segunda-feira, 4 de março de 2024

Valerá a pena erguer uma taça de vinho para benefício da saúde?

 

Durante décadas, fez-se a apologia do vinho, sobretudo do maduro tinto, como bebida saudável, sobretudo na prevenção de doenças cardiovasculares.

Dizia-se que a bebida alcoólica, em quantidade moderada, tende a combater os radicais livres nos humanos, moléculas que produzem o envelhecimento. Isso dizia-se, porque a uva é rica em polifenóis, um tipo de composto que aparece, em abundância, na Natureza e em plantas, desempenhando um papel de proteção contra o sol, contra insetos e contra microrganismos.

O resveratrol é o principal polifenol encontrado no vinho, mas também existem outros em menor quantidade, como os taninos, os flavonoides, a antocianina, a quercetina e o ácido elágico.

É importante lembrar que os benefícios do vinho decorrem do consumo moderado da bebida, pois o consumo em grandes quantidades produz efeitos contrários. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendado é 90ml para mulheres e 180ml para homens, cerca de uma e duas taças da bebida, respetivamente. A diferença resulta do facto de o organismo feminino absorver mais rapidamente a bebida, em virtude da menor produção da enzima álcool desidrogenase (ADH), que é produzida pelo fígado e metaboliza o álcool.

O alto teor de polifenóis acaba por se tornar o principal responsável pelos benefícios para a saúde. O resveratrol é encontrado nas sementes e na casca das uvas e, segundo o site da Harvard Medical School, pode ajudar a prevenir doenças cardiovasculares, diminuir o risco de cancro e até retardar o envelhecimento. 

Embora os estudos realizados sejam extremamente promissores, dizia-se, ainda não é possível afirmar, com certeza, que o consumo diário de vinho tinto seja benéfico para a saúde. Apenas se garante que o seu consumo em quantidades moderadas traz benefícios para o organismo. 

Por isso, quem não consome vinho tinto não precisa, necessariamente, de o incluir na sua dieta diária, pois os outros alimentos também podem fornecer substâncias benéficas para a saúde. No entanto, quem faz parte do grupo que consome a bebida, de forma moderada, pode continuar tranquilamente, pois contribuirá para a sua saúde. 

Eram elencados 10 benefícios do consumo de vinho tinto:

- Redução do risco de acidente vascular cerebral (AVC), uma vez que a bebida atua como um anticoagulante natural, quebrando coágulos sanguíneos que podem entupir as artérias.

- Fortificação do músculo cardíaco, pois o vinho reduz até 50% o risco de doença isquémica do coração. Os polifenóis presentes causam a vasodilatação das artérias e diminuem a agregação plaquetária, reduzindo o risco de hipertensão e o risco de morte por outras doenças cardíacas.

- Combate ao Alzheimer e a outras doenças neurodegenerativas, uma vez que a bebida deixa compostos antioxidantes no intestino que são capazes de proteger de danos os neurónios cerebrais.

- Melhoria do sistema imunológico, visto que o composto antioxidante deixado no intestino ajuda as bactérias saudáveis a florescer, o que estimula a produção de células T, aumentando a resposta imunológica. O resveratrol também auxilia a criação de moléculas anti-inflamatórias.

- Redução de acne, porque o polifenol encontrado, em abundância, na bebida, também combate algumas bactérias responsáveis pela aparição de espinhas.

- Aumento da densidade óssea, pois o vinho tinto é rico em silício, mineral que contribui para a densidade óssea. O seu consumo reduz o risco de desenvolver osteopenia e osteoporose. O mineral também estimula a produção de colágeno, o que melhora a regeneração de tecidos.

- Redução do nível de colesterol ruim (LDL). Com efeito, os polifenóis encontrados no vinho reduzem as hipóteses de o LDL oxidar, enquanto aumentam a concentração de apolipoproteína, principal proteína do colesterol bom (HDL).

- Melhoria na função cognitiva. Na verdade, o vinho é associado à melhoria cognitiva de homens e de mulheres, principalmente maiores de 50 anos, influenciando a criação de novas memórias, de novas aprendizagens, de aumento de vocabulário e até de maiores emoções.

- Maior longevidade, já que os polifenóis do vinho atuam na ativação de uma proteína que combate o envelhecimento. No entanto, o consumo da bebida não basta, é necessário seguir a dieta mediterrânea, que consiste no consumo de alimentos frescos e naturais.

- Redução o risco de diabetes tipo 2, uma vez que o consumo de vinho melhora a sensibilidade à insulina, hormona que ajuda o corpo a reduzir os níveis de açúcar no sangue.

***

Entretanto, a 2 de março, o Diário de Notícias (DN) online publicou um artigo sob o título “Como o vinho tinto deixou de ser considerado saudável”, de Alice Callahan – repórter do Times que cobre a secção “Nutrição e Saúde”, que tem um Ph.D. em Nutrição pela Universidade da Califórnia, Davis – que leva à inversão das indicações do consumo do vinho como úteis à saúde.

Segundo o que a própria refere, escreve principalmente sobre como os alimentos que comemos afetam o nosso bem-estar, incluindo histórias sobre a saúde intestinal, o microbioma, ingredientes e contaminantes alimentares, suplementos e como comer bem para ter prazer e saúde.

Esse artigo foi publicado, originalmente, a 17 de fevereiro, pelo New York Times, sob o título How Red Wine Lost Its Health Halo” (“Como o vinho tinto perdeu seu halo de saúde”). Dele se respigam os dados tidos por mais relevantes

Num episódio de 1991 do programa 60 Minutes, o jornalista Morley Safer, da CBS, questionou o facto de os Franceses, apreciando alimentos com elevado teor de gordura, como paté, manteiga e queijo brie, apresentarem taxas de doenças cardíacas mais baixas do que os americanos. E viu a resposta na força apelativa do copo de vinho e – digo eu – na propaganda favorável. Quem não se lembra do desígnio português de dar vinho a milhões de Portugueses, proclamado em tempos?

Os médicos sustentavam que o vinho tinha “um efeito de limpeza” que impedia as células formadoras de coágulos sanguíneos de se agarrarem às paredes das artérias. De acordo com um investigador francês, apresentado no referido episódio, este hábito poderia reduzir o risco de obstruções arteriais e, consequentemente, de ataques cardíacos.

Vários estudos apoiaram a ideia, como vincou Tim Stockwell, epidemiologista do Canadian Institute for Substance Use Research, e os investigadores consensualizaram que a dieta mediterrânica, que incentiva o consumo de um ou dois copos de vinho tinto às refeições, comporta benefícios cardíacos. Porém, só após o episódio do programa 60 Minutes, se tornou viral a noção de que o vinho tinto é uma bebida virtuosa saudável. E, um ano depois, as vendas de vinho tinto nos Estados Unidos da América (EUA) aumentaram 40%.

A possibilidade de um copo ou dois de vinho tinto poderem ser benéficos para o coração foi “uma ideia agradável” que os investigadores “adotaram”, considerou Stockwell, pois ia ao encontro de um conjunto de provas, reunidas nos anos 90, que associavam o álcool à saúde.

Um estudo de 1997 que acompanhou 490 mil adultos nos EUA, durante nove anos, concluiu que os que afirmaram consumir, pelo menos, uma bebida alcoólica por dia apresentavam uma probabilidade 30% a 40% menor de morte por doença cardiovascular do que os outros. Este grupo também apresentava uma probabilidade cerca de 20% inferior de morte por qualquer outra causa.

Até ao ano 2000, centenas de estudos chegaram a conclusões semelhantes, o que levou a crer que a teoria “estava consolidada”. Todavia, desde os anos 80, alguns investigadores vêm apontando problemas a este tipo de estudos e a questionar se o álcool seria responsável pelos benefícios observados. Provavelmente os consumidores de bebidas alcoólicas de forma moderada eram mais saudáveis do que os não consumidores de álcool, por serem pessoas instruídas, abastadas e fisicamente ativas e por comerem mais legumes. Talvez muitos dos abrangidas que não consumiam álcool fossem pessoas que deixaram de beber, graças a problemas de saúde.

Kaye Middleton Fillmore, investigadora na Universidade da Califórnia, em São Francisco, foi uma das pessoas que apelou a um maior escrutínio da investigação. “É da responsabilidade da comunidade científica avaliar cuidadosamente estas provas”, escreveu em 2000.

Em 2001, Fillmore persuadiu Stockwell e outros cientistas a ajudarem a reanalisar os estudos precedentes sobre o tema, de forma a averiguar algumas destas tendenciosidades. Stockwell prometeu colaboração à investigadora (esta faleceu em 2013), mas “estava bastante cético em relação a toda a ideia”.

Na nova análise, os benefícios do consumo moderado de álcool tinham-se esfumado. As descobertas Stockwell, publicadas em 2006, fizeram manchetes a contradizer a teoria dominante: “Study Puts a Cork in Belief That a Little Wine Helps the Heart” (Estudo põe fim à crença de que um pouco de vinho beneficia o coração), publicou o Los Angeles Times.

A notícia que perturbou muitas pessoas e levou a indústria do álcool a tomar grandes medidas e a gastar imenso dinheiro, para contrapor a mensagem inoportuna que estava a ser divulgada. No espaço de meses, um grupo financiado pela indústria organizou um simpósio para debater a investigação e convidou Fillmore. E a investigadora referiu que o debate foi “intenso e pesado, de tal forma que sentiu que “tinha de descalçar o sapato e bater com ele na mesa”.

Quando dois dos organizadores do simpósio publicaram um resumo que afirmava que “o consenso a que se chegou” era de que o consumo moderado de álcool estava associado a uma melhoria da saúde, Fillmore ficou furiosa por as suas convicções não terem sido representadas.

Desde então, muitos estudos, incluindo o publicado por Stockwell e colegas, em 2023, confirmam que o álcool não é a bebida saudável que se acreditou ser.

Em 2022, os investigadores deram notícias mais preocupantes: o consumo de álcool não tinha benefícios cardiovasculares e podia inclusive aumentar o risco de problemas cardíacos, afirmou a Dra. Leslie Cho, cardiologista da Cleveland Clinic.

Agora, os estudos demonstram que mesmo uma única bebida alcoólica por dia pode aumentar as probabilidades de desenvolver doenças como a hipertensão arterial e a arritmia que podem levar a acidente vascular cerebral, a insuficiência cardíaca congestiva ou a outras consequências para a saúde. A relação entre o álcool e o cancro é evidente – algo que a OMS tem vindo a afirmar desde 1988. Além disso, a OMS (assinale-se a ambiguidade desta) e outras agências de saúde afirmam que nenhuma quantidade de álcool é saudável, seja vinho, seja cerveja ou destilados.

Jennifer L. Hay, cientista comportamental e psicóloga da saúde no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova Iorque, afirmou que, nas consultas de aconselhamento com pacientes oncológicos, muitos ficam “completamente chocados”, ao saberem que o álcool é cancerígeno.

Num estudo realizado em 2023, os investigadores inquiriram cerca de quatro mil adultos norte-americanos e descobriram que só 20% conheciam os efeitos cancerígenos do vinho, em comparação com os 25% que conheciam os efeitos cancerígenos da cerveja e os 31% que conheciam os efeitos cancerígenos dos destilados.

O vinho tinto contém, de facto, componentes chamados polifenóis, podendo alguns destes apresentar propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Contudo, nenhum estudo, apesar das décadas de investigação sobre o polifenol chamado resveratrol, estabeleceu relação definitiva entre a quantidade de polifenóis obtidos a partir do vinho tinto e a boa saúde.

Hay e outros investigadores propõem a proibição do álcool. Apenas pretendem que as pessoas estejam informadas sobre os riscos associados ao seu consumo.

Para a maioria, não há problema em desfrutar de um copo de vinho, de vez em quando. Todavia, não é benéfico para o coração, nem para outros órgãos. Há que abandonar essa pseudocerteza.

2024.03.04 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário