terça-feira, 26 de março de 2024

Ponte em Baltimore desabou, após colisão de navio

 

Colisão de navio de carga com a ponte Francis Scott Key de Baltimore, nos Estados Unidos da América (EUA), provocou a queda de vários veículos na água. A Guarda Costeira recebeu um aviso sobre o impacto às 01h27 (ou seja, 5h27 de Portugal Continental), no dia 26 de março.

De madrugada, o navio, de cerca de 289 metros e com bandeira de Singapura, incendiou-se, afundou-se e provocou a queda de vários veículos na água. Há, pelo menos, 20 pessoas desaparecidas, que as equipas de emergência acreditam terem caído no rio Patapsco, avançou a agência noticiosa ‘Associated Press’ (AP).

“Sabemos que há até 20 pessoas no rio Patapsco neste momento, bem como vários veículos”, declarou Kevin Cartwright, do Corpo de Bombeiros de Baltimore, à televisão CNN.

Duas pessoas foram resgatadas com vida das águas do rio. Segundo o chefe dos bombeiros da cidade, James Wallace, uma das pessoas resgatadas saiu ilesa e recusou tratamento, enquanto a outra foi levada para um hospital em estado grave. Os desaparecidos são supostamente passageiros de veículos que atravessavam a ponte, quando o cargueiro colidiu com um dos pilares centrais, destruindo-o completamente.

As baixas temperaturas, na ordem dos nove graus centígrados (9ºC), estão a fazer as autoridades temerem pela vida das pessoas que caíram, devido ao risco de hipotermia.

“Todas as faixas de rodagem de acesso estão fechadas em ambas as direções, devido a um acidente na ponte Francis Scott Key. O tráfego está a ser desviado”, publicou a Autoridade de Transportes do estado de Maryland, na rede social X.

O presidente da Câmara, Brandon M. Scott, e o responsável da região de Baltimore, Johnny Olszewski Jr., disseram que o pessoal de emergência estava a responder e que os esforços de socorro estavam em curso.

O navio de carga possuía uma bandeira da Singapura e tinha cerca de 289 metros, segundo um suboficial da Guarda Costeira, Matthew West, em declarações ao jornal “The New York Times” (NYT). O navio tinha como destino Colombo, no Sri Lanka.

Nenhum membro da tripulação ficou ferido, segundo o comunicado da empresa Grace Ocean, que é proprietária da embarcação, citado pelo NYT.

A colisão foi classificada como um acidente – “evento de vítimas em massa em desenvolvimento” –, tendo Richard Worley, comissário da polícia de Baltimore, adiantado não haver indícios de terrorismo ou de ataque propositado à ponte. Porém, as autoridades estaduais e federais estão a investigar as causas do acidente em conjunto com a empresa dona do navio.


Na altura, estavam vários veículos na ponte, incluindo um do tamanho de um trator-reboque.

“O nosso objetivo, neste momento, é tentar resgatar e recuperar estas pessoas”, disse Kevin Cartwright, antecipando que é muito cedo para se saber quantas pessoas foram afetadas, mas referindo que parecia haver “alguma carga ou retentores pendurados na ponte”, que geraram condições inseguras e instáveis, pelo que as equipas de emergência estavam a operar com prudência. “Esta é uma emergência terrível”, considerou.

A ponte, com 1,6 quilómetros de comprimento, foi inaugurada em 1977.

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João Frade, vice-presidente da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique e professor de segurança marítima e manobra e governo de navio, e Pedro Pacheco, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e Presidente da BERD – Projeto, Investigação e Engenharia de Pontes, apontam as causas prováveis do acidente.

“Tudo indica que será uma falha técnica”, sustenta João Frade. Instantes antes de embater na ponte, vários vídeos publicados nas redes socias mostravam uma falha de energia no navio, batizado de ‘Dali’. Ora, sem energia é impossível controlar o rumo da embarcação. Mesmo assim, “existem algumas manobras que podem ser realizadas de emergência, como o fundear, que é largar a amarra para tentar imobilizar o navio, sem causar ali qualquer estrago”, observa o especialista.

“É um navio com uma dimensão já considerável, carregado, e, portanto, tem ali mais dificuldade” de manobra, em especial considerando que estava próximo da ponte e tinha acabado de sair do porto. “Um blackout [apagão] faz com que pare tudo, depois existem alguns geradores de emergência para garantir alguns equipamentos, mas quando há um blackout ficam sem capacidade de propulsão, ou seja, sem capacidade de governo”, explica o professor, rejeitando a hipótese de possível erro na navegação, ao afirmar que “todos os navios, de acordo com a legislação internacional e as boas práticas, têm de ter um plano de viagem que é elaborado de cais a cais”, para assegurar que o navio apenas atravessa zonas seguras. “Parto do princípio de que isso estava cumprido e não foi por uma falha de planeamento, até porque aparentemente a visibilidade era boa”, discorre.

O mesmo especialista considera improvável que o acidente se deva a uma corrente do rio que tenha desviado o curso da embarcação, em especial porque as correntes são determinadas antes de se iniciar a viagem e há manobras de navegação específicas para as compensar.

Quando se observa o momento em que o navio embate na ponte, o desabamento ocorre rapidamente. “Normalmente, quando há acidentes nos pilares e há uma rutura de um pilar, há um colapso dos vãos adjacentes. Isto é uma ponte de grande dimensão e os vãos adjacentes são uma parte importantíssima da ponte”. Por isso, “é normal haver um colapso desta dimensão”, explica Pedro Pacheco. E, sobre os possíveis motivos que levaram ao desabamento da ponte, afirma ser “precisa muita prudência a falar de um acidente”. O professor lembra que o possível embate de navios é contemplado nos regulamentos de vários países, mas o nível de carga que se considera para o embate pode ter desempenhado papel crucial. Nas últimas décadas, as pontes são construídas, considerando cargas maiores, como tal, “o navio podia ter uma carga muito superior aquilo que estava previsto”, admite.

A falta de recursos técnicos cada vez mais evidente no Mundo ocidental também pode ser fator a ter em consideração. “É expectável que ocorram mais acidentes do que ocorriam em várias áreas que dependem de técnicos qualificados. Isto pode ser na aviação, na engenharia de pontos, ou na engenharia de edifícios”, afirma o especialista.

Em março de 2001, a ponte Hintze-Ribeiro, que ligava Castelo de Paiva a Entre-os-Rios, em Portugal, colapsou, causando a morte de 59 pessoas. Em agosto de 2018, o desabamento da ponte Morandi, em Génova, no Norte da Itália, provocou a morte de 43 pessoas. Um ano depois, em 2019, duas pessoas morreram, quando uma ponte colapsou em Toulouse, na França. Em julho de 2023, uma ponte desabou parcialmente na cidade de Patras, na região Oeste da Grécia, o que vitimou duas pessoas.

Para prevenir a rutura de ponte, é preciso prever o embate, possuir larga zona de navegação, o que é impossível naquela zona em Baltimore, e evitar colocar pilares na zona de navegação, o que, segundo Pedro Pacheco seria impossível, devido à extensa dimensão da ponte em Baltimore.

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Fernando Branco – professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST), onde dirige a Secção de Construção, e presidente da IABSE-International Association for Bridge and Structural Engineering (Zurique), a mais antiga associação científica mundial de engenharia de estruturas, em que participam 100 países – sustentava, a 19 de agosto de 2018, que não há nenhuma ponte absolutamente segura.

Dizia que, em Génova, “houve claramente um problema de corrosão que não foi travado por falta de manutenção”. E sentenciava: “As pontes são feitas para cair, se não se fizer manutenção.”

O especialista admitia que a queda daquela ponte tenha tido origem na falta de manutenção e na tecnologia usada na sua construção em 1969, que a torna muito vulnerável, bastando partir-se um tirante para um dos três blocos (torres) da ponte desabar.

A ponte Morandi tem três blocos (torres) que a sustentavam e o maior caiu. Foi construída em 1969 e cada bloco tinha só um tirante (cabo em tração) para cada lado. Era uma estrutura pouco redundante: se falha um elemento, cai tudo. Basta que se parta um tirante para cada bloco se desequilibrar e desabar. Por isso, estas pontes evoluíram para pontes do tipo da Vasco da Gama, em que há uma série de tirantes. Se rebentar um, a ponte não cai, os outros aguentam a estrutura.

Achou estranho que, na comunicação sobre os trabalhos de manutenção da ponte, feitos em 2000, apresentada por um investigador do Departamento de Engenharia de Estruturas do Politécnico de Milão, numa conferência em 2010, se tenha referido que não foi feita qualquer intervenção no bloco n.º 9 da ponte – o que caiu –, porque os seus tirantes estavam menos degradados do que os dos outros blocos. Assim, houve um problema de corrosão não travado, por falta de manutenção.

Considerando que não temos a certeza de que uma ponte é segura, Fernando Branco disse: “As pontes são feitas para cair se não se fizer manutenção. No fundo, não há nenhuma ponte que seja segura.”

Sobre os materiais, referiu que todos se degradam, pela ação do ambiente. Assim, quando as pontes começaram a ser feitas em ferro, no século XIX, percebeu-se que o ferro tinha corrosão, ou seja, oxidava em contacto com o ar. Por isso, surgiram os sistemas de manutenção.

Quanto ao betão armado, que surgiu no final do século XIX, enfatizou que é uma pedra artificial com aço dentro. Os cientistas diziam que era o material ideal, porque o problema da corrosão do aço ficava resolvido: estando dentro do betão não ficava em contacto com o ar. Porém, enganaram-se. Os problemas surgiram nos anos 70/80 do século XX, cerca de 50 anos depois do uso se generalizar. Quando se fez a ponte de Génova, ainda não se conhecia o fenómeno.

Para a degradação do betão armado, o especialista aduz dois grandes fenómenos: a carbonatação e o relacionado com os cloretos. No atinente ao primeiro, revela que o betão, quando é fabricado, tem um pH básico – o pH uma escala numérica que determina o grau de acidez de uma solução aquosa, baseado na concentração de iões hidrónio (H3O+), ou seja, o cologaritmo da atividade de iões hidrónio – mas, em contacto com o dióxido de carbono (CO2) ambiental e com a humidade vai-se transformando de básico em ácido, gerando uma frente que avança pelo betão adentro. E quando esta frente ácida chega aos ferros, começam a corroer. O outro fenómeno está relacionado com os cloretos, nomeadamente com o sal marítimo, pelo que as estruturas de betão armado junto ao mar se degradam mais. O sal vai entrando pelos poros do betão e, ao atingir o aço, este começa a corroer e pode levar ao colapso das estruturas. Nos anos 70/80 do século XX, surgiram estruturas degradadas por todo o lado. Ora, desde que o aço esteja corroído, a única solução é “substituí-lo por betão armado novo”.

Por exemplo, a Ponte da Arrábida, no Porto, construída nos anos 60, foi toda reabilitada. A partir do desastre de Entre-os-Rios, em 2001, tudo mudou, em manutenção e em inspeção, ficando com mais rigor. O mais avançado foi na Ponte Vasco da Gama, em Lisboa (1998). A equipa que lançou o concurso para a construção impôs uma vida útil de 120 anos. Assim, a frente de degradação que vai avançando no betão não pode chegar ao aço em 120 anos. Isso obrigou a estudar betões especiais e medidas para evitar a corrosão, incluindo obras de manutenção.

As pontes eram projetadas para uma vida útil de 50 anos, que não tinham a ver com a degradação dos materiais mas com outra questão. Um projeto de ponte tem de prever, para a sua vida útil, as ações que podem ocorrer e para as quais tem de estar preparada, por exemplo, sismos de grande magnitude, ventos muito fortes. Porém, descobertos os problemas do betão, criou-se nova legislação, uma norma europeia que define as regras para garantir 50 anos de vida útil. Assim, projetar uma ponte para 50 anos é prepará-la para suportar sismos, ventos, etc., mas também para não ter corrosão durante 50 anos.

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Como em tudo, a vigilância e a manutenção constituem a alma do negócio.

2024.03.26 – Louro de Carvalho

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