domingo, 31 de março de 2024

A Páscoa de 2024 é um pouco o espelho do nosso Mundo

 

 

Incomoda-nos uma Páscoa de tempo fora do tempo. Na verdade, depois de vários surtos de tempo excecionalmente quente, em janeiro, em fevereiro e, mesmo, em alguns dias da segunda quinzena de março, a Semana Santa e a Páscoa surgiram com chuvas fortes, desajeitadas ventanias, trovoadas, mares bravos, enfim tempestade e depressão. Isto, mais do que primavera, é invernia da graúda.

Assim, a maior parte os espetáculos de pendor cristão, que usualmente se desenrolam a céu aberto (desfiles, procissões, cortejos, vias-sacras, etc.), ou foram suprimidos ou encastelaram-se no interior dos templos. Porém, até aí os participantes foram em menor número, por causa do frio e das chuvas. O que não faltou foram as amêndoas, os folares, as prendas, as viagens, as refeições melhoradas, as miniférias.  

Também na Páscoa, era expectável que as guerras conhecessem tréguas, houvesse esforços de paz, a criminalidade diminuísse, o terrorismo se ofuscasse, a paz social reinasse nos países. Contudo, as notícias dão conta do impasse nas guerras, acolitado, aqui e ali, por danos diretos infligidos por drones, por mísseis e por outros bombardeamentos. As baixas militares continuam a pontuar, as mortes de civis são constantes, mais fatias de património são destruídas; navios são atacados nos mares, nos golfos; praticam-se crimes de guerra e genocídios até à eliminação do último inimigo, em nome da animalização dos seus componentes humanos; a ajuda humanitária (em termos de alimentação, assistência médica, vestuário, etc.) é negada, impedida ou diminuída; e movimentos orgânicos ou inorgânicos reivindicam por motivos sérios ou em medidas desproporcionadas. Por isso, a Páscoa, com tempo fora de tempo, espelha o mundo que temos.

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A nível internacional, as notícias de conflito são mais do que abundantes em elementos trágicos. Atente-se na guerra na Ucrânia, sem fim à vista, por causa de uma paz que ninguém quer, e fruto de uma ambição inconfessada do Ocidente, que tentou alargar a sua área de influência para lá dos tratados, assim como da Federação Russa, que tenta “recuperar” territórios que alega serem seus.

Considere-se o conflito entre Israel e o Hamas, que pode passar de localizado a regional e com repercussões mundiais. Ironicamente, o cenário dessa caça bélica ao homem ocorre no território onde nasceu, por onde passou e onde morreu o homem que está na génese e no sentido da Páscoa dos cristãos e que pregou a fraternidade universal.

A compor a tragicidade deste ambiente, é de registar, além de vários atentados e tiroteios, um pouco por toda a parte, a recente perda de, pelo menos, 134 pessoas numa sala de espetáculos russa, em atentado cuja autoria é reivindicada por organizações do Estado Islâmico.      

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A nível nacional, fico-me por dois registos atinentes à criminalidade.

O número de crimes registados pelas autoridades policiais, em 2023, foi de 371995, mais 28150 do que em 2022, quando se verificaram 343845 crimes. Assim, o seu aumento foi de 8%, tendo atingiram os valores mais elevados em 10 anos.

O destaque estatístico anual, publicado na página da Internet da Direção-Geral de Política de Justiça (DGPJ), mostra, igualmente, que desde 2013, quando ocorreram 376403, que não se registavam em Portugal tantos crimes como em 2023.

Os dados indicam também que, só em 2020, ano marcado por confinamentos, devido à pandemia de covid-19, é que a criminalidade ficou abaixo dos 300 mil crimes, com 298787.

Os crimes contra o património representaram cerca de 51,0% do total (189657 crimes), seguidos pelos crimes contra as pessoas que corresponderam a cerca de 24,4% do total (90840 crimes) e dos crimes contra a vida em sociedade, que representaram 11,9% do total (44439 crimes).

Segundo a DGPJ, apenas os crimes contra animais de companhia não subiram, em 2023, face a 2022, passando de 2022 para 1729.

Os tipos de crimes que mais subiram, em 2023, foram os cometidos contra o Estado (mais 16,9%), que passaram de 6559, em 2022, para 7713, em 2023, seguido dos crimes contra a identidade cultural/integridade pessoal (mais 9,6%), que totalizaram 367, enquanto, em 2022, foram 289.

As estatísticas da justiça revelam também que os crimes contra as pessoas aumentaram 5,8% e os crimes contra o património subiram 7,6%. Já as polícias registam mais 424 crimes contra vida em sociedade, num total de 44439, em 2023.

Os crimes mais frequentes, em 2023, foram os de “violência doméstica contra cônjuges ou análogos” (26041), seguido da condução sob efeito de álcool (24133), de ofensas à integridade física (24111), de furto em veículo motorizado (20180), de burla informática e nas comunicações (20259), de ameaça e de coação (16676) e de condução sem habilitação legal (15579).

Outros dos crimes mais registados foram o furto de oportunidade/de objetos não guardados (11234), de abuso de cartão de garantia ou de cartão, de dispositivo ou de dados de pagamento (10386), de furto em edifício comercial ou industrial, sem arrombamento, escalamento ou chaves falsas (8279), de furto em residência, de escalamento ou de chaves falsas (8237) e de furto de veículo motorizado (8189).

A criminalidade violenta aumentou 5,5%, em relação a 2022, tendo as polícias registado um total de 1 022 crimes violentos, em 2023, como revelam as estatísticas da DGPJ.

As estatísticas mostram que os crimes violentos baixaram em 2020 (12469) e 2021 (11014), anos marcados pelos confinamentos da pandemia de covid-19, para registarem um aumento, em 2022 (13281), e nova subida, em 2023 (14022). Em 2019, os crimes violentos totalizaram 14389.

Segundo a DGPJ, as comarcas onde se registaram mais crimes foram a de Lisboa (3835), a do Porto (2010), a de Lisboa Oeste (1668), a do Algarve (901) e a de Lisboa Norte (858).

Os crimes registados pelas polícias aumentaram cerca de 8%, em 2023, face a 2022, e atingiram os valores mais elevados em 10 anos, totalizando 371995, em 2023.

Entre os crimes que subiram, em 2023, e mencionados na página da DGPJ constam o abuso sexual de menores, 976, em 2023, mais 12 do que em 2022, o branqueamento de capitais, 104 (mais 55 do que em 2022), e 72 de corrupção (mais 16).

Em 2023, as polícias detetaram 452 crimes conexos com o desporto, mais 98 do que em 2022, tendo também registado 39712 crimes rodoviários em 2023 (mais 3376). E os crimes que baixaram, em 2023, foram de incêndio florestal, 5325 (menos 1842) e de violência doméstica, com ligeira diminuição, passando de 30488, em 2022, para 30461, em 2023 (menos 27).

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Outra situação que está na praça é a conexa com importadores de gasóleo vindo de Espanha fogem ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA), ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e à incorporação de biodiesel fixada por lei. Garantem preços mais baixos, mas lesam o Estado e o ambiente. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Entidade Nacional para o Setor Energético, EPE (ENSE, EPE) dizem estar a agir. Mas, por falhas na fiscalização e na lei, os prevaricadores continuam a operar.

O Estado estará, neste caso, a ser prejudicado em mais de 200 milhões de euros por fraudes fiscais, ou seja, algo como 50 milhões de euros por ano, nos últimos quatro. Está em causa a fuga a impostos como o IVA e o ISP, bem como às compensações que são devidas sempre que uma operadora não incorpora a quantidade de biocombustível prevista na lei, para reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2). Não estão a ser cumpridas, por todos os operadores, as metas para os biocombustíveis e há falhas na fiscalização da incorporação e lacunas legais que dão margem de manobra aos prevaricadores. A AT garantiu que tem o setor sinalizado e que está a atuar a nível inspetivo e a nível penal.

A perda de 200 milhões em receita fiscal é uma estimativa, por baixo, da Associação Portuguesa das Empresas Petrolíferas (APETRO), avançada pelo seu secretário-geral, António Comprido, tendo em conta o crescente peso que os pequenos operadores estão a ganhar no mercado. E, embora não se comparem, em dimensão, com as gigantes petrolíferas, tais empresas movimentam valores de largos milhões de euros, num mercado já bastante lucrativo, “sobretudo se as regras fiscais e ambientais não forem cumpridas”, como enfatiza António Comprido.

O esquema tem várias componentes, sendo a mais visível “aproveitar ilicitamente o diferencial de IVA e de ISP entre Portugal e Espanha, comprando o combustível no mercado espanhol, como sendo para operar localmente, e vendê-lo, depois, em Portugal, sem declarar e pagar o IVA remanescente. Por outro lado, face à dificuldade assumida pela ENSE, EPE, em controlar o cumprimento das percentagens das “matérias avançadas” no biodiesel, quando importado, este pode ser comercializado como biodiesel, mesmo não o sendo. Como o biodiesel tem preço mais alto, a falsificação resulta em ganhos importantes, se os volumes forem grandes. Graças a este e a outros expedientes, estas empresas, apresentando preços mais baixos, ganham bastante dinheiro.

Outro expediente, já detetado em Espanha, que se admite que possa estar a ocorrer em Portugal, é simular vendas de combustíveis a sociedades fictícias, sem pagamento de IVA, vendendo, depois, às gasolineiras a baixo preço, conseguindo lucrar, porque não pagam IVA, na compra, nem declaram o que vendem e não fazem a liquidação. Entretanto, as sociedades de fachada desaparecem ou entram em falência. Só em Espanha, no último mês, descobriu-se que mil, em 12 mil operadores, vendiam gasóleo a preço abaixo de custo, o que alertou as autoridades para investigar estas redes, que terão como origem operadores que compram combustível por atacado nos mercados internacionais. E, segundo os dados oficiais da AT, tais esquemas causaram um prejuízo da ordem dos 700 milhões de euros ao Estado espanhol, em 2022, a que há a acrescentar mais de 90 milhões pelas compensações não pagas, por falta de incorporação de biodiesel.

Em Portugal, haverá, pelo menos, seis empresas com procedimentos suspeitos, algumas com ações em tribunal, por dívidas ao Fisco. Para lá do prejuízo ao erário público, há também “uma distorção das regras de concorrência”, como aponta o secretário-geral da Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), Jaime Braga, considerando que é fundamental saber se há empresas a fazer mistura de biocombustível, em Portugal, sem ser num entreposto fiscal, não declarando o produto. E os produtores portugueses de biocombustíveis, não importadores, são prejudicados, porque são altamente fiscalizados para fazerem a mistura das “matérias avançadas” no biodiesel, enquanto não há essa garantia no produto importado.

Esta situação aliada ao método administrativo de obtenção de “títulos de sustentabilidade”– que podem ser comprados em leilão oficial da Direção-Geral de Energia (DGD), para as operadoras compensarem as falhas de incorporação real de matérias mais ecológicas no biodiesel –, faz com que Portugal não esteja a cumprir as metas europeias que estipulam a incorporação de 11,5%.

No entanto, a AT rejeita confirmar os nomes das empresas envolvidas em atuações suspeitas, invocando o sigilo fiscal a que está legalmente obrigada. E nada está em vias de mudar.

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Enfim, guerras, terrorismo, catástrofes naturais, fenómenos de revolta da Natureza por causa da ação humana, criminalidade esporádica, organizada, mediana ou violenta, fraude fiscal, danos vários são fatores que permitem dizer que esta Páscoa com tempo fora de tempo é espelho da aldeia global que os homens ocupam. Esperemos que isto mude. Porém, façamos a nossa parte.

2024.03.31 – Louro de Carvalho

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