sábado, 9 de março de 2024

Tem aumentado a delinquência e outros ilícitos nas escolas

 

O relatório anual do Programa Escola Segura (PES) mostra que o total das ocorrências criminais – agressões, ameaças, furtos, ofensas sexuais, vandalismo ou tráfico de droga – aumentou 10%, entre o ano letivo de 2021/2022 e o de 2022/2023. Porém, foram apanhadas menos armas.

Os agentes policiais do PES patrulham as imediações dos estabelecimentos escolares e intervêm no interior, sempre que são chamados pela respetiva direção a resolver uma situação de violência grave, roubo ou posse de droga, por exemplo. Em geral, as ocorrências mais comuns são as agressões entre alunos, dentro da escola, observam os agentes, sendo que os mais experientes sustentam que, sem o PES, as “escolas estariam muito piores” em termos de segurança.

Há uma década, o total de ocorrências em meio escolar era de 5361, sendo 72,5% criminais e 27,5% não criminais. Entretanto, nos anos letivos de 2018/19, 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023, o total de ocorrências foi, respetivamente, de 4093 (65,2% criminais e 34,8% não criminais), 3324 (63% criminais e 37% não criminais), 3067 (58,1% criminais e 41,9% não criminais), 3525 (69,3% criminais e 30,7% não criminais) e 3824 (70,8% criminais e 29,2% não criminais).

Os números mostram significativa diminuição das ocorrências, face ao que sucedia há 10 anos. Contudo, os dados mais recentes, relativos a 2022/2023, mostram um aumento dos crimes de ofensas corporais e de amea­ças face ao ano letivo anterior, mesmo comparativamente com o período imediatamente anterior à pandemia (2018/2019). E o relatório mostra ainda que o total das ocorrências criminais, que inclui furtos, ofensas sexuais, vandalismo ou tráfico de droga, aumentou 10%, entre o ano letivo de 2021/2022 e o de 2022/2023.

Desde 2010, foram registados, em média, 174 casos de ofensas sexuais por ano nas escolas, que abrangem contactos físicos não desejados, atos exibicionistas, coação sexual, abuso sexual e violação. Considerando que há 175 dias de aulas por ano letivo, é uma por dia. E o número real será maior, já que, neste crime, a vítima tem, por norma, dificuldade ou vergonha em denunciar.

Outro indicador preocupante, para as autoridades, embora não seja crime, é o crescimento das perturbações escolares, em que o professor se vê obrigado a chamar a polícia, por não conseguir resolver um determinado conflito em sala de aula. Registaram-se 417 casos, no último ano letivo, número superior a qualquer um dos últimos cinco anos (antes de e durante a pandemia).

A subida do total das ocorrências criminais em relação ao ano letivo anterior (de 2444 para 2708 casos) é, para Hugo Guinote, coordenador nacional do Policiamento de Proximidade da PSP (Polícia de Segurança Pública), “evolução esperada”, pois, no início do ano letivo de 2021/2022, as atividades letivas tiveram restrições, por causa da covid-19, mas, no ano letivo subsequente, com as escolas a funcionar normalmente, as ameaças e as ofensas aumentaram.

A evolução por tipo de crime mais frequente, no ano letivo anterior à pandemia e nos dois subsequentes, é como segue: em 2018/2019, registaram-se 1151 ofensas corporais, 721 injúrias e ameaças, 605 casos de furto e roubo, 181 de vandalismo e dano, 86 ofensas sexuais e 42 de uso e porte de arma; em 2021/2022, registaram-se 1172 ofensas corporais, 753 injúrias e ameaças, 367 casos de furto e roubo, 101 de vandalismo e dano, 88 ofensas sexuais e 77 de uso e porte de arma; e, em 2022/2023, registaram-se 1237 ofensas corporais, 825 injúrias e ameaças, 450 casos de furto e roubo, 137 de vandalismo e dano, 87 ofensas sexuais e 34 de uso e porte de arma.   

O dado que mais preocupa a PSP é o do aumento do número de ofensas corporais (onde se incluem as agressões físicas), que supera o do ano letivo de 2018/2019, o último que não foi afetado pela pandemia. Já se esperava uma subida das injúrias e ameaças, em linha com o que acontecera nos 10 anos anteriores, mas não este aumento de denúncias por ofensas corporais, que não estavam a crescer no referido período. Antes, as queixas eram feitas em fase precoce, antes de haver prática efetiva de violência. Em reação, a PSP aumentou as ações de sensibilização junto das escolas.

A maioria dos casos de violência registados pelo PES deu-se nas regiões de Lisboa e do Porto, mas os problemas maiores não se confinam aos arredores das duas grandes cidades. Por outro lado, regista-se que a criminalidade mais grave nas escolas não ocorre só nos subúrbios.

Hugo Guinote sublinha o facto de haver mais estudantes apanhados com droga pelas autoridades, vincando que a subida dos casos é resultado do aumento da fiscalização. Entre os alunos, havia a ideia de que o consumo e a posse de droga não eram ilegais. Todavia, é de acentuar que o facto de isso não ser crime não quer dizer que não seja ilegal.

Entretanto, segundo a polícia, há um dado relevante: o número de casos de posse e uso de armas nas escolas desceu abruptamente, em 2022/2023, sendo o mais baixo dos últimos anos, o que leva a concluir que “as armas não são um problema nas nossas escolas”. E eu discordo, pois, uma escola não devia ter uma única arma no seu meio. Já basta o perigo inerente ao uso necessário dos objetos cortantes existentes de cozinha, de refeitório e de tarefas de manutenção e funcionamento do estabelecimento escolar   

De acordo com várias fontes policiais, estão a subir os casos de perturbação causada nas escolas pelo uso de telemóveis, mas ainda não se encontram tipificados nas estatísticas, pelo que não é possível a sua contabilização. Poderão vir a ser registados nestes relatórios policiais da Escola Segura, no próximo ano letivo, caso haja acordo entre os Ministérios da Administração Interna e da Educação. Entretanto, os telemóveis estão na origem de muitos conflitos, pelo que publicam nas redes sociais, pelo que fazem ver e pelo uso que se faz deles, para marcar encontros e conflitos.

Além disso, são usados em idade precoce e viciam os alunos, prejudicando as aulas e os recreios.

Também os casos de bullying e ciberbullying, não tipificados como crime pelo Código Penal, estão diluídos nos números das ameaças e das ofensas corporais, consoante a sua gravidade. “Acreditamos que o bul­lying e o ciberbullying são as infrações que mais ocorrem nas nossas escolas, e este último está em grande crescimento”, destaca Miguel Rodrigues, chefe da PSP, professor e investigador do ICPOL-ISCPSI (Centro de investigação do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna) e autor do livro “Violência nas Escolas – Caracterização, Análise e Intervenção”. Não é, pois, de estranhar que este tipo de violência seja um dos temas mais presentes nas ações de sensibilização feitas nas escolas pelos agentes do PES, tal como a violência no namoro, que muitos jovens desvalorizam, não vendo que certos comportamentos são inadmissíveis.

A evolução de ocorrências não criminais nos três anos letivos acima referenciados foi como segue: em 2018/2019, houve 389 casos de perturbação escolar e 182 de posse/consumo de estupefacientes; em 2021/2022, houve 372 casos de perturbação escolar e 68 de posse/consumo de estupefacientes; e, em 2022/2023, houve 417 casos de perturbação escolar e 88 de posse/consumo de estupefacientes.  

Os agentes policiais reforçam a importância das conversas que têm com os alunos e que, muitas vezes, funcionam como dissuasoras de comportamentos incorretos. Porém, o investigador Miguel Rodrigues salienta o desinvestimento de que tem sido alvo o PES, nos últimos anos. O número de efetivos da PSP e da Guarda Nacional Republicana (GNR) desceu de 714 para 650, nos últimos seis anos, e os carros-patrulha passaram de 452 para 284, de 2010 até 2022. “Eram os governos civis que cediam as viaturas às polícias. Com a sua extinção, as autoridades passaram a ter direito e menos carros”, considera o investigador.

Confrontado com este cenário, Hugo Guinote contrapõe que houve um aumento de 4% nos recursos humanos, face ao ano letivo anterior. Quanto às viaturas, o número tem sido “estável”, nos últimos cinco anos. E justifica: “Os recursos são finitos. O que a PSP faz no PES, como qualquer organização, é adaptar os seus objetivos aos meios de que dispõe, equilibrando os princípios da prioridade, adequabilidade e exequibilidade.”

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Os dados em referência estão em linha, com os do levantamento feito pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), tornado público em fevereiro, segundo o qual 31% dos crimes graves cometidos por menores foram cometidos no interior da escola.

Em 2022 (últimos dados disponíveis), 243 menores, entre os 12 e os 16 anos, estavam obrigados pelos tribunais a cumprir medidas de acompanhamento ou de internamento em centros educativos, pela prática de crimes violentos, como homicídio, ofensas à integridade física, roubo, extorsão ou violação. No total, os jovens cometeram 292 crimes violentos, mas só foi possível recolher informação sobre o local onde foram perpetrados em 195 casos. Desses, 76 ocorreram na via pública (40%), 60 no interior das escolas (31%) e 27 em instituições de acolhimento (14%).

A DGRSP real­ça que, apesar da sua gravidade, “os crimes violentos praticados em espaço escolar dão lugar, na sua grande maioria (42%), à medida de Acompanhamento Educativo”, que obriga os jovens a cumprir determinadas regras de conduta e a frequentar programas de formação nas áreas definidas pelo tribunal, mas não é privativa de liberdade, ao invés do internamento em centro educativo, a ‘pena’ mais grave prevista na justiça juvenil. Só 15% dos crimes violentos ocorridos nas escolas dão origem a esta medida, o que, mesmo assim, “não deixa, de ser significativo”.

No final de 2023, a 31 de dezembro, encontravam-se internados em centros educativos 128 jovens, mais 9% do que no período homólogo. No total, praticaram 410 tipos de crimes, a maior parte perpetrados na via pública, com realce para as ofensas à integridade física, para a ameaça e coação e para a difamação. Registaram-se ainda três crimes de violação e nove de abuso sexual de crian­ças, adolescentes e menores dependentes.

A esmagadora maioria dos jovens é do sexo masculino (88%), com idades entre os 16 e os 20 anos (68%) eram menores, à data do crime. Os mais novos, quatro rapazes e uma rapariga, tinham 13 anos. Cerca de 70% apenas completaram o 2.º ciclo (6.º ano) e uma minoria de 8% terminou o 9.º ano. Quase 60% dos processos judiciais ocorreram na Grande Lisboa.

Desde 2020, as solicitações judiciais para a execução de medidas de internamento em centros educativos estão a aumentar. Em 2023, foram recebidas 179, mais 27% do que em 2022. Representam 9% de todos os pedidos relativos a menores, isto é, de todos os que cometem crimes, só estes são punidos com privação de liberdade.

Segundo dados da DGRSP, há sete centros educativos com um total de 134 vagas: três estão em sobrelotação (principalmente femininos), dois lotados e os restantes perto dos 80%. No fim de 2023, a taxa de ocupação era de 95,52%.

De acordo com o último “Relatório Anual de Segurança Interna”, relativo a 2022, a delinquência juvenil, que compreende a prática de crimes por menores, entre os 12 e os 16 anos, atingiu o valor mais alto desde 2016. Só entre 2021 e 2022, o número de participações deu o salto de 50,6%, embora se deva ter em conta que praticamente toda a criminalidade baixou durante a pandemia, sendo expectável que voltasse a subir depois. Todavia, no pós-covid, cresceu o número de ocorrências e aumentou a gravidade e intensidade da violência, sobretudo no interior das escolas.

O “2.º Relatório” da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV), publicado no final de 2023, refere “a existência de sinais de agravamento da realidade em termos pós-pandémicos, com maior agitação, menor tolerância, maiores níveis de agressividade, nomeadamente por parte de crianças/jovens no contexto escolar”.

Para Miguel Rodrigues, a falta de meios dos estabelecimentos de ensino para fazer face a este tipo de ocorrências e o “grande desinvestimento” feito na última década nas políticas de prevenção, nomeadamente no PES, não são alheios ao agravamento da situação.

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É pena que a escola, em vez de ser um centro privilegiado de educação, se mostre também palco de crescente delinquência e de outros ilícitos não criminais, funcionando como um miniespelho da sociedade envolvente e não como propulsora de uma sociedade mais sã. Não estará aqui também o efeito da perda de autoridade do Estado e do facilitismo generalizado?

2024.03.09 – Louro de Carvalho

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