sábado, 9 de março de 2024

Infeções sexualmente transmissíveis aumentam em Portugal e na Europa

 

As infeções sexualmente transmissíveis (IST), que originam doenças sexualmente transmissíveis (DST) como a gonorreia, a clamídia e a sífilis, dispararam em Portugal e na Europa, afetando sobretudo jovens dos 20 aos 24 anos, revelam os últimos relatórios epidemiológicos anuais do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), publicados a 7 de março.

O aumento significativo do número de casos notificados em 2022, face a 2021, na União Europeia/Espaço Económico Europeu (UE/EEE), revela a urgência de medidas imediatas, para prevenir novas transmissões e mitigar o impacto das IST na saúde pública. Com efeito, segundo o ECDC, “o ano de 2022 marca o maior número de casos de gonorreia na UE/EEE, na última década e desde o início da vigilância europeia de IST em 2009”.

A maioria dos países (25, em 29) da UE/EEE regista aumentos consideráveis, em 2022, na notificação de gonorreia, mas os países com crescimento superior a 50% foram Portugal, a Espanha a Bulgária, o Chipre, a Estónia, a Finlândia, a Irlanda, a Itália, a Letónia, o Liechtenstein, a Noruega e a Polónia.

Porém, a infeção mais reportada é a clamídia, que afeta, sobretudo, as mulheres entre os 20 e 24 anos. Em 27 países da UE/EEE, foram notificados 216508 casos confirmados de infeção por clamídia, em 2022, com uma taxa bruta de notificação de 88 casos por cem mil habitantes, mais 16% do que a taxa de 2021. Em Portugal, foram cerca de mil e 500 os novos doentes. Assim, a notificação de casos de clamídia subiu em Portugal, de 914 casos, em 2021, para 1501 casos, em 2022. A maioria destas notificações de clamídia refere-se a mulheres com idades entre os 20 e os 24 anos, apesar de, entre 2018 e 2022, o número de casos de clamídia notificados, como transmissão entre homens que fazem sexo com homens (HSH), ter aumentado 72%.

As infeções por clamídia incluem IST da uretra, do colo do útero e do reto, causadas pela bactéria Chlamydia trachomatis, capaz de infetar a membrana que cobre a conjuntiva (parte branca do olho) e a garganta. E outras bactérias, como a ureaplasma e a mycroplasma podem causar infeções na uretra.

A seguir, vem a gonorreia, com 70881 casos reportados e confirmados, em 2022, na UE/EEE, sendo a taxa bruta de notificação de 17,9 casos por cem mil habitantes, um aumento de 48%, comparando com 2021, e de 59%, com 2018. Em Portugal, a notificação de casos de gonorreia aumentou de 1252, em 2021, para 2253, em 2022, tendo a taxa disparado cerca de 80%.

A gonorreia é uma IST causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae que infeta o revestimento da uretra, do colo do útero, do reto ou da garganta ou das membranas que cobrem a parte frontal do olho (conjuntiva e córnea).

Também a sífilis aumentou em Portugal, de 1144 casos notificados, em 2021, para 1534, em 2022, tendo sido registados, em 29 países da UE/EEE, 35391 casos confirmados de sífilis, dando uma taxa bruta de notificação de 8,5 casos por cem mil habitantes.

O relatório da ECDC mostra a taxa mais elevada de casos de sífilis em Malta (24,4 casos por cem mil habitantes), seguida pelo Luxemburgo (23,4), pela Irlanda (16,6), pela Espanha (16,6), pelo Liechtenstein (15,3) e por Portugal (14,8); e taxas de menos de três casos por cem mil habitantes na Croácia, na Estónia, na Letónia, na Roménia e na Eslovénia. Assim, Portugal encontra-se na 6.ª posição, entre os 29 países analisados, com mais casos de sífilis. Dos mais de 35 mil casos registados na UE/EEE, em 2022, em Portugal foram notificados 1534 casos.

A sífilis é uma doença sistémica causada por Treponema pallidum, caraterizada por três fases sequenciais e sintomáticas separadas por períodos de infeção latente assintomática. Sintomas comuns incluem úlceras genitais, lesões cutâneas, meningite, doença aórtica e síndromes neurológicas. O diagnóstico é feito por sorologias e por estudos selecionados adjuntivos fundamentados na fase da doença. O tratamento de escolha e a penicilina.

A ECDC alerta, ainda, para aumento dos casos de linfogranuloma venéreo (LGV), que foi, em Portugal, de 55 casos, em 2021, para 63 casos, em 2022, e de sífilis congénita (causada pela transmissão da mãe para o feto), que não aumentou, em Portugal, e caiu de 15 casos, em 2021, para 14, em 2022.

O aumento significativo do número de casos de IST notificados em 2022, face a 2021, com os casos de gonorreia a aumentar 48%, os de sífilis 34% e os de clamídia 16%, sublinham a necessidade “urgente de medidas imediatas” para prevenir novas transmissões e mitigar o impacto das IST na saúde pública, diz a ECDC, sustentando a premência da sensibilização para a transmissão de IST e a necessidade de melhorar a prevenção, o acesso a testes e o tratamento, para enfrentar este desafio de saúde pública. Por conseguinte, impõe-se a maior divulgação destas doenças e o acesso facilitado a testes e a tratamentos.

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IST é a infeção transmitida pelo sangue, pelo sémen, por fluidos vaginais e por outros líquidos corporais durante o sexo oral, anal ou genital com parceiro infetado (a DST é a doença que se desenvolveu a partir de uma IST). As IST podem ser causadas por bactérias, por vírus ou por parasitas, podendo espalhar-se para outras partes do corpo, por vezes, com sérias consequências. A maioria pode ser tratada com medicamentos. E o uso do preservativo durante o sexo genital ajudará a prevenir a transmissão dessas infeções de uma pessoa para outra.

O contacto sexual constitui oportunidade para os micro-organismos se transmitirem de uma pessoa para outra, por envolver a transferência de fluidos corporais. Há infeções transmissíveis por contacto sexual que podem ser transmitidas ao beijar ou ao manter contacto corporal íntimo.

As IST são frequentes. Nos Estados Unidos da América (EUA), ocorrem, por ano, mais de 25 milhões de novos casos, cerca de metade dos quais em pessoas de 15 a 24 anos.

Dificultam a prevenção da transmissão das IST vários fatores como: a atividade sexual sem proteção com um ou mais parceiros; a falta de educação sobre práticas sexuais seguras; a relutância em falar sobre elas com o parceiro; a relutância em falar sobre estas questões com um profissional de saúde; a falta de acesso a assistência à saúde; as infeções que não causam sintomas (não se sabem que se deve ser testado/a ou tratado/a); o não tratamento de ambos os parceiros em simultâneo (é preciso evitar nova transmissão da infeção); e o tratamento incompleto, que pode desenvolver organismos resistentes aos medicamentos.

Muitos organismos infeciosos, desde minúsculos vírus, bactérias e parasitas até insetos visíveis (como piolho), podem ser transmitidos por contacto sexual. Algumas infeções transmissíveis no contacto sexual não são consideradas IST, se forem transmissíveis por outras vias. Tais são as hepatites A, B e C e as infeções do trato digestivo (que causam diarreia), como infeções por salmonela, por campylobacter, por shigelose, por giardíase, por amebíase e por varíola do macaco.

Apesar de, geralmente, as IST serem provocadas por relações sexuais com pessoa infetada, a penetração genital não é necessária para propagar a infeção. Algumas IST podem ser transmitidas por outras vias, como: beijo ou contacto corporal íntimo (piolhos púbicos, sarna, molusco contagioso e varíola do macaco); de mãe para filho, na gravidez ou no parto (sífilis, herpes, clamídia, gonorreia, HIV - vírus da imunodeficiência adquirida e HPV - papilomavírus humano; amamentação (infeção por HIV); e instrumentos médicos contaminados (infeção por HIV).

Os sintomas das IST variam, mas os primeiros envolvem, geralmente, a área onde os organismos entram no corpo. Podem formar-se ulcerações na área genital ou na boca. Pode haver secreção a sair do pénis ou da vagina e micção dolorosa. E alguns dos efeitos das IST aumentam o risco de contrair outras infeções (como a infeção por HIV). Por exemplo, irritação da pele (como na gonorreia ou na clamídia) ou feridas (como no herpes, na sífilis ou no cancro mole) facilitam a entrada de outros organismos infeciosos no corpo.

Quando as IST não são diagnosticadas e tratadas imediatamente, alguns organismos entram na corrente sanguínea e infetam órgãos internos, causando problemas sérios e até risco de morte. Esses problemas incluem: infeções cardiovasculares (coração e vasos sanguíneos) e no cérebro causadas pela sífilis; infeções graves e cancros raros, devido ao HIV; e cancro do colo do útero, vulvar, vaginal, anal e da garganta, devido ao HPV.

Em mulheres, alguns organismos que penetram na vagina infetam outros órgãos reprodutores. Podem infetar o colo do útero (parte inferior do útero, o final da vagina), entrar no útero e atingir as trompas de Falópio e até os ovários. O dano nas trompas de Falópio pode originar infertilidade ou aumentar o risco de gravidez ectópica (fora do local certo). A infeção pode atingir o peritoneu (membrana que reveste a cavidade abdominal), causando peritonite. As infeções do útero, das trompas de Falópio, dos ovários e/ou do peritoneu são as doenças inflamatórias pélvicas.

Nos homens, os organismos que entram pelo pénis podem infetar a uretra (que transporta a urina da bexiga pelo pénis). Serão raras as complicações, se as infeções forem tratadas rapidamente, mas a infeção crónica da uretra pode causar sintomas, como: constrição do prepúcio (não deixando expor a cabeça do pénis); estreitamento da uretra, bloqueando o fluxo de urina; desenvolvimento de canal anormal (fístula) entre a uretra e a pele do pénis. Ocasionalmente, os organismos atinem a uretra e deslocam-se pelo tubo que carrega o esperma dos testículos (ducto ejaculatório e canal deferente) para infetar o epidídimo (tubo enrolado no alto de cada testículo).

Em homens e em mulheres, algumas IST podem causar inchaço persistente dos tecidos genitais ou infeção da uretra ou do reto (proctite).

Os médicos suspeitam de IST com base nos sintomas ou no histórico de contacto sexual com parceiro infetado. Para identificar o organismo envolvido e confirmar o diagnóstico, os médicos podem obter e examinar uma amostra do sangue, da urina ou da secreção da vagina, do colo do útero ou do pénis. A amostra é, geralmente, enviada a um laboratório, para que os organismos sejam detetados e identificados, mas alguns testes para IST podem ser feitos em clínica.

Alguns testes para IST destinam-se a identificar o material genético exclusivo do organismo (DNA- ácido desoxirribonucleico ou RNA- ácido ribonucleico). Outros verificam a presença de anticorpos produzidos pelo sistema imunológico, em resposta ao organismo específico infecioso. Os médicos escolhem o tipo de exame com base nas infeções mais prováveis. E, se a pessoa tiver uma IST, deve fazer outros testes, pois uma IST constitui probabilidade alta de surgir outra.

É conveniente realizar exames para deteção de DST em pessoas que não apresentam sintomas. A triagem de DST é a melhor opção, se for realizada quando: uma doença que está a ser triada é incomum; se as pessoas tiverem risco maior do que a média de ter uma doença (como as pessoas com mais de um parceiro sexual) ou em que a doença seja particularmente perigosa (como mulheres grávidas); o teste de triagem for fácil e barato; não existir tratamento para a doença.

É recomendada triagem para IST a pessoas com maior risco de infeção por clamídia, por gonorreia, por sífilis e/ou por HIV. Todas as mulheres sexualmente ativas com menos de 25 anos de idade ou as de mais de 25 anos com alto risco de infeção devem ser triadas, anualmente, para clamídia e todas as grávidas devem ser triadas para todas estas quatro IST.

O tratamento de IST passa pela administração de antibiótico ou de medicamento antiviral, dependendo da IST, pelo tratamento das complicações e pelo tratamento simultâneo de parceiros sexuais. A maioria das IST pode ser tratada eficazmente com medicamento (antibiótico, para infeção bacterianas, e antiviral, para infeção viral). Porém, algumas cepas de bactérias e de vírus tornaram-se resistentes a alguns medicamentos, dificultando o tratamento. E é provável que a resistência ao medicamento aumente, pois, nem sempre é usado de forma incorreta.

Pessoas a tratar-se de IST bacteriana devem abster-se de relações sexuais até a infeção ter sido eliminada delas e dos parceiros sexuais, que devem ser testados e tratados simultaneamente. As IST virais, sobretudo o herpes genital e a infeção por HIV, geralmente, persistem por toda a vida. O medicamento antiviral pode controlá-las, mas ainda não as consegue curar.

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As IST impõem uma dinâmica alargada e sensibilização e de prevenção, bem como de testagem sistemática e de tratamento imediato. E implica a dissuasão dos poderes contra alguns agentes da suspeita de provocação de IST, como assaltantes de seringas e de objetos cortantes, o que, a acontecer, requer despiste imediato e, se a análise resultar positiva, subsequente tratamento. De igual modo, quando um agente em socorros, em ato clínico ou em cirurgia se picar ou cortar, deve, de imediato, sujeitar-se a teste e a eventual tratamento, num serviço de doenças infeciosas.

Além das prescrições de ordem moral, que muitos/as perfilham, é de referir que a proteção da relação sexual pode não bastar (por má aplicação do material ou por deficiente fabrico), sendo conveniente, em casos de dúvida ou de suspeita, a observação da continência sexual.

2024.03.08 – Louro de Carvalho

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