terroristas” os bispos nicaraguenses que atuaram como mediadores de um diálogo nacional que buscava uma solução pacífica para a crise que o país vive desde abril de 2018, crise que se acentuou após as polémicas eleições de novembro passado, nas quais Ortega foi reeleito para um quinto mandato, quarto consecutivo e segundo com a sua esposa, Rosario Murillo, como vice-presidente, com os seus principais adversários na prisão.

As Igrejas de todos os continentes manifestam grande solidariedade à Igreja Nicaraguense e convidam os fiéis à oração e à proximidade ativa com a comunidade católica deste país.

No dia 8, a Igreja católica no México expressou a sua solidariedade com a Igreja na Nicarágua, pelas intimidações e repressão de que são vítimas, especialmente bispos e sacerdotes.

Também a Conferência Episcopal da Costa Rica expressou a sua solidariedade com Dom Rolando Álvarez, assim como com os “sacerdotes, consagrados e leigos diante da situação difícil que vivem e que se agrava a cada dia”. Os bispos da Costa Rica pedem aos fiéis “que permaneçam, sob a proteção da Virgem Maria, em constante oração por nossos irmãos da Nicarágua”.

Já  a Conferência Episcopal Boliviana (CEB) expressou a sua solidariedade e proximidade à Igreja e ao povo nicaraguense, que sofreu, nos últimos dias, ataques das autoridades políticas. E pede à Igreja que não desista do esforço de “construir um diálogo capaz de alcançar a unidade e a paz nesta terra nicaraguense”, fazendo orações pela Igreja, pelo povo e pelas autoridades políticas.

Dom David J. Malloy de Rockford, presidente da Comissão Justiça e Paz, da Conferência episcopal dos EUA (USCCB), expressou, numa declaração, “solidariedade constante com a Igreja da Nicarágua e a sua missão de proclamar o Evangelho livremente, no contexto de uma crise social e política”. O prelado recordou a visita a Manágua, em 2018, do arcebispo Timothy Paul Andrew Broglio e o seu apoio ao “compromisso dos Bispos nicaraguenses” como sinal do amor de Deus. Depois, citou as palavras do Observador Permanente da Santa Sé, junto da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o seu apelo às partes a que “encontrem meios de entendimento, baseados no mútuo respeito e confiança”, acentuando que “a fé do povo nicaraguense deve ser motivo de inspiração para todos nós”.

Dom José Domingo Ulloa define o ocorrido como aberrante e motivo de alarme e dor para toda a Igreja latino-americana; une-se às vozes que pedem a libertação imediata de Dom Rolando e o respeito pela sua dignidade de pessoa e de prelado católico; e eleva uma oração ao céu “pela Nicarágua, pelo seu nobre povo e pela sua Igreja que hoje sofre a perseguição”.

O CELAM exprimiu proximidade e solidariedade ao povo de Deus da Nicarágua: bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas e leigos face à perseguição das autoridades governamentais. Os prelados latino-americanos acompanham os irmãos que, em situação tão difícil, “por diferentes caminhos, procuram ser a voz de quem não tem voz, para construir um diálogo capaz de traçar um caminho de unidade e paz”.

Também os bispos brasileiros afirmam acompanhar com tristeza e preocupação os acontecimentos que têm marcado a vida da Igreja na Nicarágua: “Sentimo-nos profundamente unidos aos irmãos bispos e a todo o povo nicaraguense.” E concluem com uma oração: “Clamamos ao Bom Deus para que a paz e a justiça sejam alcançadas.”

Muitas mensagens de solidariedade e fraternidade chegaram à Igreja nicaraguense nos últimos dias das Conferências Episcopais da América Latina e da Santa Sé. Entre outros, Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM), Brasil, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Bolívia, México, Uruguai, Equador, Peru, Colômbia e Argentina condenaram veementemente a crescente hostilidade do governo em relação à Igreja e instaram a construir a paz.

O ato de força daquela madrugada é o mais recente dos gestos persecutórios contra a Igreja na Nicarágua, acusada de apoiar opositores do governo sandinista de Ortega.

Mensagens de solidariedade ao Bispo de Matagalpa e à Igreja nicaraguense chegam de todo o mundo. E a ação foi condenada pelo secretário da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, que fala das “forças repressivas do regime de Ortega-Murillo” e pede a libertação imediata do bispo de Matagalpa e de outras pessoas presas, bem como de todos os presos políticos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo autónomo da OEA, condena fortemente “a escalada na repressão contra membros da Igreja católica na Nicarágua e exorta o Estado a cessar imediatamente esses atos”, libertando imediatamente o bispo Álvarez e as outras pessoas detidas. Esses eventos, para a CIDH, “fazem parte de um contexto sistemático de perseguição, criminalização, moléstias e assédio” contra membros da Igreja na Nicarágua, “devido ao seu papel como mediadores no Diálogo Nacional de 2018 e o seu papel crítico na denúncia das violações dos direitos humanos que ocorreram no contexto da crise do país”. A Comissão reitera o pedido ao governo para que “cesse os ataques contínuos contra a Igreja católica”, que liberte todas as pessoas privadas da sua liberdade e faça cessar a repressão no país.

Por seu turno, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou-se muito preocupado com a grave obstrução do espaço democrático e cívico na Nicarágua e pelas recentes ações contra organizações da sociedade civil, incluindo as da Igreja católica”, como a invasão noturna da polícia nacional na sede episcopal de Matagalpa. Foi o que disse o porta-voz Farhan Haq durante uma conferência de imprensa na ONU. Guterres reitera o apelo ao governo de Daniel Ortega a que garanta “a proteção dos direitos humanos de todos os cidadãos, em particular os direitos universais de reunião pacífica, liberdade de associação, pensamento, consciência e religião” e pede a libertação de todas as pessoas arbitrariamente detidas.

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Esta situação esteve no cerne duma sessão especial da OEA, que pediu ao governo Ortega que ponha fim ao “assédio” contra a Igreja e à “perseguição” contra ONG e meios de comunicação.

Chegou na mesa dos delegados da OEA com o título de “A situação da Nicarágua” e passou a resolução votada por grande maioria, 27 votos em 34 e sobretudo com um apelo ao presidente nicaraguense: chega de assédio contra a Igreja Católica, com o enceramento forçado das ONG, com a “perseguição” da mídia – pedidos que valem como condenação da organização pan-americana de todas as ações governamentais empreendidas de forma sistemática há várias semanas e que visam amarrar uma grande mordaça em torno dos considerados inimigos do poder atual, muitos dos quais acabam na prisão e para o qual a resolução pede a libertação. A par dos 27 votos a favor com que foi aprovada a resolução, apresentada por Antígua e Barbuda, registou-se o voto contra de São Vicente e Granadinas, além das abstenções da Bolívia, El Salvador, Honduras e México. Uma tomada de posição que vem depois de uma longa série de condenações semelhantes por parte dos Estados Unidos e da Europa e de manifestações de solidariedade por parte de várias organizações católicas.

A este apelo da OEA soma-se a voz da Santa Sé por meio do seu observador permanente, monsenhor Juan Antonio Cruz Serrano, que expressou, em comunicado, a preocupação do Vaticano, convidou a encontrar “formas de entendimento, baseadas no respeito e na confiança recíproca”, visando “o bem comum e a paz”, e reiterou que a Santa Sé está “sempre pronta a colaborar com quem dialoga”, considerando-o como “instrumento indispensável da democracia e garante de uma civilização mais humana e fraterna”. 

Entre as decisões dos últimos tempos, sobressai a proibição da procissão pelas ruas da capital Manágua no final da peregrinação mariana – pelo que foi transferida para as às 8 horas, dentro da catedral. Mas o que causou maior comoção foi a expulsão do país da Congregação das Missionárias da Caridade, o encerramento de uma dezena de emissoras católicas e o bloqueio policial ao bispo de Matagalpa, proibido de deixar a Cúria episcopal, mesmo para celebrar a Missa, acusado de fomentar revoltas nas homilias. Num tweet, Dom Álvarez escreveu: “Estamos nas mãos de Deus. Queremos fazer a sua vontade e tudo para a sua glória.”

2022.08.21 – Louro de Carvalho

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