Realizadas as eleições
legislativas, nos 50 anos do 25 de Abril, levantam-se as vozes da lamentação
pelo volume do voto de protesto (leia-se “voto no Chega”) nelas expresso, em
detrimento do voto informado que a democracia postula e ao invés do que
aconteceu antes, com muitos a apelar ao voto útil num ou noutro dos dois
grandes partidos.
Se o voto não foi informado e se
o voto de protesto engrossou, é preciso que os agentes políticos dos outros
partidos enfrentem a situação de acordo com os melhores critérios democráticos:
nada de instigação à vandalização de sedes partidárias (antes dissuasão da sua tentativa)
e nada de cercas parlamentares e ou diplomáticas, mas a argumentação oportuna e
sólida, a explicação dos problemas (suas causas verdadeiras e seus efeitos
perversos) e a tomada de medidas que obviem à eliminação das situações problemáticas
que originaram o protesto!
Há expressões interessantes que
não podem ficar em modo de inércia: “os problemas não se resolvem de um dia
para o outro” (mas é preciso resolvê-los, quanto antes); “ninguém pode ficar
para trás” (mas é preciso que ninguém fique, em nome da coesão social); “o país
é um todo” e não “uma extensa urbe que começa
no Tejo, acaba no Douro e se estende só pelo litoral”.
Ora, as eleições de 10 de março
ocorreram num clima de tensão social com alguns grupos profissionais acabados
de sair da rua e com outros em efervescência e prontos a ir para a rua, assim
como em tensão pela exploração do lítio em algumas regiões e por alegado
favorecimento a alguns empreendimentos. Está em causa a coesão social e a coesão
territorial.
As eleições mostraram que todos
os eleitores, sejam eles quem forem, vivam onde viverem, tenham menos ou menos
idade, sejam mais ou menos instruídos, sejam ricos ou pobres, devem estar no
centro da ação política – e não tanto o estatuto do deputado ou do membro do
executivo.
Tenha votado neste ou naquele
partido, tenha votado em branco ou feito voto, tenha votado ou tenha optado
pela abstenção, o eleitor deve ser considerado pelos órgãos do poder
político.
Por sua vez, o eleitor deve emitir voto informado, pois o voto de protesto
é a forma mais perigosa de manifestação, pois, se ganhar volume desmedido, gera
situação de difícil de governabilidade ou até de ingovernabilidade. É voto que
resultou da desinformação ou em que o eleitor renunciou à informação; e, como
tal, resulta da criação de ambiente propício à propagação de mensagens com
soluções fáceis para problemas complexos, além de acicatar ódios. Só com
informação, coesão, sentimento de pertença se minimiza o populismo que engana,
se entranha e se aproveita.
Os partidos, em período
eleitoral, não tiveram a preocupação prioritária de expor e de explicar, a
todos e em toda a parte, os projetos que tinham para o país. Tentaram
credibilizar os líderes, responder aos ataques uns dos outros, pôr a nu as
debilidades programáticas e atitudinais dos adversários. Os líderes das listas
partidárias em cada círculo não terão feito o trabalho no terreno. Enfim, os
partidos foram bastante responsáveis pelo voto desinformado e de protesto.
Após as eleições, os partidos – incluindo
o que se diz diferente e que, assim, ganhou mais de um milhão de votos e 48 deputados
– posicionam-se, taticamente, em relação aos outros, de modo a ganharem
argumentos para futuras eleições. Na Aliança Democrática (AD), a estratégia
é governar negociando medida a medida e pondo o ónus da responsabilidade pelo
eventual insucesso no Partido Socialista (PS) e no Chega; o PS, prepara, apesar
da não apresentação de moção de rejeição do programa do governo, a
oposição, com voto contra a orçamentos e a moções de confiança; e o
Chega quer influir na composição e no programa do governo.
***
Em geral, os partidos não tiveram
em conta as questões mundiais, que influem no país, nem o que se passa na
Europa, em termos da ascensão da direita radical, a qual se sintetiza, grosso
modo, como segue, com respaldo num longo artigo de Pedro Cordeiro no Expresso, a 12 de março.
A Alternativa
para a Alemanha (AfD) aproveitou a decisão de Angela Merkel de deixar entrar os
refugiados do Médio Oriente, em 2015, para evoluir para segundo lugar nas
sondagens para as legislativas do próximo ano, à frente dos três partidos do governo
de centro-esquerda.
O Partido da
Liberdade austríaco (FPÖ) é o terceiro maior do país e esteve no poder com o
Partido Popular (ÖVP, do centro-direita). Criado com matriz liberal, passou a
xenófobo e eurocético.
Na Bélgica, o partido Interesse
Flamengo (VB) é a reencarnação do Bloco Flamengo, dissolvido judicialmente por
ser racista. Conservador, eurocético e crítico do apoio à Ucrânia, lidera as
intenções de voto para as legislativas belgas e para as regionais flamengas de
9 de junho.
Com 34 dos 240 lugares do
Parlamento búlgaro, o partido Revivalismo é anti-UE, antiNATO e pró-russo. Adotou
um discurso antivacinas e teorias da conspiração sobre a covid-19 ou sobre as
alterações climáticas. Pelo receio da inflação e dos efeitos da adesão ao euro, prevista para janeiro de
2025, divide o país quase a meio. O chefe é conhecido por tiradas misóginas, homofóbicas, transfóbicas e
racistas e por chamar aos ciganos “parasitas” ou “praga não-humana”.
Na Chéquia, o partido Liberdade
e Democracia Direta (SPD) é anti-imigração. Defende a saída da União Europeia (UE),
quer dificultar a entrada de estrangeiros, sobretudo de países islâmicos, e
prega a defesa dos valores “judaico-cristãos”.
Na Dinamarca, dos 179 lugares do Folketing (Parlamento), 21 são ocupados pela
direita populista. Ao Partido do Povo Dinamarquês (DF) somou-se o dos
Democratas Dinamarqueses (DD), que promoveu uma política de separação das
famílias dos que chegavam ao país.
O ultranacionalista Partido
Nacional Eslovaco (SNS), membro regular de coligações de governo, partilhou o
poder com partidos conservadores, sociais-democratas, esquerdistas e até com
defensores de melhor convivência entre a maioria eslovaca e a minoria húngara
presente no país. É acusado de racismo, sobretudo contra húngaros e ciganos,
homofobia e até neofascismo.
O Vox, partido de extrema-direita
espanhol, nasceu, em 2013, como dissidência do Partido Popular (PP, do centro-direita).
Cético das autonomias regionais, teve enorme impulso na crise independentista
da Catalunha de 2017. Passou de 0,20% para 10%, em três anos, obtendo, em 2019,
representação parlamentar em Espanha e na UE. Está nos parlamentos autonómicos
de todas as 17 regiões, exceto no da Galiza. Contraria as leis de memória
democrática, quer a redução de verbas para o combate à discriminação e
violência de género e o controlo da imigração, adota um discurso xenófobo,
sobretudo face a muçulmanos, e defende políticas económicas neoliberais.
O Partido Conservador do Povo
da Estónia (EKRE), a segunda maior bancada parlamentar neste país báltico, nasceu
em 2012, da fusão de dois movimentos. Teve uma experiência de governo, entre
2019 e 2021, como parceiro de coligação do Partido Centrista do
primeiro-ministro Jüri Ratas, numa equipa que incluía ainda os
democratas-cristãos.
O Partido dos Finlandeses (PS, o segundo
do país) participa, com sete ministérios, na coligação de governo do
conservador Petteri Orpo, do qual fazem parte o Partido do Povo Sueco (ligado a
esta minoria no país) e os Democratas-Cristãos.
Na
França, a antiga Frente Nacional, há seis anos crismada de Reagrupamento
Nacional (RN), da família Le Pen, está nas mãos de Marine, filha do fundador
Jean-Marie, embora o líder formal seja Jordan Bardella. Vencedora das últimas
duas eleições europeias e rumo à terceira vitória, nunca fez parte de soluções
de governo nacional nem regional, mas tem crescido sempre. Misto de chauvinismo, xenofobia
e generosidade social, passou de anti-UE a pró-UE reformada, de socialmente
retrógrado a tolerante, de antissemita e negacionista do Holocausto a
frequentável para grande parte dos cidadãos da V República, embora se mantenha
pró-Putin e antiNATO.
Na Grécia, a direita radical distribui-se por três
partidos: Solução Grega (EL), Espartanos (S) e Vitória (NIKI). São xenófobos,
conservadores e nacionalistas.
Na Hungria, o partido Jobbik inquietava a Europa com o
discurso anticigano, mas mudou para integrar, em 2022, uma frente com a esquerda
liberal, a tentar vencer Viktor Orbán. Este, no poder há 14 anos e num período
anterior (1998-2002), passou do centro-direita ao populismo de direita radical,
partidário da democracia iliberal e destruidor do Estado de Direito. Assim, é o
grande partido Fidesz a encarnar esta fação política. Com dois terços do
Parlamento, controla a Justiça e grande parte da comunicação social, passou
para o Partido Popular Europeu (PPE) e saiu em 2021, quando ia ser expulso. É
conservador, nacionalista, xenófobo e antissemita. Trava decisões da UE sobre
refugiados, sobre a bazuca pós-covid e sobre o apoio à Ucrânia. Passou de bom
aluno, antes da adesão à UE, para posições mais duras e travou, quanto pôde, a adesão
da Suécia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
Os Irmãos de Itália (FdI), da primeira-ministra Giorgia
Meloni, descendem dos neofascistas do Movimento Social Italiano (MSI) do
pós-guerra, embora com passagem pela Força Itália, a direita de Silvio
Berlusconi, cujo espaço tendem a ocupar. A subida do FdI foi meteórica: passou dos 2%, em 2013, e pelos
4,4%, em 2018, até ser o mais votado, com 26%, em 2022. Terá ganho apoios,
quando foi a única força de relevo a não apoiar o executivo de Mario Draghi; e,
após a vitória, formou governo com a Liga (de direita radical), a Força Itália
e formações mais pequenas. Integra, ainda, os governos de 15 das 21 regiões e domina
as sondagens nacionais. Meloni, declarando-se “mulher, mãe,
italiana e cristã”, mandou tirar dos documentos de identificação de filhos de
casais homossexuais os apelidos de progenitores não-biológicos. E, dura com a
imigração, quer aproximar a Itália do presidencialismo.
Na Letónia, a Aliança Nacional (NA), economicamente
liberal e socialmente conservadora, ocupa 12 dos 100 assentos parlamentares
letões e, entre 2011 e 2023, esteve nos governos de Laimdota Straujuma, Māris
Kučinskis e Krisjanis Karins, assentes em alianças de direita. É
anti-imigração, repudia o sistema de quotas da UE e homenageia os Letões que
combateram ao lado dos nazis.
Nos Países Baixos, quatro meses após as eleições de
novembro, Geert Wilders, o vencedor, ainda não é primeiro-ministro. O seu
Partido da Liberdade (PVV) mais do que duplicou a bancada, mas o sistema
eleitoral muito proporcional e de círculo único nacional propicia a
fragmentação do Parlamento. Com 37 em 150 lugares, está em conversações com
liberais conservadores, democratas-cristãos e ruralistas, mas há relutância, nos
conservadores, em integrar um executivo com o antiliberal PVV, que já apoiou o primeiro
executivo de direita de Mark Rutte (2010-2012). Assume posições de esquerda nos
serviços públicos, defende o nacionalismo cultural e identitário, é anti-imigração
e pela saída da UE, mas, enquanto lá estiver, opõe-se ao alargamento.
Na Polónia, após oito anos, o partido Lei e Justiça (PiS) foi
suplantado pela aliança que vai da direita democrática à esquerda, encabeçada
pelo liberal Donald Tusk, nas legislativas de outubro. Acabou o segundo
consulado sob a formação de Jaroslaw Kaczisnky, após o período 2005-2007, em
que era primeiro-ministro, enquanto o seu gémeo Lech era presidente (este morreu,
em 2010, na queda de um avião”. Mesmo assim, o PiS foi o partido mais votado. Católico ultraconservador, dominou o Estado,
após a vitória com maioria absoluta nas legislativas de 2015 (a primeira de um
só partido) e pôs em causa a separação de poderes, o que lhe valeu um
procedimento da UE.
A par da Hungria de Orbán, o PiS adotou o
protecionismo (indo até ao intervencionismo estatal na economia) e o euroceticismo,
opõe-se à imigração e aos direitos iguais para minorias. Todavia, não é o partido
mais à direita, tendo, desde 2018, a concorrência da Confederação Liberdade e
Independência, economicamente mais liberal e, no resto, mais dura do que o PiS.
A Aliança pela União dos Romenos (AUR), partido de
direita radical, quer agregar os que vivem no país e os da Moldávia. Quereria
que os dois países se fundissem. Critica a inércia dos governos romenos, face
às minorias romenas na Sérvia ou na Ucrânia, e apoia Donald Trump. Nunca esteve
no poder. É pró-NATO e pró-UE. Conservadora nos costumes, xenófoba, sobretudo,
em relação aos Húngaros, defende a família, a nação, a fé cristã e a liberdade.
Depois de se estrear com 9% nas eleições de 2020, quase duplica esse valor nas
intenções de voto, agora.
Na Suécia, os Democratas Suecos (SD), o segundo partido mais
votado nas legislativas de 2022, viabilizam, sem o integrarem, o governo do
terceiro classificado, o Partido Moderado do conservador Ulf Kristersson, com
os democratas-cristãos e com os liberais. Foi a primeira vez que a direita
radical participou numa solução de governo. Um acordo em sete pontos consagra compromissos caros aos SD, como o
endurecimento de penas ou a redução da imigração ao mínimo permitido pela UE. O
pacto foi criticado a nível europeu e houve militantes do Partido Liberal a
abandoná-lo. O seu líder terá dito, numa reunião partidária, que o SD era uma
“lama castanha” (alusão aos camisas castanhas nazis), cujas loucuras os
liberais conseguiram travar.
***
Este panorama do avanço da direita radical na UE era
conhecido dos partidos políticos (se não o conheciam, não tinham autoridade
moral e política para se candidatarem a eleições nacionais). Por isso, deviam
ter feito tudo para que o voto do eleitorado fosse voto informado, ficando o
voto de protesto, obviamente legítimo, para uma posição residual. Também o Presidente
da República conhecia a situação, pelo que, em vez de precipitar a dissolução do
Parlamento, com base na sua leitura pessoal (Os partidos querem sempre eleições!),
podia ter dado ensejo a novo governo emanado da então composição do hemiciclo. Os
dois maiores partidos ganhariam tempo para se consolidarem nas lideranças e nas
estratégias. Porém, as coisas são como são (e sem recuo).
2024.03.13 – Louro de Carvalho
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