quinta-feira, 28 de março de 2024

Páscoa na primavera e primavera na Páscoa

 

Neste ano de 2024, o tempo atmosférico não se mostra quase nada primaveril. O frio parece que se atrasou, a chuva persiste e o vento atira-nos com os agasalhos. Surgem as inundações, os estragos urbanos e campesinos. Até parece que a primavera, que se antecipou em fevereiro, agora entrou em desistência e em negação.   

Porém, não é tudo como parece. As sementes e os demais elementos primaveris estão em germinação na Natureza ou em fase de projeto já em desenvolvimento. Com efeito, os sinos badalam como crianças, ora tristes, ora alegres; as nascentes rebentaram nas montanhas; os passarinhos cantam e os insetos zumbem, a cruzar os ares; uma grande variedade de jovens animais corre ou salta; as árvores ganham novo vigor natural ou o que lhes é induzido pela poda; e, embora a neve tenha coberto as montanhas, as encostas, os vales e as planícies já se enfeitam de verdura e de flores. Assim, logo que o céu deixe de ventar, as cataratas aéreas se desfaçam e os raios solares entendam aquecer um pouco a Terra, estaremos em condições de apreciar o espetáculo que todos os anos nos faz esquecer os rigores invernais.   

Além disso, os peregrinos, a pé ou autotransportados, ganham novo fôlego; os turistas não desistem das suas visitas e dos seus tempos de hotel; os centros de diversão não esmorecem; caros particulares, autocarros, metropolitanos, comboios, cruzeiros e aeronaves não param, antes redobram o tráfego; até a política ganha outro rumo e nova esperança, para muitos, seja o país mais governável ou menos governável.     

É natural que as diversas culturas tenham, ao longo da História, encontrado fortes motivos para festejar a renovação da mãe Natureza, sempre fértil, para celebrar a vida e usufruir das primeiras colheitas, nomeadamente daquelas que o outono fez hibernar, para que surgissem agora.

É compreensível que os povos em festa descubram os objetos que se tornem os melhores símbolos da festa que não se esgota num dia, mas que se prolonga por toda uma quadra, com festividades, romarias, festivais, exposições, viagens de férias.   

A Páscoa traz os folares, as prendas, os banquetes, a intensificação das relações humanas. É assinalada nas famílias, nas escolas, nas igrejas, nos clubes, nas empresas, nas associações, na comunicação social. Vêm as amêndoas, os ovos, os bolos, etc. Temos as visitas pascais ou compassos. Queima-se o Judas.

A primavera traz às Igrejas cristãs a festividade móvel da Páscoa, a celebrar, em cada ano, segundo o ciclo lunar, em vez do ciclo solar. E o seu conteúdo, segundo os crentes, culmina todo um tempo de reflexão e de alguma sobriedade em torno da escuta da Palavra de Deus e numa especial atenção ao próximo, com a Semana Santa ou Semana Maior.

Abrindo com o Domingo de Ramos, que evoca a entra de Jesus em Jerusalém e aponta para a Paixão do Senhor, vivencia o teologicamente denominado Mistério Pascal. Na quinta-feira, evocando a Páscoa judaica, celebra-se a entrega de Jesus na Eucaristia aos discípulos e a sua detenção para julgamento e condenação; na sexta-feira, a sua condenação à morte, crucifixão e sepultura; no sábado, é o silêncio; e, a partir das Vésperas de domingo, é a solenidade da Ressurreição, que se prolonga pela oitava e, passando pela Ascensão, termina no Pentecostes.

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Como já se deixou entender, antes da Páscoa dos cristãos (os cristãos do Oriente – católicos e ortodoxos – celebram a Páscoa com outras datas, por seguirem o calendário juliano, em vez do gregoriano), os Judeus celebravam a sua Páscoa, a evocar a saída do Egito para a Terra da Promissão – festa memorável, porque assinalava o dom da libertação, semelhante ao que, para nós, significa o 25 de Abril-                       

Todavia, é de recordar que a Páscoa já existia, nesta época do ano, ou seja, os povos já faziam festa e trocavam ovos (de galinha e de outras aves), muito antes mesmo de os Judeus existirem.

Antes do Cristianismo, a entrada da primavera era comemorada em rituais que têm muito em comum com a Páscoa dos cristãos. Praticamente, todos os povos têm a sua versão da festa. Entre os Romanos, era a festa da deusa Reia ou Cibele. Entre os Egípcios, a comemoração era para Osíris – que também ressuscitava. Até mesmo o Pessach, a páscoa judaica que deu origem à cristã, surgiu dos rituais da primavera dos pastores e dos agricultores hebreus, com os seus pães sem fermento e com o sacrifício de animais, nomeadamente o cordeiro ou o cabrito. Por isso, é que Jesus Cristo é considerado pelos cristãos como o cordeiro pascal.

A partir do século IX, com a conversão dos povos germânicos ao Cristianismo, houve uma grande mistura entre as tradições. Como na Antiguidade, os símbolos das festividades pagãs acabaram por ser incorporados na celebração cristã. É o caso do coelhinho, por exemplo: o animal era nada menos que a representação da deusa da primavera entre povos bárbaros. Ainda hoje, Páscoa é dita “Ostern”, em Alemão, e “Easter”, em Inglês – derivações do nome da deusa Eostre (ou Ostara, como também é conhecida).

Antes, os ovos dados de presente eram de galinha e não de chocolate. Simbolizam o início da vida. Por isso, não serviam para serem comidos. Eram decorados e celebravam Eostre, representada por uma mulher que segurava um ovo na sua mão e observava um coelho: alegoria da fertilidade.

Os cristãos apropriaram-se da imagem do ovo para festejar a Páscoa, que celebra a ressurreição de Jesus – o Concílio de Niceia, realizado em 325, estabeleceu este culto e a sua data. Na época, pintavam os ovos (geralmente de galinha, de gansa ou de codorniz) com imagens de figuras religiosas, como o próprio Jesus e a sua mãe, Maria.

A cultura do chocolate foi inserida pelos Franceses no século XVIII. Confeiteiros da França resolveram testar o uso de uma iguaria que tinha chegado à Europa vinda da América, descoberta dois séculos antes. É claro que a novidade fez o maior sucesso. Na verdade, é muito mais prático distribuir ovos de chocolate do que ovos de galinha.

À semelhança dos ovos de chocolate, também se distribuem os pequenos ovinhos de Páscoa de várias cores que, vulgarmente, dão pelo nome de amêndoas (ovos em miniatura), mas que não passam de pequenos aglomerados de açúcar compacto. Nada têm a ver com as amêndoas, frutos das amendoeiras algarvias ou alto-durienses, que encantam o olhar e perfumam o olfato dos visitantes. Quem viu, como eu, a forma como se tratam as amendoeiras ou participou nas sessões de descasca da amêndoa – em Vila Nova de Foz Coa, a capital da amendoeira em flor, ou em Figueira de Castelo Rodrigo, a rainha da amendoeira – percebe bem a diferença.

Não obstante, oferecer amêndoas resulta de um ritual antigo semelhante ao do ovo e associado às festas da primavera. Mais tarde foi incorporado na tradição cristã, e as amêndoas (hoje, de vários tipos e recheios) são vistas como um símbolo de ressurreição e de prosperidade.  

Enfim, como a primavera, a Páscoa é tempo de criação, fertilidade, alegria, dinamismo em termos humanos, sociais e, para os crentes, também religiosos.

Seja como for, a primavera, embora tenha os seus caprichos, não conhece fronteiras. E a Páscoa, embora tenha ancestrais origens, não deixa de atribuir novos significados aos símbolos que vem assumindo ao longo do tempo. Assim, mesmo os não crentes, tal como sentem a primavera, também sentem a Páscoa no que ela tem de humano, social e cultural. A Páscoa é tempo de privilegiar as relações interpessoais e intergrupais.

Por isso, a todas as pessoas e instituições com quem tive e tenho o privilégio de partilhar o pensar, o sentir, enfim, o viver, os mais sinceros votos de boa Páscoa e, para quem o desejar e assumir, votos de Santa Páscoa.

2024.03.28 – Louro de Carvalho

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