sábado, 16 de março de 2024

Caixa Geral de Depósitos é notícia por lucro e por dividendos

 

Publicou, a 15 de março, os dados mais elevados da sua gestão a Caixa Geral de Depósitos (CGD), cujas contas seguiram o que ocorreu em todos os congéneres privados, mercê da subida das taxas de juro determinadas pelo Banco Central Europeu (BCE), e que dispararam para 1291 milhões de euros (resultado líquido), em 2023, o mais alto montante alguma vez atingido e que, em comparação com os 843 milhões reportados em 2022, representa um aumento de 53%, o que estabiliza num crescimento de 49%.

Daí resulta um pagamento de 525 milhões de euros ao Estado, seu acionista, superando o previsto pelo ministro das Finanças, Fernando Medina.

As contas foram apresentadas por Paulo Macedo, presidente executivo, duas semanas mais tarde do que há um ano, evitando o seu aproveitamento durante o período de campanha eleitoral.

Este lucro junta-se aos resultados obtidos desde 2017 (um total 4500 milhões de euros) que mais do que compensam os prejuízos registados de 2011 a 2016 (um total de 3838 milhões de euros).

Na conferência de imprensa de 15 março, em Lisboa, Paulo Macedo anunciou o pagamento de 525 milhões de euros em dividendos, mais 64 milhões do que os 461 milhões que estavam previstos no Orçamento do Estado.

A política de dividendos da Caixa prevê o pagamento de cerca de 40% do lucro ao Estado. Com lucros acima do estimado, também os dividendos superam o previsto, ajudando as contas do próximo governo, previsivelmente da Aliança Democrática (AD).

Com o valor agora anunciado, a CGD acumula 2200 milhões de euros em dividendos ao Estado, desde a recapitalização, faltando apenas 300 milhões de euros para os 2500 milhões injetados em dinheiro fresco, em 2017, faltando ainda bastante mais, face aos 3,9 mil milhões de dinheiro estatal envolvido. Porém, a gestão retira das contas os CoCos (obrigações convergentes convertíveis) emitidos em anos anteriores e naquele ano, dados como perdidos.

Segundo o presidente executivo, o resultado nas operações internacionais é “o maior de sempre”, mesmo com menos instituições no estrangeiro (a 14 de março, o governo selecionou o comprador do Banco Comercial Atlântico, em Cabo Verde): foram 206 milhões de euros. Mesmo assim, a atividade nacional rendeu, sozinha, mais de mil milhões, algo inédito.

A beneficiar os resultados da CGD esteve, sobretudo, a subida dos juros do BCE, que impôs juros mais altos aos clientes bancários. A margem financeira (resultante da diferença entre os juros recebidos em créditos de clientes e os juros pagos em depósitos aos clientes) mais do que duplicou, em relação a 2022, aproximando-se dos 2,9 mil milhões de euros, em 2023, quando pouco passava dos 1,4 mil milhões, em 2022.

Nas comissões, houve ligeiro recuo, de 7%, para 565 milhões de euros, em virtude da decisão de não agravar o preçário, no ano passado, mantendo-se o não agravamento, neste ano – uma política que a CGD pode ter, devido aos ganhos significativos que registou na margem de juros.

A soma de todas as rubricas de proveitos atingiu os 3,6 mil milhões de euros, mais 56% em termos homólogos.

Os custos diminuíram em 15% dos custos, para os mil milhões de euros. A descida observa-se, em especial, nos custos com pessoal, tendo em conta que a transferência do fundo de pensões, feita em 2022, os tinha inflacionado. Além disso, a CGD, que registou uma quebra de 4% do quadro de pessoal, totalizando 6243 trabalhadores, sustenta que, em termos recorrentes, houve um aumento de custos na ordem dos 3%.

A rubrica de provisões e imparidades disparou quase 700 milhões de euros, mostrando a decisão de aproveitar ganhos extraordinários com a subida de juros, para construir almofadas para eventualidades (e, pelo caminho, o lucro recorde é menos sólido). Deste montante, 206 milhões de euros dizem respeito a riscos de crédito, para fazer face à incerteza económica, justificando-se as provisões com o reforço da reestruturação e com a alienação de carteira de ativos, entre outros.

A contribuir para as contas, houve alguns fatores adicionais que ajudaram as contas: a venda de ativos que tinham ficado no banco, depois da venda do fundo de pensões ao Estado; e a mais-valia da venda da sede, de 82 milhões de euros. E, tendo em conta os resultados, a CGD pagou impostos de 623 milhões de euros, face aos 271 milhões, em 2022.

No ano passado, a Caixa deu menos 0,7% do crédito, com quedas em Portugal e no estrangeiro, registando um recuo de 3,2% dos recursos de clientes (depósitos, sobretudo, mas também fundos e seguros, fora de balanço). Porém, mesmo após a distribuição de dividendos, o principal rácio de capital ficou em 20,3%, face aos 18,7% do período homólogo.

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O montante recorde do lucro, bem acima dos mil milhões de euros, permite uma distribuição de dividendos que situará o banco público perto ou até capaz de devolver a capitalização recebida do Estado. Por outro lado, 2023 marca o ano em que a soma dos lucros anuais desde 2017 consegue mais do que compensar os prejuízos verificados desde 2011, no tempo da troika.

Nos primeiros nove meses do ano, a CGD quase bateu a fasquia dos mil milhões de euros, superados, a larga distância, no acumulado do ano. Serão os melhores do setor bancário, que, no conjunto dos cinco maiores bancos privados, superam os três mil milhões de euros em lucros. E isso terá implicações na distribuição de dividendos, que vão engordar as contas do Estado.

O Millennium BCP quadruplicou o lucro, em 2023, para 856 milhões de euros e proporá à assembleia-geral a distribuição de 30% do montante, cerca de 256 milhões.

O Santander Totta atingiu o melhor resultado de sempre, em 2023: 1030 milhões de euros, mais 70% do que em 2022. Excluindo a mais-valia de uma operação que não se repetirá, o lucro cresceu 57%, para os 894,6 milhões. O contributo veio, sobretudo, da margem financeira, que disparou 90,5%, devido à subida das taxas de juro. Porém, não se adiantou qual a proposta de dividendos.

O Novo Banco pode distribuir dividendos, quando for fechado o mecanismo de capitalização acordado entre o banco, a Lone Star e o Fundo de Resolução, o que pode acontecer ainda este ano. O presidente executivo frisa que “quanto mais cedo o mecanismo ficar para trás, melhor”, até para colocar o banco em bolsa. Em 2023, o lucro cresceu 33% para 743 milhões e, em 2024, deverá ascender a, pelo menos, 650 milhões de euros.

O Banco Português de Investimento (BPI) distribuirá, em dividendos, 517 milhões ao acionista, o CaixaBank, o maior valor desde que esse grupo controla o BPI. Teve o lucro consolidado de 524 milhões de euros, em 2023, prevendo a política de dividendos a entrega de 65% do lucro individual, acrescido de 100% dos dividendos recebidos dos bancos de Angola e de Moçambique.

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O Orçamento do Estado para 2024, do último governo de António Costa, previa o pagamento da remuneração acionista de 461 milhões de euros pela CGD. Qualquer valor acima do projetado (que pode ser pago tendo em conta os rácios de capital sólidos da CGD) é um ganho para o saldo orçamental do próximo executivo.

Presentemente, o banco estatal tem em falta 825 milhões de euros para compensar os 2,5 mil milhões de euros de dinheiros públicos injetados diretamente em 2017. Já pagou 1675 milhões de euros, em dividendos, desde 2019 (referente ao ano anterior). Esse valor inclui a venda da sede ao Estado, que rendeu um dividendo extraordinário de 361 milhões de euros.

Com um lucro superior a mil milhões de euros e com uma política de dividendos que prevê que 40% dos lucros sejam distribuídos ao acionista Estado, o presidente executivo da CGD está prestes a atingir o objetivo que tem assumido desde sempre: compensar a ajuda do Estado.

A comparação de Macedo tem sido sempre com os 2,5 mil milhões euros de dinheiro fresco que serviram de base à capitalização em 2017, sem incluir os outros 1,4 mil milhões de euros então conseguidos com a decisão de não pagar obrigações ao Estado (CoCos), e de incorporar uma empresa pública (Parcaixa), verbas referentes a anos anteriores e não ao esforço estatal de 2017. Incluindo-os, a devolução de dinheiro estatal está mais distante.

Porém, 2023 é o ano em que a CGD compensa, com lucros (acima dos quatro mil milhões de euros), os prejuízos verificados desde 2011 (cerca de 3,8 mil milhões de euros).

Com a apresentação dos resultados a 15 de março, ao invés do ano anterior, em que foram apresentados no início do mês, a CGD evitou que os seus lucros fossem discutidos em campanha. Todavia, os ganhos da banca foram tema, desde logo, no Partido Socialista (PS), com Pedro Nuno Santos e António Costa a mencionarem os lucros dos maiores bancos privados, com “boa saúde”, e que, por isso, não precisam da descida do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) prometida pela AD. À esquerda, foi pedida maior intervenção da CGD, para baixar preços nos créditos, enquanto à direita é a Iniciativa Liberal (IL) aponta para a sua privatização. E vários partidos falam em nova taxação sobre a banca.

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Todavia, o sucesso da capitalização tem um alto preço, a começar pela maldita reestruturação. Paulo Macedo fechou, em 2020, o plano desenhado por Bruxelas e pelo Estado, em 2016. Viu-se livre das peias da Comissão Europeia, mas deixou no banco uma força de trabalho desgastada e insatisfeita, como têm denunciado a Comissão de Trabalhadores (CT) e os sindicatos. Entre o final de 2016 e setembro de 2023, o número de trabalhadores encolheu de 8113 para 6378 (rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas e reformas), um emagrecimento de 21%. O plano estratégico apontava para um corte até aos 6650 trabalhadores na atividade em Portugal. De 717 agências restam 515. São 200 unidades a menos.

Esse plano deu azo a grande contestação. Em dezembro de 2021, houve uma greve; e, neste ano, a 1 de março, houve nova paralisação. O Sindicato dos Trabalhadores do Grupo CGD (STEC) pede à administração que tome medidas quanto à falta de pessoal e à degradação das condições de trabalho, que tem aumentado ao longo dos anos. O STEC exemplifica: “Os sistemas informáticos não funcionam, há poucos serviços de retaguarda a retirar carga administrativa aos balcões”, e há “objetivos irrealistas, face às várias realidades, crescimento do outsourcing (contratação externa) em áreas fundamentais do banco que se traduzem em mais dificuldades e precariedade laboral”. E a CT acusa a gestão de não reter talento interno e de reduzir serviços em agências. Diz que, “nos primeiros nove meses de 2023, saíram da CGD 265 trabalhadores, dos quais 71 (27% do total) rescindiram por iniciativa própria, fora do programa de Rescisões por Mútuo Acordo”. E quem sai vai “em busca de melhores condições, por falta de expectativa de progressão de carreira e exausto do desgaste diário”.

A reestruturação implicou a venda de bancos no estrangeiro, como na África do Sul, estando pendentes as alienações no Brasil e Cabo Verde (esta já foi decidida pelo Conselho de Ministros).

Para lá de tudo isto, os lucros devem-se ao aumento descomunal (ora mitigado) das cobranças por serviços prestados e à não pequena taxa da manutenção das contas à ordem. É certo que os bancos não são montepios, nem misericórdias, nem instituições de beneficência ou de caridade. Todavia, quando, por via de má gestão, por incumprimento da parte de grandes clientes (estes são sempre menos penalizados) ou por crises sistémicas, o Estado (leia-se: os contribuintes) salva a banca. Por isso, é razoável pedir-lhes moderação no lucro e maior atenção às necessidades da economia familiar e empresarial e aos grandes projetos de interesse nacional.

Neste âmbito, a CGD tem responsabilidades acrescidas, por ser o banco público e por deter as contas da grande maioria dos trabalhadores públicos e dos pensionistas (muitos deles bem pobres). Entretanto, responde com burocracia e com inúmeras restrições. Porém, erros de gestões ruinosas nunca são compensados. É a falta de memória, de provas, de tudo!   

2024.03.15 – Louro de Carvalho

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