sábado, 2 de março de 2024

Um caça F-35 vale mais do que 3 mil vagas em hospitais

 

 

A 28 de fevereiro, na 16.ª Reunião Anual da “Global Alliance for Banking on Values” (GABV) – também conhecida por Aliança Mundial de Bancos Éticos –, mais de 71 bancos pedem que o setor financeiro pare de investir em guerras. É o apelante contraponto à postura dos 15 maiores bancos da Europa que investem 87,72 mil milhões de euros em empresas de armamento.

Com as guerras na Ucrânia e na Terra Santa, as empresas do setor voltaram ao centro das atenções, depois de um período em que foram excluídas dos fundos de pensão ou dos fundos soberanos. E Barbara Setti, do departamento de pesquisa da GABV sustenta que os gastos globais com defesa cresceram para 9%, em 2023.

Estes dados emergem do sobredito relatório intitulado “Finance for WarFinance for Peace” (Finanças para a Guerra. Finanças para a paz) e encomendado pela Fundação Finança Ética e pela GABV, realizado pela Merian Research e apresentado na reunião anual da GABV em Pádua e Milão, sobressaindo como, entre 2020 e 2022, as instituições financeiras – incluindo grandes bancos, grandes seguradoras, fundos de investimento, fundos soberanos e fundos de pensão – apoiaram o setor da Defesa com, pelo menos, um milhão de biliões de dólares.

Para ilustrar a importância e a dimensão dos dados publicados pela Fundação Finança Ética à Rádio Vaticano – Vatican NewsBarbara Setti , referiu que os gastos globais com a Defesa em 2023 cresceram 9%, o que significa mais de dois milhões de biliões e 200 mil milhões de dólares – número calculado por padrão, pois obter dados neste campo é trabalho muito complicado, por a indústria de armas não ser muito transparente e por não existir um banco de dados oficial que contabilize todos os investimentos, empréstimos e serviços de todas as instituições bancárias e financeiras do Mundo, no setor das armas.

Segundo a especialista, o mercado de ações do setor nos Estados Unidos da América (EUA) aumentou 25%, no último ano e meio, enquanto o índice de ações do setor aeroespacial europeu aumentou mais de 50%, no mesmo período.

Os bancos e outras instituições financeiras são participantes ativos nesse contexto, de modo que os principais bancos, as grandes seguradoras, os fundos de investimento, os fundos de pensão e os fundos soberanos, juntos, apoiaram o setor da Defesa com, pelo menos, um milhão de biliões de dólares e, em 99,9% dos casos, de forma totalmente consciente. O setor do armamento é um setor lucrativo, pelo que vale a pena apoiá-lo e, assim, os conflitos militares são facilitados.

Para onde vão os dinheiros com que engrossamos as companhias de seguros, tão avaras em satisfazer os compromissos com os seus tutelandos, que são pagadores, tal como os fundos de pensão que vão empobrecendo os seus beneficiários, pois para isso contribuíram e não pouco! O mesmo se dirá dos fundos soberanos, que deviam sustentar o zelo governativo pela causa pública e pela promoção do Estado social (com acesso de todos à Saúde, à Educação, à Proteção Social, à Cultura, à Habitação). Não há dinheiro para nada, exceto para a guerra e para salvar a banca! 

A guerra na Ucrânia e a escalada do conflito israelo-palestiniano levaram as empresas de Defesa a regressar ao centro das atenções. E não só: em novembro de 2023, os ministros da Defesa da União Europeia (UE) assinaram uma declaração conjunta para facilitar o acesso do setor da Defesa ao financiamento.

O relatório da GABV também analisa comparativamente entre o investido em armamento e o que poderia ser feito noutras áreas com os mesmos valores. Tal análise foi realizada pelo International Peace Bureau, um instituto internacional independente, que demonstrou que, com os recursos financeiros necessários para operar a fragata europeia da classe FREMM – um enorme navio militar – seria possível pagar os salários de quase 11 mil médicos num ano; que um avião de combate F-35 equivale a mais de três mil leitos numa unidade de terapia intensiva; e que um submarino nuclear vale quase 10 mil ambulâncias.

Isto não é um ingénuo exercício de cálculo, mas um sinal de que a política decide direcionar o investimento para um determinado setor, em vez de o fazer para outro.

Há sempre uma opção para onde alocar os recursos financeiros, se não olharmos exclusivamente para o lucro. Essa é a questão crucial das finanças éticas. O lucro é uma componente, mas não a única, do que as instituições financeiras fazem com o dinheiro dos poupadores. “Para criar um sistema financeiro que não atenda apenas a retornos de curtíssimo prazo, mas que seja um sistema financeiro voltado para a sociedade e para o bem comum, é preciso analisar os impactos de médio prazo, os impactos sociais, os impactos ambientais e os pactos de boa governança”, sustenta a especialista.

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Já o historiador romano Tito Lívio sentenciava: “A guerra alimentar-se-á a si mesma.” A frase é particularmente relevante hoje, quando a proliferação de guerras no Mundo desencadeia uma espiral aparentemente inescapável de aumento dos gastos militares, tendência preocupante, que atingiu, em 2023, novos recordes, como ficou explicitado, e que diz respeito de perto ao setor das finanças, que apoia a produção e o comércio de armas, em vez de contribuir para a vitalidade da economia, de garantir a sustentabilidade dos Estados e de promover o bem-estar das populações (devo estar a sonhar). O facto foi denunciado pelo relatório da GABV, a aliança mundial de 71 bancos éticos reunida, pela primeira vez, na Itália, entre Milão e Pádua, de 26 a 29 de fevereiro.

“Os bancos e o setor financeiro não são apenas corretores de dinheiro, mas agentes críticos de mudança”, refere o prefácio do relatório de 32 páginas. Mais de metade do investimento total no setor de armas, mais de 500 mil milhões, vem dos EUA. E as 12 instituições financeiras que mais investem na produção de armas são todas estadunidenses: uma classificação liderada, com 92 mil milhões de dólares, pelo grupo Vanguard. Os 15 maiores bancos europeus investiram 87,72 mil milhões de euros em indústrias produtoras de armas – tendência semelhante à da Ásia, enquanto, entre as 100 principais instituições financeiras que investem no setor de armas, não há investidores da África ou da América Latina.

O ano passado marcou um novo recorde de gastos com a Defesa: globalmente, foram gastos cerca de dois mil biliões de dólares e 240 mil milhões, ou 2,2% do produto interno brito (PIB) mundial, um aumento de 9%, face ao ano anterior. Nesse cenário, o setor financeiro é muito ativo: entre 2020 e 2022, apoiou o setor da Defesa com, pelo menos, mil biliões de dólares. E a tendência intensificou-se com a eclosão de guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, somando-se aos muitos conflitos, quase esquecidos, que se arrastam do Sudão a Mianmar, por exemplo.

A eclosão da guerra na Ucrânia, a 24 fevereiro de 2022, fez com que o valor das ações das empresas de armamentos disparasse. Uma análise do Financial Times revela que a carteira de pedidos de novos armamentos atingiu níveis recordes, em 2022 e no primeiro semestre de 2023 – tendência que aumentará a curto prazo, devido à eclosão do conflito entre Israel e o Hamas, em outubro de 2023. Entre os dez stocks globais que mais progrediram, desde o início de 2024, estão o fabricante alemão de munições Rheinmetall e a norueguesa Kongsberg.

Os bancos éticos estão a remar contra a maré. Em Milão, foi adotado um Manifesto que condena todas as guerras e pede às instituições que revertam a tendência e invistam no financiamento da paz. É um apelo urgente, visto que os gastos militares estão a crescer exponencialmente, enquanto os recursos para serviços essenciais, como escolas e assistência médica, são difíceis de encontrar. Uma análise do International Peace Bureau traduziu o custo de armamentos específicos em bens e serviços de saúde: uma fragata multifuncional europeia (Fremm) vale o salário de 10662 médicos por ano – média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); um caça F-35 equivale a 3244 leitos de terapia intensiva e um submarino nuclear da Virgínia custa o mesmo que 9180 ambulâncias. Metade dos recursos alocados pelos governos, em todo o Mundo, para as forças armadas bastaria para dar assistência médica básica a todos, no planeta, e para reduzir consideravelmente as emissões de gases de efeito estufa.

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Entretanto, Israel atacou uma multidão, a 29 de fevereiro, a oeste da cidade de Gaza: mais de 100 mortos e mais de 700 feridos. As vítimas foram palestinianos que esperavam por ajuda humanitária e estavam perto da rotatória de Nabulsi, na Al-Rashid Street. Testemunhas e o correspondente da TV do Catar relataram que a multidão foi atacada com projéteis de artilharia, mísseis de drones e tiros. Outros ataques aéreos israelitas ocorreram contra os campos de refugiados de Nuseirat, Bureij e Khan Yunis e causaram, pelo menos, 30 mortes, elevando o número de vítimas fatais desde o início do conflito para mais de 30 mil.

A situação das crianças também é dramática: de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), um milhão de crianças em Gaza sofre de insegurança alimentar e seis crianças morreram no hospital, devido à desnutrição e à desidratação. “Pedimos às instituições internacionais – diz o chefe da saúde em Gaza – que tomem medidas imediatas para evitar uma catástrofe humanitária no norte da Faixa”. É um apelo que os EUA parecem ter aceitado, pois, de acordo com o jornal Axios, a Casa Branca está a considerar lançar ajuda humanitária sobre Gaza a partir de aviões militares, já que as entregas por terra estão a tornar-se cada vez mais complexas. Enquanto isso, as negociações entre as partes continuam no Catar, embora as posições ainda estejam distantes. O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, deixa claro que o movimento demonstra flexibilidade nas negociações, para chegar a um acordo para a libertação dos reféns israelitas e a um cessar-fogo temporário. Porém, ao mesmo tempo, diz que está pronto para continuar a luta.

A chegada de março torna tudo mais crucial: na noite do dia 10, começa o mês do Ramadão e a questão da segurança será ainda mais urgente. Por um lado, Israel anunciou medidas restritivas à entrada na Esplanada das Mesquitas – Monte do Templo, em Jerusalém; por outro, o Hamas apelou aos Palestinianos a que se dirigissem em massa ao local no primeiro dia do Ramadão. Os EUA intervieram, pedindo a Israel que “facilite o acesso” ao local “para os fiéis pacíficos”.

Novo apelo à deposição das armas vem da declaração conjunta da França e do Catar, após reunião, a 28 de fevereiro, no Palácio do Eliseu entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o emir do Catar, Tamim ben Hamad Al-Thani. “Opomo-nos a um ataque a Rafah e pedimos a abertura de todas as passagens, incluindo o norte da Faixa de Gaza”, diz a declaração, que reitera a necessidade de um “cessar-fogo imediato para permitir a entrada de ajuda humanitária em Gaza”.

Também ocorreu uma conversa telefónica, na noite de 28 para 29 de fevereiro, entre o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, e o seu homólogo dos EUA, Lloyd Austin, concentrada nas operações militares contra o Hamas realizadas por Israel. Segundo o jornal The Times of Israel, os dois discutiram os acontecimentos ao longo da fronteira libanesa, onde drones e mísseis do Hezbollah são lançados constantemente contra o Norte de Israel. A esse respeito, Gallant enfatizou a Austin que Israel não “tolerará ameaças contra os seus cidadãos e violações da sua soberania, e tomará as medidas necessárias para garantir sua segurança".

Também no dia 28 de fevereiro, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu reuniu-se, em Jerusalém, com Sigrid Kaag, coordenadora humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma reunião que Netanyahu considerou como “produtiva” e focada nos “desafios atuais da região e nas possíveis maneiras de os enfrentar. E, na frente palestina, o presidente Mahmoud Abbas recebeu, em Ramallah Philippe Lazzarini, comissário geral da UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinianos. Abbas lembrou, segundo o jornal palestiniano Wafa, que a UNRWA fornece serviços fundamentais aos refugiados, de acordo com as resoluções da ONU e pediu à comunidade internacional que apoiasse a agência com os fundos necessários.

Por fim, é de referir a reunião que ocorreu entre 29 de fevereiro e 1 de março, em Moscovo, sob a égide da Rússia, com a participação dos representantes do Hamas, do Fatah e de outras forças políticas pertencentes à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), para acordar um governo de unidade nacional, com tecnocratas. Para já, sabe-se que proclamaram: “Unidade!”

2024.03.01 – Louro de Carvalho

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