quinta-feira, 25 de agosto de 2022

26% dos nossos magistrados acreditam em suborno de juízes

Segundo o inquérito da Rede Europeia de Conselhos de Justiça (RECJ) sobre a perceção de corrupção na Justiça, que contou com as respostas de 15.821 juízes de 27 países, 26% dos 494 magistrados judiciais portugueses inquiridos disseram acreditar que, nos últimos três anos, houve juízes a aceitar, a título individual, subornos ou a envolverem-se em outras formas de corrupção. Porém, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, relativizou, a 23 de agosto, em Coimbra os dados desse estudo europeu, alegando que dizem respeito a 2021, “um ano excecional”.

“Foi uma situação absolutamente excecional”, disse a ministra à agência Lusa no final de uma visita à sede e delegação regional do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), adiantando que o relatório se reporta a 2021, ano muito particular em que houve ocorrências excecionais que envolveram magistrados. E sublinhou que tais ocorrências não poderiam deixar de marcar a perceção que, do ponto de vista do senso comum, as pessoas têm, pois “os juízes também são pessoas como nós, que vivem inseridos na sociedade”.

Segundo predito inquérito da RECJ, 26% dos 494 magistrados judiciais portugueses acreditam que, nos últimos três anos, houve juízes a aceitar, a título individual, subornos ou a envolverem-se em outras formas de corrupção. Neste aspeto, Portugal ficou apenas atrás de Itália (36%) e Croácia (30%), igualando a percentagem da Lituânia (26%).

A Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), através do seu presidente, Manuel Soares, tinha expressado preocupação face aos dados deste estudo sobre a independência dos magistrados e exigido uma resposta do Conselho Superior da Magistratura (CSM) a esta perceção de corrupção na Justiça, o que o CSM recusou depois uma “leitura apressada” dos resultados do inquérito, assegurando que iria estar atento e agir perante eventuais atos corruptivos.

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Na verdade, o presidente da ASJP considera “preocupantes” os dados de tal estudo sobre a independência dos magistrados e pretende resposta do CSM à perceção de corrupção na justiça, pois, como sustentou, em declarações à Lusa, “não podemos ter um conjunto significativo de juízes a considerar que existem problemas de corrupção judicial sem fazermos aquilo que é suposto: tomarmos medidas – seja no plano preventivo, seja no plano repressivo – para contrariar esta perceção, se ela tiver contacto com a realidade”. Por isso, considera importante “uma intervenção imediata dos conselhos superiores”.

A ASJP está preocupada não apenas com o resultado deste estudo, mas também com o que parece um silêncio ou inação dos conselhos. Por isso, o passo seguinte tem de ser a perceção exata do que os conselhos pretendem fazer para verificar se existe um problema, qual a sua dimensão e como deve ser tratado”. Manuel Soares, sublinhando que este alerta é, simultaneamente, “interno e externo”, lembra que, na sequência da Operação Lex, que levou à expulsão do juiz Rui Rangel e à aposentação compulsiva de Fátima Galante, a ASJP apresentara ao CSM um conjunto de medidas de reforço dos mecanismos de prevenção e deteção de casos de corrupção judicial, mas aquele órgão de gestão e disciplina dos juízes não revelou abertura. E, em relação a este inquérito, defende que não se pode olhar para ele “de braços cruzados e assobiar para o lado”, pelo que não é resposta adequada o CSM fechar as portas à discussão, achando que os problemas não têm importância, que têm importância mas se resolvem sozinhos ou que as pessoas se esquecem dos problemas e eles desaparecem.

O presidente da ASJP lamenta que o regulamento das obrigações declarativas dos juízes não tenha culminado na entrega dessas declarações, assumindo “embaraço, estranheza e discordância” por o CSM não ter concluído tal processo quase dois anos após a respetiva lei e por o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) não ter feito o respetivo regulamento.

Está a ser feito, também desta vez, o que não deve ser feito, isto é, os conselhos serem omissos, lentos, conservadores e não cumprirem as suas obrigações, quando devem mostrar à sociedade que o assunto lhes diz respeito, que estão preocupados e que tomam medidas. E o presidente da ASJP é categórico ao indicar: “Não quero amanhã mais um ‘caso Rangel’, porque depois já não podemos dizer que fomos apanhados desprevenidos. Se isso acontecer, a culpa é nossa.”

Portanto, conclui que “um inquérito com estes resultados torna impossível que os órgãos de gestão das magistraturas não atuem”, ao invés, pode-se pensar que o problema não está na corrupção, mas nos que têm a obrigação de tratar disso e não o fazem. E acha exigível que atuem, pois “todos os cidadãos compreendem que é preciso tomar mais medidas”.

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Como o inquérito da RECJ se reporta ao ano de 2021 – e a ministra da Justiça sublinhou-o –, vem a talho de foice recordar uma sondagem da Aximage para o DN, o JN e a TSF, divulgada a 30 de abril, cujos resultados revelam um clima de descrença generalizada na política stricto sensu e na justiça, com desfavor para esta, pois dois terços dos cidadãos não confiam nos tribunais e nos juízes. Nem os políticos são devidamente fiscalizados (opinião de 83% dos inquiridos), nem a justiça tem a capacidade de investigar os casos de corrupção na política (opinião 62%). Assim, os resultados da sondagem revelam que os “tribunais e juízes” são a instituição em que os portugueses menos confiam – avaliação em que o Ministério Público (MP) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também são bastante maltratados.

A 12 de abril, Rui Rio recorreu ao tremendismo retórico. Poucos dias após o despacho do juiz Ivo Rosa relativo à Operação Marquês – que fez cair, pelas prescrições e pela falta de provas, a maior parte das acusações a José Sócrates e Ricardo Salgado –, o então líder do PSD denunciava uma Justiça que “o povo não entende” e que é “o pior exemplo da doença do regime”.

A julgar pelos resultados do barómetro de abril da Aximage, o então líder social-democrata estava em sintonia com a grande maioria dos portugueses. E, na sessão comemorativa do 25 de Abril da Assembleia da República, o combate à corrupção, a criminalização do enriquecimento ilícito, a impunidade dos poderosos e a descrença na justiça, dominaram os discursos, da direita à esquerda, com exceção do PS.

Porém, apesar de o PS não se referir ao tema na sessão do 25 de Abril, o Conselho de Ministros do dia 29 de abril de 2021 aprovou a Estratégia Nacional contra a Corrupção.

O trabalho de campo da sondagem terminou a 25 de abril, pelo que não reflete o destaque que os partidos da oposição deram ao tema nas comemorações da revolução. Os portugueses já tinham formado uma opinião negativa e, mesmo que a sondagem não tenha perguntas concretas sobre o caso, parece clara a contaminação da avaliação pela Operação Marquês, seja da justiça em si, seja da eficácia do seu combate a corrupção.

Quanto à fiscalização aos políticos e aos detentores de altos cargos públicos, mais de quatro quintos dos portugueses acham que não está a fazer-se, destacando-se os inquiridos entre 50 e 64 anos e os que têm rendimentos mais elevados (nove em cada 10) e os eleitores bloquistas e liberais (fazem quase o pleno). E, quanto à capacidade de a justiça investigar a corrupção nos políticos e nos altos cargos públicos, quase dois terços dizem que ela não existe. Os mais pessimistas são os homens (mais 9% do que as mulheres), a faixa etária dos 35 aos 49 anos e os que estão no topo das classes sociais (sete em 10) e os eleitores da nova direita liberal e radical (oito em 10).

A sondagem também avaliou o grau de confiança dos cidadãos em instituições que têm algum papel na legislação, fiscalização, denúncia, investigação ou julgamento de casos de corrupção. Mas o resultado é penoso para tribunais e juízes, em quem os portugueses menos confiam: 62% fazem uma avaliação negativa (destacando-se quatro quintos dos inquiridos com 65 ou mais anos), contra apenas 15% que admitem que a confiança é grande ou muito grande.

A confiança no MP é pequena ou muito pequena para 42% da população (31% faz uma avaliação positiva), enquanto a PGR recebe nota negativa de 35% dos inquiridos (27% faz uma avaliação positiva). Nestes dois últimos casos, a análise por segmentos indica que há exceções: entre os mais novos (18 a 34 anos) e os mais pobres, são em maior número os que confiam no MP e na PGR. Quando o ângulo incide sobre as escolhas partidárias, a PGR merece o benefício da dúvida nos eleitores do PS e do PSD. Mais à Esquerda (BE e CDU), a confiança é menor. E onde a desconfiança é mais forte é à Direita (Chega e Iniciativa Liberal), tanto no MP como nos juízes.

Têm vantagem na avaliação: o Presidente da República, com 65% a julgar a sua atuação muito boa ou boa – o que se deverá à sua posição cimeira e à sua linguagem clara –, 21%, a julgá-la média e 12%, julgá-la negativa; e as forças policiais, com 73% a julgar a sua atuação positiva, mercê da sua intervenção e do seu trabalho. Porém, salientam-se em avaliação negativa, embora não seja essa a opinião maioritária: os partidos em geral, com 45%; os órgãos de comunicação social, com 43%; a Assembleia da República, com 39%; e o Governo, com 30%.

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Não se pode dizer que o problema seja meramente pontual ou exclusivamente de perceção. Bem queríamos que não fosse estrutural. Porém, cabe aos operadores da justiça mostrar pelos atos e pela arte de bem comunicar, que a justiça funciona com celeridade, com eficácia e com equidade. Com efeito, como se vê pela sondagem, a nossa má perceção da justiça não é uma invenção europeia.

2022.08.25 – Louro de Carvalho 

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