quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O imbróglio em torno da TAP sabe a hipocrisia e a luta política

 

Os políticos e a sociedade escandalizaram-se porque Alexandra Reis, que percebia um vencimento anual de 350 mil euros, saiu da administração da companhia aérea nacional, em fevereiro de 2022, com a indemnização de 500 mil euros. O secretário de Estado das Infraestruturas soube da indemnização, porque a empresa, maioritariamente pública, lho comunicou, não tendo o governante visto qualquer inconveniente.

Pelos vistos, ninguém comunicou tal facto ao então ministro das Finanças, João Leão, que tinha a tutela financeira da companhia aérea. Não se sabe se o ora demissionário ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, teve conhecimento do facto. Manda a presunção que se admita que não sabia. Não obstante, a TAP comunicou ao regulador, a Comissão dos Mercados Mobiliários (CMVM), que a ex-administradora saiu por iniciativa da empresa, no âmbito da reestruturação, ficando estipulado, para efeitos internos e externos, que Alexandra Reis renunciou. E, esgrimida a verdade, conclui-se que a presidente da comissão executiva (CEO) e a administradora em causa se incompatibilizaram. Porém, em vez de a CEO ter imposto a exoneração, terá solicitado que a dispensada assinasse a renúncia.

Se Alexandra Reis foi despedida sem justa causa (por exemplo, por capricho da administração), tinha direito a indemnização nos termos da lei ou do contrato, quer viesse para a inatividade, quer viesse para outra atividade privada ou pública, incluindo o exercício de funções governativas; se assinou a renúncia, a menos que se prove que houve coação, não tinha direito a qualquer indemnização. Qualquer cláusula contratual que ultrapassasse estes dados deveria ser considerada não escrita. Assim, tudo o que anda para aí é hipocrisia da pura e chicana política.

É óbvio que é criticável um pedido de cerca de um milhão e meio de euros, mas não sei se o montante fixado da indemnização está de acordo com o teor do contrato. Aduzir, em questões contratuais, decoro, estética ou ética é dar lições aos outros e arrecadar para si os benefícios.

Cabia aos serviços jurídicos da TAP (não se percebe porque a empresa recorreu a uma sociedade de advogados, em que a figura de proa é um irmão de Marcelo Rebelo de Sousa) orientar as conversações para a eventual indemnização.

É claro que, se a TAP mentiu à CMVM, é preciso tirar as consequências contra a própria TAP.

Os sinos tocaram a rebate perante o escândalo e a finados pelo governo “maioritário” de António Costa. O escândalo custou a demissão da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, do ministro da Habitação e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e do secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes.

Para a demissão de Pedro Nuno Santos e de Hugo Santos Mendes, na sequência da imposição de Fernando Medina a Alexandra Reis para que apresentasse o pedido de demissão, o que a então governante fez com prontidão, contribuiu a opinião pública, a oposição política e o próprio Presidente da República (PR). Este pressionou, em público, o Governo a avaliar se a saída de Alexandra Reis é suficiente para estancar o rombo na imagem do Executivo. “Se for necessário ir mudando, muda-se”, afirmou, enquanto aguardava esclarecimentos de Pedro Nuno Santos e de Fernando Medina, que tinham, entretanto, questionado a TAP sobre o processo. Enfim, o PR avisou que “a renovação (no Executivo) é [tanto] mais intensa quanto maior é o escrutínio” e abriu a porta a eventuais novas mexidas na equipa de António Costa.

Referindo que importa que o Governo se concentre no ano “muito importante” de 2023, em que é preciso executar com eficácia os fundos europeus, o chefe de Estado garantiu manter-se atento e fiscalizador (A fiscalização do Governo cabe ao Parlamento!). E rematou: “Se para isso for necessário ir mudando o Governo, muda-se. Se basta o que já se mudou, veremos se é suficiente.”

Entretanto, passado pouco tempo da saída de Alexandra Reis da companhia aérea nacional, Pedro Nuno Santos convidou-a para presidente da NAV Portugal (empresa estatal que controla o tráfego aéreo), também sob a tutela do ministro das Infraestruturas.

A oposição  insistia em ter respostas dos ministros envolvidos no caso e o Chega apontou ao ministro das Infraestruturas. Dificilmente Pedro Nuno Santos tem condições” para se manter no Governo, disse André Ventura, à saída de uma visita ao Hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa. O Partido do Centro Democrático Social (CDS) quer que o PR dissolva o Parlamento (mas a maioria parlamentar não se desfez, antes se mantém sólida); a Iniciativa Liberal anunciou que vai apresentar uma moção de censura parlamentar ao Governo; e Santana Lopes entende que o PR deve encarregar António Costa de formar novo governo (difícil, pois era preciso demonstrar que as instituições democráticas não funcionam).

No entanto, Pedro Nuno Santos pediu parecer à Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) para Alexandra Reis ser presidente da NAV. E João Bilhim, ex-presidente da CReSAP, diz que, se tivesse ele conduzido o processo teria dado um “adequado condicionado”, por a gestora ter recebido uma indemnização (o que a CReSAP escamoteou). Uma posição pouco esclarecedora! É ridículo justificar, dizendo que era “para alertar a comunicação social e a opinião pública para dois aspetos: a passagem de um regulado [a TAP] para um regulador [a NAV] e a existência de uma indemnização”.

O pedido de parecer sobre o perfil da gestora entrou na CReSAP a 11 de abril de 2022 e o parecer foi emitido 15 dias depois, a 26 de abril. O contrato de Alexandra Reis com a TAP terminou a 28 de fevereiro, mas o acordo de renúncia, com a cláusula de indemnização, foi assinado a 4 de fevereiro, ou seja, 10 semanas antes de o nome ser apresentado à comissão que avalia os cargos dirigentes da função pública e os gestores públicos. A gestora iniciou o cargo na NAV em julho e cessou no início de dezembro de 2022, quando foi nomeada secretária de Estado do Tesouro.

O Partido Social Democrata (PSD) exigiu, não só o despacho de nomeação de Alexandra Reis, mas também o parecer da CReSAP.

O parecer considerou o perfil da gestora como “adequado” às funções, após a avaliação curricular, a avaliação de competências e a avaliação em entrevista. Porém, Bilhim, como aconteceria em entrevista para empresa privada, perguntaria “em que circunstâncias saiu a candidata da empresa anterior e se foi ou não por mútuo acordo”. A pergunta seguinte era “se tinha havido lugar a indemnização”, pois o lugar em causa é numa empresa pública e o anterior também.

O antigo responsável pela seleção dos altos quadros da administração pública recorda que, no passado, deu dois “adequados condicionados” a quadros da TAP que saíram para a NAV, pelo facto de passarem para o regulador do setor em que trabalhavam. Não tiveram parecer negativo só porque não há muita gente em Portugal que perceba de navegação aérea. Se a questão da indemnização não foi falada na entrevista, devia tê-lo sido e constar do parecer. Aí concordo.

Sem mencionar essas fragilidades, a CReSAP concluiu que, “ao nível comportamental e no que toca às competências de liderança, o teste realizado revela uma pessoa que tende a alcançar um maior desempenho em culturas organizacionais participativas, democráticas e estruturadas, mas que poderá ter dificuldade em assumir o controlo das situações e em tomar decisões se não tiver a certeza dos factos”. Se a democraticidade interna era uma referência implícita à TAP ou a uma má relação com a presidente do conselho de administração, isso não é esclarecido no parecer.

Segundo o documento, Alexandra Reis “comunica de forma eficiente, tanto ao nível verbal como escrito, e transmite uma boa impressão”. E o parecer anota que “existem evidências da presença de competências técnicas e comportamentais que sustentam uma apreciação positiva para o desempenho do cargo em causa”.

***

Demissões feitas, o Partido Socialista (PS) dá o caso por esclarecido e encerrado. E Ana Gomes, do PS, pensa que Pedro Nuno Santos, que deixa muita coisa por fazer no Executivo, tem agora tempo para se preparar para assumir, no futuro, a liderança partidária e reperspetivar o partido. Já os comentadores escalpelizam as fragilidades da atual maioria absoluta, assentes em argumentos de cansaço do primeiro-ministro e incapacidade de alguns governantes. Esquecem que as maiorias são objeto de forte ataques, de agitação social e de contestação organizada. Já se esquecem das dificuldades políticas por que passaram Cavaco Silva e José Sócrates (o primeiro, em ascensão até ao desgaste; o segundo, em declínio até à minoria e à derrota).

Contudo, a não ser o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) – que pretende a demissão do Chairman e da CEO da TAP, por motivos de responsabilidade organizativa e funcional –, ninguém questiona o que se passa na transportadora aérea. Se Alexandra Reis percebia um vencimento bruto anual de 350 mil euros e recebeu uma indemnização de 500 mil euros, que indemnização receberia, se fosse exonerada, a CEO, que tem um vencimento bruto anual de 504 mil euros? E que dizer do Chairman e dos demais elementos do Conselho de Administração?

Com estas demissões resolveu-se o pandemónio que vai na TAP de um país pobre? É óbvio que a exploração predadora continua. Os políticos demitem-se, mas os administradores ficam.

O PR, que não devia tomar partido, a menos que um segundo mandato o legitime, fica tranquilo com a autopunição do ministro, que sai, não a coberto da pior polémica, a da localização do aeroporto. Já esquecia: “uma coisa é o Presidente, outra é a família”. Para Pedro Nuno Santos, Ana Abrunhosa e Manuel Pizarro o critério não é válido. E parece que Alexandra Reis só foi “crucificada” por ter ido da TAP para o Governo: o caso da NAV só veio retocar o “poema”.

Paguem mal aos políticos, criem muitas incompatibilidades e impedimentos legais e éticos, que teremos governantes e deputados cada vez mais medíocres, importados dos aparelhos partidários!

2022.12.29 – Louro de Carvalho

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