Neste
ano de 2024, o tempo atmosférico não se mostra quase nada primaveril. O frio
parece que se atrasou, a chuva persiste e o vento atira-nos com os agasalhos.
Surgem as inundações, os estragos urbanos e campesinos. Até parece que a primavera,
que se antecipou em fevereiro, agora entrou em desistência e em negação.
Porém,
não é tudo como parece. As sementes e os demais elementos primaveris estão em germinação
na Natureza ou em fase de projeto já em desenvolvimento. Com efeito, os sinos
badalam como crianças, ora tristes, ora alegres; as nascentes rebentaram nas
montanhas; os passarinhos cantam e os insetos zumbem, a cruzar os ares; uma grande
variedade de jovens animais corre ou salta; as árvores ganham novo vigor
natural ou o que lhes é induzido pela poda; e, embora a neve tenha coberto as montanhas,
as encostas, os vales e as planícies já se enfeitam de verdura e de flores.
Assim, logo que o céu deixe de ventar, as cataratas aéreas se desfaçam e os raios
solares entendam aquecer um pouco a Terra, estaremos em condições de apreciar o
espetáculo que todos os anos nos faz esquecer os rigores invernais.
Além
disso, os peregrinos, a pé ou autotransportados, ganham novo fôlego; os
turistas não desistem das suas visitas e dos seus tempos de hotel; os centros
de diversão não esmorecem; caros particulares, autocarros, metropolitanos,
comboios, cruzeiros e aeronaves não param, antes redobram o tráfego; até a
política ganha outro rumo e nova esperança, para muitos, seja o país mais governável
ou menos governável.
É
natural que as diversas culturas tenham, ao longo da História, encontrado fortes
motivos para festejar a renovação da mãe Natureza, sempre fértil, para celebrar
a vida e usufruir das primeiras colheitas, nomeadamente daquelas que o outono
fez hibernar, para que surgissem agora.
É
compreensível que os povos em festa descubram os objetos que se tornem os melhores
símbolos da festa que não se esgota num dia, mas que se prolonga por toda uma
quadra, com festividades, romarias, festivais, exposições, viagens de férias.
A
Páscoa traz os folares, as prendas, os banquetes, a intensificação das relações
humanas. É assinalada nas famílias, nas escolas, nas igrejas, nos clubes, nas empresas,
nas associações, na comunicação social. Vêm as amêndoas, os ovos, os bolos,
etc. Temos as visitas pascais ou compassos. Queima-se o Judas.
A
primavera traz às Igrejas cristãs a festividade móvel da Páscoa, a celebrar, em
cada ano, segundo o ciclo lunar, em vez do ciclo solar. E o seu conteúdo,
segundo os crentes, culmina todo um tempo de reflexão e de alguma sobriedade em
torno da escuta da Palavra de Deus e numa especial atenção ao próximo, com a
Semana Santa ou Semana Maior.
Abrindo
com o Domingo de Ramos, que evoca a entra de Jesus em Jerusalém e aponta para a
Paixão do Senhor, vivencia o teologicamente denominado Mistério Pascal. Na quinta-feira,
evocando a Páscoa judaica, celebra-se a entrega de Jesus na Eucaristia aos discípulos
e a sua detenção para julgamento e condenação; na sexta-feira, a sua condenação
à morte, crucifixão e sepultura; no sábado, é o silêncio; e, a partir das
Vésperas de domingo, é a solenidade da Ressurreição, que se prolonga pela oitava
e, passando pela Ascensão, termina no Pentecostes.
***
Como
já se deixou entender, antes da Páscoa dos cristãos (os cristãos do Oriente – católicos
e ortodoxos – celebram a Páscoa com outras datas, por seguirem o calendário
juliano, em vez do gregoriano), os Judeus celebravam a sua Páscoa, a evocar a
saída do Egito para a Terra da Promissão – festa memorável, porque assinalava o
dom da libertação, semelhante ao que, para nós, significa o 25 de Abril-
Todavia,
é de recordar que a Páscoa já existia, nesta época do ano, ou seja, os povos já
faziam festa e trocavam ovos (de galinha e de outras aves), muito antes mesmo
de os Judeus existirem.
Antes
do Cristianismo, a entrada da primavera era comemorada em rituais que têm muito
em comum com a Páscoa dos cristãos. Praticamente, todos os povos têm a sua
versão da festa. Entre os Romanos, era a festa da deusa Reia ou Cibele. Entre
os Egípcios, a comemoração era para Osíris – que também ressuscitava. Até mesmo
o Pessach, a páscoa judaica que deu origem à cristã, surgiu dos rituais da
primavera dos pastores e dos agricultores hebreus, com os seus pães sem
fermento e com o sacrifício de animais, nomeadamente o cordeiro ou o cabrito. Por
isso, é que Jesus Cristo é considerado pelos cristãos como o cordeiro pascal.
A
partir do século IX, com a conversão dos povos germânicos ao Cristianismo,
houve uma grande mistura entre as tradições. Como na Antiguidade, os
símbolos das festividades pagãs acabaram por ser incorporados na celebração
cristã. É o caso do coelhinho, por exemplo: o animal era nada menos que a
representação da deusa da primavera entre povos bárbaros. Ainda hoje, Páscoa é
dita “Ostern”, em Alemão, e “Easter”, em Inglês – derivações do nome da deusa
Eostre (ou Ostara, como também é conhecida).
Antes,
os ovos dados de presente eram de galinha e não de chocolate. Simbolizam o
início da vida. Por isso, não serviam para serem comidos. Eram decorados
e celebravam Eostre, representada por uma mulher que segurava um ovo na
sua mão e observava um coelho: alegoria da fertilidade.
Os
cristãos apropriaram-se da imagem do ovo para festejar a Páscoa, que celebra a
ressurreição de Jesus – o Concílio de Niceia, realizado em 325, estabeleceu
este culto e a sua data. Na época, pintavam os ovos (geralmente de galinha, de gansa
ou de codorniz) com imagens de figuras religiosas, como o próprio Jesus e a sua
mãe, Maria.
A
cultura do chocolate foi inserida pelos Franceses no século XVIII. Confeiteiros
da França resolveram testar o uso de uma iguaria que tinha chegado à Europa vinda
da América, descoberta dois séculos antes. É claro que a novidade fez o maior
sucesso. Na verdade, é muito mais prático distribuir ovos de chocolate do que
ovos de galinha.
À
semelhança dos ovos de chocolate, também se distribuem os pequenos ovinhos de Páscoa
de várias cores que, vulgarmente, dão pelo nome de amêndoas (ovos em miniatura),
mas que não passam de pequenos aglomerados de açúcar compacto. Nada têm a ver com
as amêndoas, frutos das amendoeiras algarvias ou alto-durienses, que encantam o
olhar e perfumam o olfato dos visitantes. Quem viu, como eu, a forma como se
tratam as amendoeiras ou participou nas sessões de descasca da amêndoa – em
Vila Nova de Foz Coa, a capital da amendoeira em flor, ou em Figueira de Castelo
Rodrigo, a rainha da amendoeira – percebe bem a diferença.
Não obstante, oferecer amêndoas resulta de um ritual antigo
semelhante ao do ovo e associado às festas da primavera. Mais tarde foi
incorporado na tradição cristã, e as amêndoas (hoje, de vários tipos e recheios)
são vistas como um símbolo de ressurreição e de prosperidade.
Enfim,
como a primavera, a Páscoa é tempo de criação, fertilidade, alegria, dinamismo
em termos humanos, sociais e, para os crentes, também religiosos.
Seja
como for, a primavera, embora tenha os seus caprichos, não conhece fronteiras.
E a Páscoa, embora tenha ancestrais origens, não deixa de atribuir novos
significados aos símbolos que vem assumindo ao longo do tempo. Assim, mesmo os não
crentes, tal como sentem a primavera, também sentem a Páscoa no que ela tem de
humano, social e cultural. A Páscoa é tempo de privilegiar as relações interpessoais
e intergrupais.
Por
isso, a todas as pessoas e instituições com quem tive e tenho o privilégio de
partilhar o pensar, o sentir, enfim, o viver, os mais sinceros votos de boa
Páscoa e, para quem o desejar e assumir, votos de Santa Páscoa.
2024.03.28 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário