terça-feira, 12 de março de 2024

Ainda está por decidir a localização do novo aeroporto

 

A 11 de março, a Comissão Técnica Independente (CTI), invocando “motivos de transparência”, anunciou ter decidido antecipar a publicação do relatório final sobre a avaliação da localização do novo aeroporto de Lisboa (NAL), cuja divulgação estava prevista para o dia 22.

Fez tal antecipação, depois de o ter remetido à Comissão de Acompanhamento (CA), que dará parecer, e de ter comunicado tal diligência ao primeiro-ministro, também ministro das Infraestruturas. Por conseguinte, o público pode conhecer, em tempo útil, o teor das diversas fases do trabalho da CTI, bem como o do parecer da CA. Acresce relevar que integra o relatório final o documento que sintetiza os contributos recolhidos a partir da consulta pública.  

Na verdade, a CTI, mandatada para, até dezembro de 2023, realizar uma análise estratégica e multidisciplinar do aumento da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa, bem como a avaliação de opções estratégicas (OE) através de uma avaliação ambiental estratégica  (AAE), concretizou a sua missão dentro do prazo, apresentando os resultados preliminares publicamente a 5 de dezembro de 2023. E, após um período formal de consulta pública, que encerrou a 26 de janeiro de 2024, apresentou o seu relatório final à CA, a 11 de março de 2024.

O relatório final, que está disponível na página aeroparticipa.pt, será formalmente entregue ao Governo em 22 de março, juntamente com o parecer da CA, presidida por Carlos Mineiro Aires.

“A decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa é urgente, bem como a sua implementação”, conclui a CTI, cuja coordenadora-geral, Maria do Rosário Partidário, se diz “inteiramente disponível para colaborar com o governo e com os [demais] poderes públicos no sentido de prestar todo os esclarecimentos que sejam tidos por convenientes e/ou necessários”.

O relatório final mantém o Campo de Tiro de Alcochete como a localização favorita, admite Santarém como opção para uma solução dual com o Aeroporto Humberto Delgado (AHD), mas não como solução única, e recomenda Montijo.

A principal recomendação da CTI é no sentido de a expansão da capacidade aeroportuária da Região de Lisboa se concretizar através de “um aeroporto único, que integre numa mesma infraestrutura as funções de hub intercontinental conjugadas com a conexão ponto a ponto”.

Contudo, recomenda que, pela “impossibilidade da sua substituição no curto prazo, por razões de natureza financeira e importância económica”, numa primeira fase, o ADH se mantenha numa solução dual, iniciando-se, paralelamente, a construção de uma primeira pista no local do aeroporto único o mais rápido possível para descongestionar a infraestrutura. Considera ainda que a “construção de uma segunda pista criará condições para o encerramento do aeroporto da Portela, e a evolução para o aeroporto único”.

No entanto, a nível de vantagens, com Alcochete emparceira Vendas Novas, mantendo-se as duas opções de localização como as mais qualificadas no relatório final, com a primeira a revelar-se mais bem posicionada, por beneficiar do facto de estar mais próxima de Lisboa e de não precisar de tantos estudos e expropriações como a segunda opção. Ao mesmo tempo, Vendas Novas “tem mais vantagens do ponto de vista ambiental (com menor afetação de corredores de movimentos de aves e recursos hídricos subterrâneos) [do que Alcochete], apesar de afetar áreas de montado e recursos hídricos superficiais de forma muito equivalente”. Por outro lado, Vendas Novas “pode contribuir para um aumento da coesão territorial a nível nacional, sobretudo na Região Alentejo”, adianta a CTI.

Alcochete e Vendas Novas podem funcionar, inicialmente, como complementares ao AHD.

As soluções que incluam a localização Santarém como aeroporto complementar ou único “são penalizadas pela grande distância ao centro de Lisboa, que reduz, significativamente, os impactos macroeconómicos do aeroporto”.

Apesar de solicitada pelos respetivos promotores a reavaliar a hipótese da localização em Santarém, a CTI admite-a como aeroporto complementar, mas rejeita-a como infraestrutura única, defendendo que a localização no coração do Ribatejo continua a “não ser viável, devido às limitações aeronáuticas militares existentes”, referindo-se a Monte Real. É o que a reapreciação mantém, embora Santarém defenda que resolveu as questões de navegação aérea.

Santarém pode ser uma opção “como aeroporto complementar ao AHD, mas com um número de movimentos limitado, não permitindo satisfazer a capacidade aeroportuária necessária no longo prazo”, vinca a CTI. Não obstante, sustenta que teria a vantagem de permitir ultrapassar, no curto prazo, as condicionantes criadas pelo contrato de concessão, bem como o facto de o financiamento ser totalmente privado.

Mantendo o Montijo como a pior opção, a CTI alerta para o “agravamento” dos constrangimentos pela não renovação da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Montijo, “assim, perde a sua vantagem na rapidez de execução”, frisa a CTI.

A opção defendida pela ANA/Vinci, concessionária dos aeroportos portugueses, é desvantajosa, no longo prazo, pois limita-se “a adiar o problema do aumento real da capacidade aeroportuária, tendo em conta as projeções de aumento da procura, mesmo as mais modestas”.

Salienta “os maiores e mais significativos impactos ambientais negativos” das soluções que incluem Montijo, o que “as torna não viáveis desse ponto de vista”, a CTI “não recomenda que sejam consideradas” as opções que envolvem o Montijo, quer como aeroporto complementar quer como único.

A CTI reconhece que o contrato de concessão, pela sua complexidade, é uma das condicionantes mais importantes, face à urgência da solução para a expansão da capacidade aeroportuária, e aconselha a sua revisão, podendo a concessionária exercer o seu direito de preferência apenas até aos 75 quilómetros. A única opção fora do contrato de concessão é Santarém.

Admitindo que não há nenhuma opção estratégica ideal e frisando que todas as soluções “são geradoras de oportunidades, mas também de riscos, considerando incertezas, e também impactos negativos, nomeadamente ambientais e sobre a saúde humana”, a CTI recomenda que seja dada preferência a uma solução que permita aumentar a capacidade aeroportuária na região de Lisboa no longo prazo, tendo sido adotado o horizonte de 2086, isto é, cinco décadas.

Deverão ser consideradas as opções estratégicas estruturantes do desenvolvimento futuro da Região de Lisboa que estimulem economias de aglomeração, de forma integrada com outros projetos infraestruturantes de acessibilidades, minimizando os impactos ambientais, com especial incidência sobre os mais negativos.

A decisão sobre o NAL é urgente, bem como a sua implementação. Dada a importância para o país e o horizonte de longo prazo que deve ser considerado na decisão, a CTI recomenda que seja dada continuidade ao consenso estratégico alcançado com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 89/2022, para a concretização de uma decisão e para a sua rápida implementação.

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Entretanto, a NAV – entidade pública empresarial que garante a prestação de serviços de tráfego aéreo (serviço de controlo de tráfego aéreo e serviço de informação de voo) – confirmou, a 12 de março que teve “contactos informais” com os promotores do aeroporto em Santarém, mas, ao invés do que eles afirmam, rejeitou que os problemas de navegabilidade pela proximidade à base aérea de Monte Real estejam ultrapassados, sendo necessários novos estudos.

O esclarecimento da NAV surge depois de a CTI ter reavaliado, no relatório final, a opção Santarém e a ter considerado uma localização viável, revendo a decisão do relatório preliminar, apresentado a 5 de dezembro, mas admitindo que poderia funcionar apenas como aeroporto complementar e não hub, consideração que os promotores de Santarém contestam, alegando que têm condições de navegabilidade também para ser hub, e que isso resulta da afinação da navegabilidade do projeto, feita na sequência de reuniões com a NAV.

Não é essa a visão do organismo responsável pela navegação aérea. Fonte oficial da NAV confirmou à Lusa ter havido “contactos informais com os promotores do referido projeto, [Santarém]”, mas reiterou que qualquer alteração de pressupostos requer novos estudos e análises, a serem solicitadas pela CTI [Comissão Técnica Independente]”.

Carlos Brazão, um dos promotores do projeto de Santarém, tinha dito que a decisão da CTI era o “reconhecimento da qualidade do projeto”.

Na verdade, os promotores disseram à Lusa que a CTI “não deu a devida atenção ao trabalho desenvolvido, sobretudo entre dezembro e janeiro, com a NAV”, trabalho que resultou num conjunto de soluções que permitem resolver os problemas de navegabilidade aérea pela proximidade à base aérea de Monte Real, apontados no relatório preliminar, e escalar para um ‘hub’. Porém, Rosário Partidário garantiu, a 11 de março, que a CTI não tem qualquer indicação, por parte da NAV, sobre o que os promotores de Santarém afirmam.

“Nós temos no relatório ambiental, no anexo um, um ofício do Estado Maior da Força Aérea onde está muito claro que não pode haver cedência da área do bloco de Monte Real, temos também um esclarecimento adicional da NAV onde refere, justamente, que, por causa dessa limitação, Santarém não tem capacidade de movimentos para se constituir como um ‘hub’ intercontinental. Essa situação mantém-se”, assegurou a coordenadora da CTI.

Rosário Partidário explicou que a CTI decidiu diferenciar no relatório final uma solução “potencialmente de mais curto prazo”, de acordo com os tempos apresentados pelos promotores do projeto, em que Santarém tem uma pista que pode ajudar a descongestionar o ADH, mas com um menor número de movimentos do que Lisboa.

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Será que, desta vez, teremos novo aeroporto? Os estudos técnicos estão à vista. Apesar de não haver uma solução sem desvantagens e que não postule custos em outras infraestruturas, as recomendações são claras. Porém, a decisão é política. E espera-se que esta seja tomada brevemente, ao invés de continuarmos a ser entretidos por estudos, por comissões e por grupos de trabalho. Poderes políticos e Administração Pública que não assumissem o ónus de decidir deveriam ser altamente penalizados, pela opinião pública e pela Justiça administrativa.

2024.03.12 – Louro de Carvalho

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