terça-feira, 23 de agosto de 2022

Inflação faz subir juros em 55 pontos base e constrange zona euro

A subida das taxas de juro em 50 pontos base, em junho, não estanca a sangria devida à inflação. A 18 de agosto, o Eurostat revelou que o índice de preços no bloco da moeda única voltou a subir de 8,6%, em junho, para 8,9%, em julho – valor percentual quatro vezes superior à meta de 2% do Banco Central Europeu (BCE). Entretanto, a inflação na União Europeia (UE) atingiu os 9,6%.
Esta tomada de posição do BCE surgiu no dia em que o Eurostat reviu em alta a inflação para a zona euro e para a UE e um dia depois de terem sido conhecidas as atas da reunião de política monetária de 26 e 27 de julho da Reserva Federal Norte-Americana (FED) que antecipam mais subidas dos juros nos Estados Unidos (EUA), se a inflação não descer substancialmente.
Em julho, a FED aprovou o aumento de 75 pontos base das taxas de juro, para reduzir a inflação, de 8,5%, em julho, para a meta de 2%, que é também a marca que o BCE quer alcançar.
Assim, Isabel Schnabel, membro da comissão executiva do BCE antecipou, em entrevista à Reuters (agência de notícias britânica, a maior agência internacional de notícias do mundo), o agravamento das taxas diretoras em 55 pontos base já em setembro – cenário que, a concretizar-se, terá duro impacto nas taxas de juro ao consumo e à habitação. E prevê-se que, a evoluir assim a inflação, a subida das taxas pode atingir no final do ano, em termos acumulados, 118 pontos base, pois o BCE mantém o propósito de fazer subir as taxas o necessário até que a inflação caia para 2%, o que pode levar algum tempo a acontecer.    
Schnabel reconhece que a decisão do BCE de aumentar, no mês de julho, as taxas em 50 pontos base, devido à preocupação com as perspetivas de inflação, não foi suficiente para aliviar tal preocupação e não considera que “essas perspetivas tenham mudado fundamentalmente”.
É, pois, dado como certo um aumento das taxas de juro já em setembro, mas ainda não há consenso sobre a sua dimensão, estando os agentes políticos divididos entre 25 e 50 pontos base, sendo que Isabel Schnabel defende uma subida superior, visto que não exclui que, no curto prazo, a inflação aumente ainda mais. Segundo a Reuters, os mercados têm aumentado as apostas à medida que as pressões inflacionistas crescem, estimando agora, um aumento de 55 pontos base para setembro e um movimento combinado de 118 pontos base até o final do ano.
Schnabel observa que as projeções do BCE estavam erradas e, por isso, “os números reais de crescimento de preços precisam de ter maior peso nas tomadas de decisão”. Todavia, o BCE teme que este aumento das taxas de juro ocorra em simultâneo com uma recessão, provocada pelo aumento dos preços do petróleo, risco de que Schnabel tem consciência, ao considerar a forte indicação de que “o crescimento vai desacelerar”, pelo que não descarta a entrada em recessão técnica, sobretudo se o fornecimento de energia da Rússia for ainda mais interrompido.
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Com este cenário inflacionista, não é de estranhar que a atividade económica da zona do euro, na linha do que sucedeu em julho, volte a contrair em agosto, no setor privado, pressionada pela inflação que, segundo o índice de gestores de compras (PMI), divulgado no dia 18, retraiu o consumo pelas dificuldades de abastecimento. O índice composto PMI – calculado com base em inquéritos empresariais e considerado um barómetro da evolução geral da economia – caiu para 49,2 na primeira estimativa de agosto, depois de em julho se ter situado nos 49,9 pontos, em julho, face aos 52 pontos de junho, sendo que é o valor mais baixo observado desde fevereiro de 2021, refere a S&P Global em comunicado.
Andrew Harker, diretor para a área da economia da S&P Global, afirmou que “os últimos números do PMI para a zona do euro sinalizam uma contração na economia no terceiro trimestre do ano”.
Um valor do índice acima de 50 pontos sinaliza crescimento da atividade económica, enquanto um valor do índice abaixo dos 50 pontos sinaliza a sua contração.
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A inflação e a guerra na Ucrânia, graças à quebra de produção nos países em guerra, às sanções económicas que o Ocidente impôs à Rússia e aos bloqueios que esta vem fazendo, postulam um plano energético que passa pela anulação da dependência da Rússia, pela multiplicação das fontes de fornecimento e, a curto prazo, pela poupança de energia e de combustíveis de origem fóssil.
Neste âmbito, destaca-se a posição da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que está disponível para discutir a redução dos horários de funcionamento dos estabelecimentos, superiores à média da UE. Esta posição surge na sequência do pedido da Agência para a Energia (ADENE) de contributos para a elaboração do Plano de Poupança de Energia, conhecido até fins de agosto. E, se tais medidas não forem suficientes para satisfação do compromisso assumido por Portugal, a CCP está disponível para discutir outras medidas, como a redução de horários de funcionamento (à semelhança do decidido noutros países).
Para a CCP, o tema deve ser estudado, de forma “organizada e equilibrada”, face ao problema da falta de mão-de-obra e à evolução das operações eletrónicas e automação dos pontos de venda.
Como medidas a adotar no curto prazo, a CCP admite o controlo de temperaturas em estabelecimentos comerciais ou edifícios de serviços e a diminuição da iluminação noturna (montras e iluminação pública), tal como está a ser adotado noutros países europeus, mas advertiu para a “necessidade de garantir o reforço da segurança e policiamento”. Adicionalmente, defende incentivos fiscais para a adoção de soluções energeticamente mais eficientes como, por exemplo, lâmpadas LED e painéis fotovoltaicos e, no setor dos transportes, o apoio à renovação de frotas para veículos que consumam menos combustível. No entanto, lembra que o setor do comércio e serviços está a recuperar de dois anos atípicos, devido à pandemia do vírus SARS-CoV-2, pelo que as medidas vinculativas de redução de consumo energético para os agentes económicos não devem contemplar objetivos inatingíveis nem estes serem tão gravosos que, para os atingir tenham de se reduzir os níveis de atividade para patamares insustentáveis. E alertou para as diferentes realidades no setor do comércio e serviços, que devem ser consideradas na adoção de medidas de redução de consumo, devendo ser evitadas “medidas compulsivas e penalizações imediatas, uma vez que o investimento a fazer pelas empresas deve ser paulatino e comportável”.
Neste contexto, surgem também as Comunidades de Energia Renovável como forma essencial de descentralização da produção da eletricidade, designadamente no domínio do autoconsumo e ao nível dos Municípios. Com efeito, a crise energética tem contribuído para impulsionar iniciativas no sentido de potenciar novas atividades e atores no domínio energético – não sendo as entidades públicas, nomeadamente os municípios – garantindo maior independência do exterior e de fatores exógenos, bem como de combustíveis de origem fóssil.
Um destes atores são as CER, comunidades constituídas por conjuntos de consumidores que, através de energia renovável, com uma ou mais instalações partilhadas, produzem parte ou a totalidade da energia elétrica no domínio do autoconsumo e ao nível dos municípios.
As CER estão previstas no art.º 189.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que estabelece a organização e funcionamento do Sistema Elétrico Nacional. São pessoas coletivas, com ampla liberdade quanto à forma jurídica, que pode revestir a forma de sociedade, de cooperativa ou de associação. Podem ser constituídas por pessoas singulares ou coletivas, públicas ou privadas, incluindo pequenas e médias empresas ou autarquias locais (municípios). Face ao disposto no artigo 189.º, são possíveis três cenários quanto aos sujeitos que podem constituir uma CER ou participar nela: sujeitos privados; entidades públicas; sujeitos privados e entidades públicas. Porém, a possibilidade de a CER ser constituída ou participada por município (s) implica a observância das regras do Código dos Contratos Públicos (CCP) e do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais (RJAEL).
No atinente à CER a constituir sob a forma de sociedade, há situações a ter atenção, quando os constituintes ou participantes forem sujeitos privados e um município e quando forem apenas municípios (isolada ou conjuntamente). Nestes casos, o contrato de sociedade constitui um dos contratos cujas prestações estão submetidas à concorrência de mercado, devendo considerar-se que a celebração do contrato de sociedade está sujeita a procedimento pré-contratual, porque o CCP tipifica os municípios (enquanto autarquias locais) como entidades adjudicantes. Porém, dada a especificidade do contrato de sociedade, quando razões de interesse público relevante o justifiquem, pode adotar-se o ajuste direto para a formação de contratos de sociedade. Se a CER for constituída sob a forma de sociedade, cujos sujeitos sejam apenas municípios, o CCP admite que o contrato de sociedade seja configurado no âmbito da contratação excluída, mas são aplicáveis os princípios da atividade administrativa (legalidade, transparência, não discriminação) e, com as devidas adaptações, os princípios gerais da contratação pública.
Além disso, a criação/participação numa CER por um município passa pelo RJAEL, pois o contrato de sociedade pressupõe a criação de nova entidade, qualificada como empresa local, ou seja, constituída ou participada nos termos da lei comercial, designadamente, por municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas. Depois, a constituição ou participação em empresas locais por um município deve ser comunicada à Inspeção-Geral de Finanças, à Direção-Geral das Autarquias Locais e à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, exigindo-se a fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC). Havendo a intenção de um sujeito privado participar numa CER constituída por municípios, há que adotar, para a escolha dos parceiros privados, procedimento pré-contratual segundo as regras da contratação pública, como referido.
As exigências ligadas à constituição/participação numa CER integrada por um município põem-nos ante um procedimento complexo que exige articulação entre as regras da organização e do funcionamento do sistema elétrico nacional, as da contratação pública, as que fixam a atividade empresarial local, as decorrentes das constituição de sociedades comerciais e as que decorrem da fiscalização prévia do TdC, o que impõe ao município a visão integrada de várias áreas jurídicas.
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Enfim, impõe-se a mobilização de todos para a poupança razoável de energia e para a produção de energias alternativas, nomeadamente as renováveis, imposição que a seca reforça.

2022.08.23 – Louro de Carvalho


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