domingo, 10 de março de 2024

Eleições legislativas de 2024: o meu voto foi útil

 

Em dia de eleições de 230 deputados à Assembleia da República (AR), cumpri o dever cívico e exerci o direito de votar. Por isso, considero que o meu voto foi útil à satisfação da minha consciência cívico-política e à realização da democracia numa sociedade plural.

Pode a minha postura eleitoral não ter sido útil (ou ter sido) no sentido do que os apelantes ao voto útil queriam dizer, mas não é isso que me interessa. O que me interessa é ter a certeza de que votei em consciência, tendo em conta os projetos que se delinearam para o futuro do país e considerando as atuais circunstâncias dramáticas na Europa e no Mundo. Por mais eclipsada que esteja a covid-19, ela continua a prejudicar a saúde e a matar; as viroses e as pneumonias continuam; as infeções sexualmente transmissíveis sobem na Europa e no país; a violência aumenta nas escolas; as guerras continuam e algumas não têm fim à vista; os poucos muito ricos ficam mais ricos e os muitos pobres ficam ainda mais pobres; os grandes salários aumentam, mas os salários médios não descolam.

Também me interessa a satisfação de ter contribuído, com a minha pedrada no charco, para a saúde da democracia pluralista, num momento em que se tenta impor o pensamento único acerca de matérias importantes e alguns pretendem limpar o país, com a adesão de grandes franjas populacionais, que sentem os seus problemas adiados para as calendas gregas; e quando a corrupção e crimes afins enxameiam alguns setores públicos e empresariais, a par da existência de um escol que se julga impoluto e incorruptível.    

Independentemente da formação partidária que tenha ganho as eleições ou do plantel que forme uma maioria absoluta ou relativa (pelos vistos só relativa) que possibilite ao Presidente da República (PR) a formação do novo governo (ouvidos os partidos com assento parlamentar e tendo em conta os resultados do sufrágio eleitoral), uma coisa é certa: a AR terá uma nova composição, com outra correlação de forças, com outro equilíbrio, com outra assimetria e com outra distribuição de mandatos (já não são distribuídos maioritariamente só por dois partidos), constituindo-se o espaço, por excelência, da representatividade nacional.

No momento em que escrevo, tudo aponta para a vitória da Aliança Democrática (AD) (quiçá sem maioria absoluta), com uma hipotética exclusão parlamentar de um partido (o que não se confirma), mas com a reinclusão de outro (à boleia da AD). O Partido Socialista (PS) ficará em segundo lugar, sem a hecatombe prognosticada por alguns (até fica muito perto da AD), e o Chega sobe exponencialmente, como alguns previam.

Será, porventura, o fim de um ciclo de governação do PS e um novo ciclo de governabilidade difícil ou possível, consoante a vontade e a tolerância políticas que se afirmarem ou não.

O secretário-geral do PS fez saber que não criará impasses constitucionais, mas que não viabilizará, à partida, orçamentos da AD. E o líder da AD, que garantiu que o “não é não”, a propósito de uma aliança pós-eleitoral com o Chega, poderá ser levado a voltar atrás ou terá uma governação a prazo. Ora, a governação a prazo lançará o país numa situação de pântano, pois a Administração Pública, sem programações autónomas, está sempre muito dependente das oscilações governamentais. Veja-se, por exemplo, o concurso público para a aquisição de algumas das novas embarcações, que está pendente do que vier a decidir o novo governo, quando se pensava que a decisão estava tomada e que era irreversível.   

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Lamento que as diversas formações partidárias tenham gastado demasiado tempo a proclamar que o voto útil era neste ou naquele partido ou coligação, à esquerda ou à direita e a colar uns partidos aos outros, umas vezes de forma mais normal, outras vezes de forma bastante anómala.

Perderam imenso tempo os comentadores, políticos (ou nem tanto), a exigir cenários pós-eleitorais de governabilidade, como a protagonizar a análise da prestação dos diversos candidatos e o juízo avaliativo da mesma, ousando dispensar os eleitores de fazerem a sua própria avaliação e decidir, em consciência, em quem votar.

Alguns comentadores políticos conotados com determinadas áreas partidárias e que têm espaços próprios nos canais televisivos (alguns de sinal aberto) com determinada opção política, sem possibilidade de contraditório, vergonhosamente não suspenderam tais prestações durante o período pré-eleitoral e saltaram, oportunisticamente, para a campanha eleitoral.  

Houve canais de televisão, rádios e jornais que tiveram, explicitamente, uma determinada orientação partidária e outros ousaram sujeitar alguns candidatos (provavelmente seriam desconsiderados se o recusassem) a programas de excessiva intimidade ou de refinado sentido humorístico.

Alguns candidatos foram surpreendidos por tentativas de interrupção em comícios, atacados com tinta por climáticos e para uma sede de candidatura (vidraça e interior) foi arremessada tinta. Também foram produzidas asserções polémicas e tomadas de posição de algumas personalidades que foram entendidas como ilícitas em período eleitoral, incluindo publicidade comercial paga, o que não é inédito. Até, inusitadamente, o STOP (Sindicato de Todos os Profissionais de Educação) levou a cabo uma greve nas escolas do país.

Discutiu-se à exaustão a inépcia governativa de um candidato e a inexperiência governativa de outro, quando uma é emendável e a outra é facilmente revertida.   

A campanha eleitoral decorreu em ambiente de festa, para cada formação partidária, com acusações mútuas. O cansaço e a rouquidão dos diversos oradores, que marcaram as ações de rua, em prol do respeito pelo eleitorado e como incremento do elã dos respetivos militantes e demais apaniguados, poderão ter convertido os muitos indecisos que se mantiveram nessa condição até à última hora.

Tal cansaço e rouquidão podem ter como efeito o propósito de não voltar a alguns lugares, a curiosidade e a necessidade de voltar a fazer trabalho político nos lugares agora visitados ou a obrigação de voltar, por parte daqueles que vierem a assumir funções governativas e daqueles que pretenderem fazer uma oposição responsável, aguerrida e sustentada.

As diversas candidaturas apresentaram os seus programas eleitorais, no geral, com opções claras, algumas inovadoras, outras nos cânones habituais. Porém, como a maior parte do eleitorado não lê os programas, caberia às respetivas candidaturas, a nível nacional e em cada círculo eleitoral, explicar as suas opções políticas e os seus projetos para o país. Ora, isso foi realizado de forma excessivamente superficial. Insistiu-se nas mesmas ideias, algumas sob a fórmula de leilão de promessas, com pequena ou nula sustentabilidade económica ou logística. Acusavam-se uns aos outros de mentirem, de não terem em conta os recursos disponíveis, de não saberem aonde ir buscar o dinheiro ou de quererem favorecer os mais ricos.

Ficaram praticamente no olvido as grandes questões internacionais que podem continuar a condicionar a vida dos nossos cidadãos e das nossas empresas. No entanto, ao invés do que sucedeu nas eleições 2022, em que intervieram animais como figurantes de tipo mascote, agora foram privilegiados familiares da área de alguns candidatos.

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Com o cenário de difícil governabilidade, cumpre interrogar os novos governantes – não se sabe ainda quem serão – sobre a revolução da “saúde pública” nos primeiros 60 dias, sobre a valorização da escola pública, sobre a contagem de todo o tempo de serviço dos professores e de todos os funcionários da Administração Pública e sobre a resolução-relâmpago do problema da habitação. É de questionar para quando a pacificação das escolas, da classe médica, das forças de segurança e das forças armadas, o estancamento do surto migratório porque o estrangeiro paga mais e vocaciona para atividades de maior calibre e autonomia ou uma eficaz política de natalidade Será de esperar uma efetiva descida da carga fiscal, a par da melhoria dos serviços públicos, o que postula que todos os detentores de uma parcela significativa de património de um posto de trabalho sólido ou de uma outra estável fonte de rendimento paguem os seus impostos e contribuições? Será de esperar a prometida compaixão efetiva pelos pensionistas da classe média e, sobretudo, pelos pensionistas mais pobres?

O TGV avançará, sob pena de desperdiçarmos os fundos europeus e isolados do resto da Europa; o novo aeroporto será construído onde o poder político o decidir, após a recomendação conclusiva da Comissão Técnica Independente (CTI); a imigração continuará a engrossar a magreza da nossa população; e o país continuará igual e diferente.

Resta-me saber se o chefe de Estado, com a ideia fixa de colar o resultado de umas eleições à figura do líder da formação partidária que as ganhara, preferiu o cenário atual, à nomeação de um governo sustentado na maioria parlamentar existente, optando por devolver à palavra ao eleitorado (eufemismo para indicar dissolução da AR). Se preferiu um cenário destes, altamente provável, interrompendo uma governação, às vezes, incompetente, mas politicamente sustentada, é porque não mediu bem as consequências: uma formação política ora ganhadora não dispôs de tempo suficiente para se consolidar como alternativa (o resultado está à vista, com vários comentadores a preverem eleições para daqui a seis meses). Ou então, coisa em que não acredito, quis mostrar que era capaz de liderar a mudança através de um governo fraco emanado de uma AR fragmentada (o bipartidarismo acabou ou está suspenso por décadas). Não esqueço que o PR dissolveu uma AR com poderes constituintes, o que não é proibido constitucionalmente, mas é arriscado, pois os projetos de revisão caducaram e algumas matérias eram pertinentes. É o perigo de a decisão de uma medida de impacto constitucional ficar ao critério da avaliação pessoal de uma só entidade.

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Enfim, desta feita, cumpri o meu dever cívico e exerci o meu direito de voto. Doravante, continuarei com o cumprimento do dever cívico de crítica. 

2024.03.10 – Louro de Carvalho

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