segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Fátima centrou-se nos que sofrem pela guerra e pela maldade humana

 

A 12 e 13 de agosto, celebrou-se a Peregrinação Aniversária Internacional ao Santuário de Fátima, em memória da 4.ª Aparição de Maria, a única que não ocorreu na Cova da Iria, nem a 13 do mês (pastorinhos, no dia 13, estavam sob custódia do administrador do concelho de Ourém, que resolvera interrogá-los), mas a 19 de agosto, no lugar dos Valinhos. É, desde há muitos anos, a peregrinação em que participam, de forma visível, os emigrantes, que voltaram este ano, após dois anos de intermitência, mercê da pandemia e das restrições à circulação, dela decorrentes. 

Ocorreu a peregrinação quase no termo da 50.ª Semana Nacional das Migrações (de 7 a 14 de agosto), acolhendo o repto do Papa a que se reze e construa o futuro com migrantes e refugiados.

“Juntos construímos um Nós maior: uma só família humana” é o lema desta semana que assinala igualmente os 60 anos da Obra Católica Portuguesa das Migrações.

A peregrinação incluiu, no dia 13, a tradicional oferta de trigo, ação que se repete pela 82.ª vez, iniciada por um grupo de jovens da Juventude Agrária Católica, de 17 paróquias da Diocese de Leiria, que em 1940 ofereceu 30 alqueires de trigo, destinados ao fabrico de hóstias para consumo no Santuário de Fátima – oferta partilhada atualmente por várias dioceses.

Para os dias 12 e 13 inscreveram-se 16 grupos: Alemanha (dois), Áustria (um), Portugal (dois), Bélgica (um), Espanha (um), Irlanda (um), Israel (um), Itália (um), Vietname (um), França (um), Holanda (um) e Polónia (três). E, para o mês de agosto estão inscritos 120 grupos (36 portugueses e 84 estrangeiros), de 21 países: Alemanha, Áustria, Brasil, Burkina Faso, China, Croácia, Eslovénia, Espanha, EUA, Filipinas, Hungria, Indonésia, Iraque, Irlanda, Israel, Itália, México, Polónia, Sri Lanka, Venezuela e Vietname.

O programa retomou, após dois anos de interrupção, a vigília de oração animada pelos Secretariados Diocesanos de Migrações, pelas comunidades católicas da diáspora e, desta vez, pela capelania nacional ucraniana. Os participantes nas celebrações rezaram pela paz no mundo, em especial pelas “vítimas do conflito na Ucrânia”, “os que sofrem pela guerra e pela maldade humana”,  bem como por todos os que foram afetados pela pandemia de covid-19. E evocaram os que são obrigados a deixar a sua casa e o seu país, “fugindo da violência ou da miséria”, e por todos os refugiados que são vítimas de perseguição religiosa”.

Depois de ter estado previsto presidir às celebrações em 2020, fê-lo, desta vez, D. Edgar Moreira da Cunha, bispo de Fall River, diocese do Estado norte-americano de Massachussets, que desafiou os peregrinos a não terem medo de seguir a Deus e de expressarem a sua fé.

O bispo é natural do estado da Bahia, no Brasil, e foi o primeiro prelado dos Estados Unidos (EUA) nascido no Brasil. Preside a uma importante e significativa comunidade portuguesa dos EUA onde reside uma numerosa comunidade açoriana, natural ou descendente dos Açores, particularmente de São Miguel, e muito devota do Divino Espírito Santo. Aliás, depois de Fátima, presidirá às grandes Festas do Divino Espirito Santo da Nova Inglaterra, que têm lugar no Kennedy Park em Fall River, no penúltimo fim de semana de agosto. Foi ordenado de presbítero a 27 de março de 1982, na Igreja de São Miguel em Newark, no Estado de New Jersey, onde também reside uma importante comunidade portuguesa, sobretudo do norte e centro de Portugal continental, e ordenado bispo a 3 de setembro de 2003, na Catedral Basílica do Sagrado Coração, em Newark. E foi o segundo prelado estrangeiro a presidir em Fátima neste ano, já que as restantes peregrinações até outubro serão presididas por bispos portugueses.

Na celebração da noite do dia 12, o bispo apelou à obediência e à generosidade dos cristãos para que, à semelhança de Maria, não tenham medo de fazer a vontade de Deus. Apontou o exemplo de Maria, que “não pensou em si mesma, mas no plano de Deus, no que Deus precisava dela para trazer a salvação ao mundo”. Com efeito, se Ela tivesse pensado em si, nos riscos de aceitar ser a mãe do Salvador, colocando em perigo a própria vida, talvez tivesse agradecido e aconselhado o Senhor a encontrar outra. Mas, como sustentou o prelado, “Ela correu o risco, não teve medo e deu seu sim a Deus”.  

Destacando o descentramento de Maria, D. Edgar sublinhou que Maria não quer nada para si, pois “não precisa de  nada”. Só “quer o nosso bem, a nossa felicidade e paz aqui na terra e a nossa santificação e salvação para um dia estarmos com ela, com o Pai, com seu Filho Jesus, com o Espírito Santo e com todos os santos para toda eternidade no céu”. Mais referiu que “nada disso acontece sem uma grande fé”, que é “a base de tudo o que precisamos para chegar à santidade”. E frisou a importância do caminho da santidade como sendo um desígnio de todos os batizados.

Observando que, às vezes, achamos que ser santo não é para nós, mas para aqueles que já nasceram com esse dom e já foram destinados por Deus para serem Santos, contrapôs que “todos nós recebemos esse dom, no nosso batismo, de ser santos”. Por isso, enfatizou: “Não desistam, não desanimem, não percam a esperança, não percam a confiança. Não importa o quão difícil seja a nossa caminhada, ou quão ruim possa ser a situação, Ele está connosco”.

A partir do recado das bodas de Caná – “Fazei tudo o que ele vos disser” – o prelado, que nasceu na cidade Brasileira de Nova Fátima, onde a devoção à Senhora de Fátima é a mais importante, lembrou que tudo o que a Senhora pede tem por finalidade a adesão e a comunhão com Deus. Assim, disse, “tudo o que fazemos aqui: as nossas orações, as nossas celebrações Eucarísticas, as nossas devoções, as nossas procissões, cantos, decorações, tudo tem que ter um objetivo, uma finalidade: a nossa conversão, a nossa união com Cristo, conformar nossa vida ao seu plano, fazer a sua vontade, tornar-nos verdadeiros discípulos de Jesus e, finalmente, a nossa santificação”.

Recordando o exemplo de Maria, sublinhou que somos todos irmãos, responsáveis uns pelos outros e pelo bem comum, por uma sociedade melhor e por manter viva a chama de fé, dos ensinamentos de Cristo e da Igreja, enfim, “promotores da Justiça e da paz”.

O prelado norte-americano alertou os peregrinos para a missão: “Que bom seria se tudo o que fizermos aqui hoje e amanhã, realmente fosse um reflexo da nossa perseverante vontade de honrar Jesus Cristo e a Virgem Mãe de Deus com a fiel imitação das suas sublimes virtudes” – exclamou.

***

No dia 13, o bispo de Fall River, desafiando os peregrinos à evangelização e à “construção de um mundo melhor, questionando católicos “só de nome”, disse: “Eu espero que, a partir de hoje, dediquemos mais tempo à oração e menos tempo à televisão; mais tempo com a família e menos em interesses pessoais; mais tempo em silêncio, para ouvir a voz de Deus, e menos tempo com os barulhos da vida; mais tempo com Jesus e menos tempo nas redes sociais”.

Convidando os milhares de peregrinos que participaram na Missa a não se deixarem abater pelas “notícias de cada dia” e a manterem viva a sua fé, questionou: “O que seria de nós sem a nossa fé? Como seriam nossas vidas? Onde nos apegaríamos, onde nos apoiaríamos? Como enfrentar os sofrimentos e dificuldades da vida? A partir dessa minha peregrinação a Fátima, qual vai ser a minha resolução de mudança? Qual o legado dessa participação nesse evento espiritual em minha vida? O que vai mudar em minha vida a partir de hoje?”

O bispo sustentou que a fé muda a visão sobre si próprio, o mundo e a vida. E desafiou: “Tirem Deus do mundo e verão o que se tornará dele. (…) Mesmo estando rodeados do mal e do pecado, nós caminhamos guiados pela luz da fé e da esperança. Não nos deixemos abater pelos profetas do mal, pelos que querem espalhar duvidas, terror, ódio, egoísmo e trevas.”

E evocou “um mundo dilacerado pela guerra, injustiça, violência, falta de respeito à vida e a dignidade da pessoa humana”, cristãos perseguidos só por serem cristãos, “governos e sistemas políticos que querem eliminar os valores da nossa fé”. “Vamos encontrar muitos que querem apagar o fogo. Em qualquer grupo, há sempre aqueles que acendem o fogo e aqueles que apagam o fogo”, prosseguiu deixando um pedido: “Não desistam nunca de continuar a acender o fogo”.

“Hoje, somos nós os apóstolos do século XXI”, assegurou, destacando que “agora é a nossa vez de acender o fogo do amor de Deus e de renovar a face da terra. Temos que manter acesa a chama da fé e o fogo do Espírito Santo”.

No dizer do presidente da peregrinação, se cada um se propusesse levar uma pessoa para a Igreja, já faria uma grande diferença. Na verdade, a fé muda a nossa visão de nós mesmos, do mundo e da vida, ajuda-nos a ver as coisas como Deus as vê, a vermo-nos a nós mesmos, as outras pessoas e o mundo como Deus os vê. E com a fé vem a esperança – acrescentou o prelado brasileiro aos inúmeros peregrinos emigrantes que participaram na peregrinação. “Não podemos perder a esperança de que podemos melhorar, de que as pessoas podem se converter e o mundo pode ser melhor”, afirmou lamentando que nem sempre os cristãos assumam esse papel: “Quantos se dizem católicos, mas o são só de nome. A Igreja de hoje vai ao encontro. Não fica a espera. Vai as periferias, como nos lembra o papa Francisco. (…) Esse processo de Evangelização, essa construção de um mundo melhor, só será possível quando todos nos abraçarmos a missão de sermos parceiros com Nosso Senhor, com o Espírito Santo e com Maria Santíssima”.

O bispo de Fall River deixou, em particular, um apelo às famílias:

“Dediquem tempo aos filhos. Rezem juntos em família. Não deixem os filhos sozinhos com a TV, Internet, Redes Sociais. Alguns pais dão muitos presentes ao filhos para compensar a ausência deles mesmos. Ao invés de darem presentes, estejam presentes e sejam presentes. Abracem seus filhos todos os dias e digam-lhes que os amam.”

Aos jovens exortou:

“Não vos deixeis influenciar pelas Redes Sociais, pela Internet, pelos amigos. A vida é mais do que o smartphone, computador, tablet, Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Tik-Tok. Ouvi os pais, avós e professores. Não penseis que Deus, Religião, Sacramentos, Igreja e Oração são coisas do passado e somente para as pessoas velhas. Sei que quereis ser felizes nesta vida. A felicidade consiste em conformar nossas vidas ao plano de Deus para connosco. Portanto, precisamos descobrir o que Deus quer de nós.”

O bispo apresentou aos peregrinos “as saudações, as orações, a fé e devoção de tantos paroquianos portugueses e descendentes de portugueses” na diocese do estado de Massachussets e disse:

“Que possamos regressar às nossas terras iluminados por uma fé renovada, para trabalharmos junto na construção de um mundo melhor. Fé para as famílias, fé para as crianças, fé para os jovens, fé para o mundo inteiro e para as futuras gerações.”

Na Oração Universal, os participantes na Eucaristia rezaram pelos responsáveis políticos, “para que evitem o nacionalismo indiferente à sorte dos mais pobres” e desenvolvam políticas de hospitalidade que “abram as sociedades que governam aos migrantes e refugiados”, e pelas comunidades de portugueses e lusodescendentes espalhadas pelo mundo, todos os que sofrem as “consequências dramáticas da pandemia” e as vítimas do conflito na Ucrânia.

No momento de Adoração Eucarística, a habitual palavra ao doente coube a Eugénia Quaresma, diretora da Obra Católica das Migrações, que, a partir do excerto do Evangelho que serve de guia no ano pastoral do Santuário de Fátima, apresentou a intimidade com Deus como lugar de encontro para a “cura espiritual” que ajudará a “enfrentar o sofrimento físico e psíquico”.

“Há anúncios, acontecimentos, que suscitam perplexidade, no primeiro momento, inquietação, noutro. Contudo, a certeza da Tua presença, Senhor, gera no mais íntimo do Ser a mesma confiança de Maria: gera serenidade e manifesta-se na capacidade de aceitar e sorrir. (…) Que alegria receber Jesus! Que alegria esta divina companhia! Que alegria e que bênção ter acesso a cuidados e assistência! Que bênção ter família, amigos, profissionais, voluntários a ser sinal da tua presidência!” – rezou. E, ante o legítimo desejo da cura física dos que sofrem, pediu, antes de mais, pelo “dom cura espiritual”, para que “os que se sentem hoje mais frágeis possam nascer de novo com a graça de Deus e, assim, enfrentar o sofrimento físico e psíquico sem medo nem nostalgia, com a mesma capacidade de sacrifício e entrega de Santa Jacinta”.

***

No final da celebração, o reitor do Santuário agradeceu, em nome do bispo de Leiria-Fátima, a presença de D. Edgar da Cunha, assegurando a oração de todos pelo seu ministério.

Na noite do dia 13, depois do Rosário, houve uma oração junto ao memorial do Muro de Berlim.

2022.08.13 – Louro de Carvalho

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