quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Celebrar a restauração da independência é vincar a soberania

 
Desde 1823 (há 199 anos), o 1.º de dezembro é feriado nacional. Por isso, foi com geral e forte indignação que o povo reagiu à sua suspensão, juntamente com mais outros três feriados, em 2012, pelo XIX Governo Constitucional, de Passos Coelho, supostamente para “acompanhar, por esta via, os esforços de Portugal e dos Portugueses para superar a crise económica e financeira que o país atravessa”. E foi com alívio que se recebeu a recuperação destes feriados, em 2016, sob a égide do XXI Governo Constitucional, de António Costa, sendo que este feriado, dando as boas-vindas ao primeiro dia do último mês do ano, cria a oportunidade de celebrarmos a restauração da independência de Portugal, mercê do golpe de Estado de 1 de dezembro de 1640.
Pena é que a maior parte dos cidadãos se limite a aproveitar a legítima e merecida folga no trabalho e não se implique em ações de reflexão e atividades cívicas, em que se valorize a dimensão histórica e se repensem as condições atuais do exercício da soberania nacional num planeta largamente globalizado, em que as pessoas se deslocam e os capitais migram para escusos recantos paradisíacos, sepultando na pobreza milhões de pessoas e depauperando, pela evasão fiscal e pela subtração da riqueza, o erário dos Estados.
Por outro lado, os interesses financeiros e o poderio económico deslocam, a seu bel-prazer, os centros de decisão de país para país, depauperando a capacidade de decisão dos governos.       
Este dia assinala o golpe revolucionário de 1 de dezembro de 1640, designado como a Restauração da Independência, que acabou com o domínio da dinastia filipina sobre Portugal, retirando o país do domínio espanhol e colocando no trono D. João IV.
Porém, embora a revolução tenha eclodido em 1640 (há 382 anos), só em 1668 (28 anos depois) é que os espanhóis consideraram Portugal como um reino independente, com o Tratado de Lisboa, de 13 de fevereiro, que ratificou o acordo de paz perpétua entre Carlos II, de Espanha, e Dom Afonso VI, de Portugal, redigido a 5 de janeiro, pela mediação de Carlos II de Inglaterra.
Com o desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, a 4 agosto de 1578, sem deixar filhos, assumiu o trono de Portugal, o cardeal D. Henrique, seu tio-avô. Dada a sua condição clerical, não tinha descendentes (ainda houve tentativa de dispensa papal do estado de celibatário, mas sem êxito); e, como era velho e doente, o seu reinado durou só quase dois anos.
Morto o rei, em 31 de janeiro de 1580, apareceram três candidatos ao trono, sendo um deles, Filipe II, já rei de Espanha, o mais poderoso dos candidatos e tão legítimo como os outros – Filipe, D. António, Prior do Crato, e D. Catarina de Bragança eram netos de D. Manuel I.  
Apesar da resistência de Do Prior do Crato, Filipe II de Espanha, após a vitória das suas tropas na batalha de Alcântara, a 25 de agosto de 1580, torna-se rei de Portugal. Foi aclamado como Filipe I de Portugal, Cortes de Tomar, iniciadas a 16 de abril de 1581 (convocadas só para esta data, porque foi necessário deixar passar a peste), onde jurou manter a integridade do reino de Portugal. Nestes termos, não houve perda formal da independência. Era o regime de dois reinos sob uma só coroa, ou o regime da coroa dual, o que D. João II queria com Afonso, o sucessor, casado com a filha dos Reis Católicos (ele faleceu no dia do casamento). Não obstante, os sucessores (Filipe III de Espanha e Filipe II de Portugal; Filipe IV de Espanha, e Filipe III de Portugal) decretaram, para Portugal, as políticas seguidas em Espanha; e a carga fiscal crescente revertia para o fortalecimento das políticas de Espanha, gerando o depauperamento das nossas instituições e propiciando sucessivos ataques às nossas colónias, da parte da Inglaterra e da Holanda, duas potências inimigas de Espanha. Além disso, os espanhóis serviam-se das tropas portuguesas para combater nas guerras que tinham com outros países. Assim, o domínio filipino, reinante desde 1581, provocou um descontentamento cada vez maior e mais alargado contra a União Ibérica.
Por isso, um grupo de nobres, conhecidos como os “40 Conjurados”, conspirou contra o domínio filipino em Portugal e preparou um golpe palaciano, para recuperar a independência do país. E, na manhã de 1 de dezembro de 1640, cerca de 120 revoltosos invadiram o Paço da Ribeira, onde se encontravam Miguel de Vasconcelos e Margarida de Saboia, Duquesa de Mântua.
O primeiro, que representava os interesses de Espanha e foi defenestrado. Já a segunda figura, que era, à data, vice-rainha de Portugal, foi detida e levada para o Convento de Santos.
Derrubado o domínio espanhol, o 8.º Duque de Bragança, foi proclamado rei de Portugal, nas Cortes de Lisboa, iniciadas em 28 de Janeiro de 1641, com o nome de D. João IV, e devolveu a real independência política e a independência financeira e fiscal a Portugal, bem como anulou os impostos criados pela dinastia filipina.
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Um pouco pelas grandes cidades do país se festejou o dia 1 de dezembro, sendo de salientar, em Lisboa, o desfile de Bandas Filarmónicas, as Cerimónias Militares comemorativas no Palácio da Independência, e uma exposição para figurar na qual o Diário de Notícias cedeu gratuitamente parte do espólio do Arquivo do Jornal, o qual foi, neste ano, considerado “Tesouro Nacional”.  
Em nota da Presidência da República, foi dado a conhecer que o Presidente da República participaria nas cerimónias, presidindo à sessão evocativa na Praça dos Restauradores, em Lisboa, e à inauguração da referida exposição no Palácio da Independência.
Porém, a nota presidencial destaca um dado relevante e, por vezes, esquecido: a participação dos ciganos no ato da restauração naquele longínquo 1.º de dezembro de 1640: “Ao lembrar tantos portugueses, de tantas origens, que se envolveram no movimento revolucionário, o Presidente da República quer lembrar também os Portugueses de etnia cigana que, como reconheceu então o próprio Rei D. João IV, deram a vida pela nossa independência nacional.”
Na verdade, como Refere Marcelo Rebelo de Sousa, “o ‘cavaleiro fidalgo’ Jerónimo da Costa e muitos dos duzentos e cinquenta outros ciganos que serviram nas fronteiras ‘procedendo na forma de traje e lugar dos naturais’ tombaram por Portugal”. Por isso, o Chefe de Estado declarou: “Portugal lembra-os, presta-lhes homenagem e exprime a sua gratidão. Este dever de memória é de elementar Justiça e rompe com tanto esquecimento e discriminação de que os ciganos têm, infelizmente, sido alvo no nosso País.”
Entretanto, não é de menosprezar o tom da saudação com que o Presidente da República saúda este Dia da Restauração: “em que valorosos guerreiros nos deram livre a Nação, um dia importante e significativo da História de Portugal, em que o Povo Português recuperou a sua independência, num movimento no qual, com os conjurados de 40, muitos se implicaram, descontentes com a situação do País, aquém e além-mar, e com as suas condições de vida.”
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É justo celebrar a restauração da independência, mas também seria significativo comemorar a independência obtida no longínquo século XII e, ao menos formalmente nunca perdida, embora tantas vezes vilipendiada, menosprezada ou posta ao serviço de poderosos interesses privados.    
A 5 de outubro, em que celebramos, com garbo, a implantação de República em Portugal, bem poderíamos acoplar a celebração da primeva independência. Não se trata de republicanos versus monárquicos. Na ocasião, o regime estabelecido nos povos europeus era a monarquia e, em Portugal, com larga implantação municipalista. Por outro lado, o funcionamento das Cortes, embora tivessem papel consultivo, era uma forma de limitação prática do poder régio, até que se instalou o absolutismo e o centralismo (deste ainda não nos livrámos).
O Tratado de Zamora, resultante da conferência de paz entre D. Afonso Henriques e o primo, Afonso VII, de Leão, pondo termo às lutas, após a batalha de Ourique, em 1139, entre o príncipe e o imperador de toda a Espanha, foi assinado a 5 de outubro de 1143 (já lá vão 879 anos). Por isso, alguns historiadores consideram a assinatura do tratado como a declaração de independência de Portugal e o início da dinastia afonsina ou dinastia de Borgonha.        
D. Afonso Henriques beneficiou da ação desenvolvida, em prol da constituição do Reino de Portugal, pelo arcebispo de Braga, D. João Peculiar, que procurava conciliar os dois primeiros e fez com que os seus líderes se encontrassem em Zamora nos dias 4 e 5 de outubro daquele ano, na presença do cardeal Guido de Vico, representante do Papa.
Nos termos do tratado, Afonso VII concordou que o Condado Portucalense passasse a Reino e que Afonso Henriques fosse o seu rei (rex). A soberania portuguesa, reconhecida por Afonso VII, só foi confirmada pelo Papa Alexandre III em 1179, mas o título de rex, que Afonso Henriques usava desde 1139, foi confirmado em Zamora, comprometendo-se o monarca, ante o cardeal, a considerar-se vassalo da Santa Sé, obrigando-se, por si e pelos seus descendentes, ao pagamento do censo anual de quatro marchas de ouro.
A 23 de maio de 1179 o Papa emitiu a bula Manifestis probatum, em que aceitou que Afonso Henriques lhe prestasse vassalagem direta e reconheceu a independência de Portugal, sem vassalagem a D. Afonso VII de Leão (pois nenhum vassalo podia ter dois senhores diretos) e Afonso Henriques como o nosso primeiro rei, ou seja, Afonso I, de Portugal. A partir daí, o rei nunca mais pagou o censo anual estipulado.
Temos opção pelo 5 de outubro ou pelo 23 de maio. Por mim, que não sou monárquico, iria pelo 5 de outubro. Não era necessário criar outra festa ou feriado, mas carregar mais o 5 de outubro.

2022.12.01 – Louro de Carvalho

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