domingo, 11 de dezembro de 2022

“Alegrai-vos, pois a libertação está a chegar”

 

A meio da caminhada adventícia para o Natal, surge o 3.º domingo do Advento no Ano A como o domingo da Alegria. Lembrando-nos a proximidade da intervenção de Deus, a liturgia acende a esperança no coração: “Não vos inquieteis; alegrai-vos, pois a libertação está a chegar.”

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Na 1.ª leitura (Is 35,1-6a.10), o profeta anuncia a chegada de Deus, para dar a vida nova ao Povo, para o libertar e para o conduzir, em alegria e festa, para a terra da liberdade.

Em pequena réplica do “grande apocalipse de Isaías”, nos capítulos 24-27, o “pequeno apocalipse de Isaías”, dos capítulos 34-35, descreve os últimos combates de Javé contra as nações, sobretudo contra Edom, e a vitória definitiva do Povo de Deus. É relacionável com o teor dos capítulos 40-55, cujo autor é o Deuteroisaías que atuou na Babilónia entre os exilados, na fase final do Exílio, e vem separado do seu ambiente natural, talvez atraído pelas peças escatológicas de Is 28-33.

Depois de apresentar o julgamento de Deus e o castigo de Edom, o autor descreve a transformação extraordinária do deserto, por onde vão passar os israelitas que regressam do Exílio. O objetivo é consolar os exilados desanimados, porque a libertação tarda e parece que Deus os abandonou. O capítulo 35 configura uma “ode à alegria” para acordar a esperança e para revitalizar o ânimo dos exilados. E a razão da alegria é vinda de Deus a fazer justiça: Ele vai intervir na história, salvará Judá e abrirá uma estrada no deserto para que o Povo possa regressar em triunfo a Sião.

O profeta incita a natureza a preparar-se para a ação de Deus em favor do Povo: deserto e descampado são instados a revestirem-se de vida abundante (como o Líbano, o monte Carmelo ou a planície do Sharon, zonas de vida e de fecundidade) e a ornarem-se de flores de todas as formas e cores. A natureza manifestará a sua alegria pela intervenção do Senhor e será o cenário adequado para a intervenção benfazeja de Deus. Além disso, a magnificência das árvores e das plantas será a imagem da glória e da beleza do Senhor e falará a todos da grandeza de Deus, da sua capacidade para fazer brotar vida onde só há morte e desolação. Depois, o profeta dirige-se aos homens. Nada de desânimo ou de baixar os braços, pois o Senhor vem libertar o Povo. Os exilados devem associar-se à natureza nessa corrente de alegria, pois veio a libertação.

Em resultado da iniciativa libertadora de Deus, abrir-se-ão os olhos dos cegos e desimpedir-se-ão os ouvidos dos surdos. O coxo andará e saltará como o veado e o mudo falará e cantará de alegria. A ação de Deus é verdadeiramente transformadora e geradora de vida em abundância. Agora, a marcha do Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade será o novo êxodo, com a repetição das maravilhas operadas por Deus libertador no primeiro êxodo. Contudo, este será ainda mais grandioso, quanto à ação de Deus, e será uma peregrinação festiva, plena de alegria, uma vez que será o reencontro com Sião, a felicidade e a alegria sem fim.

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O Evangelho (Mt 11,2-11) descreve, de forma sugestiva, a ação de Jesus, o Messias esperado e que dá a vista aos cegos, fará que os coxos recuperem o movimento, curará os leprosos, fará com que os surdos ouçam, ressuscitará os mortos, anunciará aos pobres o Reino da justiça e da paz.

Na secção precedente (cf Mt 4,17-11,1), Mateus apresentou, de forma sistemática, o anúncio do Reino, nas palavras e nos gestos de Jesus, que os discípulos difundem. Agora, começa a secção em que o evangelista mostra as atitudes que as distintas pessoas ou grupos assumirão ante Jesus (cf Mt 11,2-12,50). A narração é retomada com a pergunta dos enviados de João Batista, preso a mando de Herodes Antipas, a quem havia criticado por viver maritalmente com a cunhada: Jesus é mesmo o que está para vir? João esperava um Messias que lançasse fogo à terra, castigasse os maus e os pecadores, desse início ao “juízo de Deus”. Ao invés, Jesus aproxima-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estende-lhes a mão, mostra-lhes o amor de Deus, oferece-lhes a salvação, o que desconcerta João e os seus discípulos: Jesus será o Messias esperado ou é preciso esperar um outro que atue de uma forma mais decidida e mais justiceira?

Para Mateus, João é o precursor que preparou os homens para acolherem Jesus. É provável que, nesta apresentação, se queira dirigir aos discípulos de João que se mantinham ativos quando foi escrito o Evangelho. Mateus pretende que eles adiram à proposta cristã e entrem na Igreja.

Acima de tudo, Jesus responde à pergunta de João e dá a entender que é o Messias; depois, faz a apreciação da figura e da ação profética de João.

Jesus tem plena consciência de que é o Messias. E, para responder a João, não aponta o que prega, mas o que faz. E isso corresponde ao conjunto de citações de Isaías que definem, na perspetiva profética, a ação do Messias enviado de Deus: dar vida aos mortos, curar os surdos, dar vista aos cegos, dar liberdade de movimentos aos coxos, anunciar a Boa Nova aos pobres. Ora, se Jesus faz estas obras, é o Messias, enviado por Deus para libertar os homens e para lhes trazer o Reino. A mensagem e os gestos de Jesus contêm a proposta libertadora que Deus faz aos homens. O messianismo vale pelas obras e estas correspondem ao que o Messias prega. João não pergunta o que Jesus prega, mas o que faz, e Jesus dá testemunho das suas obras, que exprimem o que prega.

Na apreciação do Batista por Jesus, Mateus recorre a um conjunto de perguntas que instam os ouvintes a uma resposta. A resposta às duas primeiras é negativa: João não é pregador cuja mensagem segue as modas, nem um elegante que vive no luxo. A resposta à terceira é positiva: João é um profeta e mais do que um profeta. A declaração, que se inicia com uma referência à Escritura (cf Ex 23,20; Ml 3,1), pretende clarificar a relação entre ambos e o lugar de João no Reino: João é o precursor do Messias; é Elias, o que tinha de vir antes, a preparar o caminho para o Messias (cf Ml 3,23-24). Entre os filhos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, mas os que entram no Reino pelo seguimento de Jesus (mesmo o menor) são mais do que Ele.

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A segunda leitura (Tg 5,7-10) convida-nos a não deixar que o desespero nos envolva enquanto esperamos e aguardarmos a vinda do Senhor com paciência e confiança.

A Carta de Tiago é um escrito de um tal Tiago (cf Tg 1,1), que a tradição liga a Tiago “irmão” do Senhor, que presidiu à Igreja de Jerusalém e de quem os Evangelhos falam, acidentalmente, como filho de Maria (cf Mt 13,55;27,56). Teria morrido decapitado em Jerusalém no ano 62. No entanto, a atribuição da carta a essa personagem levanta dificuldades. O mais certo é estarmos perante um outro Tiago, desconhecido até agora, pois Tiago, filho de Alfeu, de que se fala em Mc 3,18 e lugares paralelos, e Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, de que se fala em Mc 1,19 e lugares paralelos, também não se encaixam neste perfil. É, porém, um autor que escreve em excelente grego, recorrendo à diatribe – muito usada na filosofia popular helénica. Inspira-se na literatura sapiencial, para extrair lições de moral prática, mas depende também dos ensinamentos do Evangelho. É um sábio judeo-cristão que repensa, de forma original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que encontraram na boca de Jesus.

A carta foi enviada “às doze tribos que vivem na Diáspora” (Tg 1,1). A expressão aludirá a cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina – Síria ou Egipto – mas a carta dirige-se a todos os crentes, exortando-os a não perderem os valores cristãos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo. Denuncia, sobretudo, certas interpretações abusivas da doutrina paulina da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e ataca com extrema severidade os ricos.

O trecho em referência pertence à terceira parte da carta (Tg 3,14-5,20), em que o autor apresenta, num conjunto de desenvolvimentos e de sentenças aparentemente sem ordem nem lógica, indicações concretas para uma vida cristã mais autêntica.

Após a violenta denúncia dos ricos que oprimem os pobres e enriquecem retendo os salários dos trabalhadores, a carta dirige-se aos pobres, convidando-os a esperar com paciência a vinda do Senhor, tal como o agricultor, que, depois de ter feito o seu trabalho, fica pacientemente, mas cheio de esperança, à espera de que a terra produza os seus frutos. Todo o enquadramento está dominado pela perspetiva da vinda do Senhor.

A grande questão é que os pobres vivem na intolerável situação de exploração e de injustiça, mas não podem resolver o problema com queixas e violência. Devem, antes confiar em Deus e esperar a intervenção que os libertará. A paciência e a espera confiada no Senhor são as atitudes corretas quando se prepara a intervenção final de Deus na história. Em todo o caso, não se pode entender a exortação de Tiago como um apelo à passividade, a cruzar os braços, a demitir-se da luta pelo mundo melhor. O que sobressai é o apelo à confiança no Senhor e a não embarcar no esquema injusto e violento dos opressores, pois eles confiam nas riquezas, não no Senhor. Acentua-se a esperança que alumia o coração que sofre: a libertação está a chegar. Emerge o tom profético.

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Por fim, uma reflexão em torno do texto de Santo Agostinho “João é a voz, Cristo, a Palavra”, do Ofício de Leitura no 3.º domingo do Advento:

“João era a voz, mas o Senhor, no princípio, era a Palavra. João era a voz passageira, Cristo, a Palavra eterna desde o princípio. Suprimi a palavra, o que se torna a voz? Esvaziada de sentido, é só um ruído. A voz sem palavra ressoa ao ouvido, mas não alimenta o coração. Entretanto, mesmo quando se trata de alimentar os nossos corações, vejamos a ordem das coisas. Se penso no que vou dizer, a palavra já está no meu coração. Se quero, porém, falar contigo, procuro o modo de fazer chegar ao teu coração o que já está no meu.

Procurando então como fazer chegar a ti e penetrar no teu coração o que já está no meu, recorro à voz e, por ela, falo contigo. O som da voz faz-te entender a palavra; e quando te fez entendê-la, desapareceu, mas a palavra que ele te transmitiu permanece no teu coração, sem haver deixado o meu. Não te parece que esse som, depois de haver transmitido minha palavra, está a dizer: É necessário que ele cresça e eu diminua? A voz ressoou, cumprindo a sua função, e desapareceu, como se dissesse: Esta é a minha alegria, e ela é completa. Guardemos, pois, a palavra; não percamos a palavra concebida no nosso íntimo.

Queres ver como a voz passa e a palavra divina permanece? Que foi feito do batismo de João? Cumpriu a sua missão e desapareceu; agora é o batismo de Cristo que está em vigor. Todos cremos em Cristo e esperamos dele a salvação: foi o que a voz anunciou.

Porque é difícil não confundir a voz com a palavra, julgaram que João era o Cristo. Confundiram a voz com a palavra. Mas a voz reconheceu o que era, para não prejudicar a palavra. Eu não sou o Cristo, disse João, nem Elias nem o Profeta. Perguntaram-lhe então: Quem és tu? Eu sou, respondeu ele, a voz que grita no deserto: “Aplainai o caminho do Senhor”. É a voz do que grita no deserto, do que rompe o silêncio […], como se dissesse: “Sou a voz que se faz ouvir apenas para levar o Senhor aos vossos corações. Mas Ele não se dignará vir aonde o quero levar, se não preparardes o caminho”. O que significa: Aplainai o caminho, senão: Orai como se deve orar? O que significa ainda: Aplainai o caminho, senão: Tende pensamentos humildes? Imitai o exemplo de João. Julgam que é o Cristo e ele diz não ser aquele que julgam; não se aproveita do erro alheio para uma afirmação pessoal. Se tivesse dito: “Eu sou o Cristo”, teriam acreditado nele, pois já era considerado como tal antes que o dissesse. Mas não disse. Ao invés, reconheceu o que era, disse o que não era, foi humilde. Viu de onde lhe vinha a salvação; compreendeu que era uma lâmpada e temeu que o vento do orgulho pudesse a apagar.”

2022.12.11 – Louro de Carvalho

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