quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Plano Geral de Drenagem de Lisboa como solução para as cheias?

 

A 7 de dezembro, o gravoso temporal que se abateu sobre a Grande Lisboa, deixou as autoridades e a população em pânico. Nunca tinha chovido tanto em tão pouco tempo. Os prejuízos terão sido avultados e houve algumas vítimas humanas. Porém, o temporal não desistiu e, na semana seguinte, a dose dos prejuízos, tendo atingido praticamente todo o país, repetiu-se com veemência inusitada na martirizada região.   

Face ao ocorrido, o apelo das autoridades era à permanência das pessoas em casa. Ao mesmo tempo, emergiram das abundantes e barrentas águas as habituais explicações da inevitabilidade da catástrofe e do desordenamento do território – a que se juntaram os fenómenos meteorológicos extremos por via das alterações climáticas. E as críticas atingiram a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), que não avisou a população e a não concretização do Plano Geral de Drenagem de Lisboa (PGDL), por desinteresse dos políticos.  

Embora convenientes, os avisos da ANEPC não resolvem; o que resolve é a prontidão de resposta às ocorrências. E o PGDL sofre das vicissitudes das grandes obras: é complexo, caro, incómodo, não dá votos e, provavelmente, não bastará para conter o ímpeto dos temporais.             

A ocorrência de cheias e inundações é recorrente no Alentejo, na Beira Litoral, no Ribatejo e no Algarve, mas é crónica e devastadora na Grande Lisboa. Quem não sabe o que se passou em 1967, com a onda de destruição e mortandade que assolou o concelho de Lisboa e os limítrofes?  

O PGDL é o primeiro plano geral de saneamento da capital das últimas cinco décadas, depois dos estudos de Eduardo Arantes e Oliveira, em 1941, e de Pedro Celestino da Costa, em 1955.

Entre 2002 e 2022, Lisboa conta seis presidentes de câmara – Santana Lopes, Carmona Rodrigues, Marina Ferreira, António Costa, Fernando Medina e Carlos Moedas –, alternando entre Partido Social Democrata (PSD) e Partido Socialista (PS), mas com este a governar nos 14 destes 20 anos.

Em fevereiro de 2006, Carmona Rodrigues anunciou a elaboração de um plano de drenagem (ideia iniciada em 2002), para melhorar a gestão das redes de esgotos e minimizar problemas como as inundações e a poluição, sendo o primeiro plano geral de saneamento da capital dos então últimos 40 anos. Em março de 2008, com António Costa, o executivo discutia um plano de drenagem e estudava se a equipa do consórcio Chiron/Engidro/Hidra iria ter luz verde para desenvolver as soluções para a rede de saneamento da capital, com um custo estimado em 140 milhões de euros.

O estudo apontava para a construção de quatro grandes reservatórios e de um túnel entre a Almirante Reis e Santa Apolónia, classificando como prioritárias as intervenções na zona de Alcântara, área da cidade particularmente afetada pelas cheias.

Em outubro de 2010, após a ocorrência de inundações na cidade, o PSD acusou António Costa de “não considerar as obras no saneamento de Lisboa uma prioridade” e exigiu a implementação urgente do Plano Geral de Drenagem, recordando que o mesmo foi pedido em 2006, quando a autarquia era liderada pelo PSD, e a elaboração ficou concluída em 2008. E o edil justificou o atraso na implementação do plano de drenagem com a falta de condições da Câmara para assegurar o investimento de 160 milhões de euros.

Três anos depois, em 2013, o presidente socialista afirmou que era “preciso executar” o plano, não tanto pelas cheias – que disse não terem causado problemas graves nos últimos anos – mas pela “gestão mais ecológica e eficiente” da água. E, em 2014, admitiu recorrer ao Fundo de Coesão (FC) para financiar o plano, que envolveria o referido investimento. Nesse ano, em outubro, houve inundações na cidade e, em resposta às críticas da oposição, afirmou: “O plano de drenagem não faz desaparecer estas situações. A solução não existe.”

Em julho de 2015, com Fernando Medina, foi apresentado o Plano Geral de Drenagem de Lisboa 2016-2030, para construir, até 2019, dois túneis, um entre Santa Apolónia e Monsanto e outro entre Chelas e o Beato, para combater as inundações na cidade, um custo de 170 milhões de euros.

Após a discussão de como financiar a obra sem fundos da União Europeia (UE), a alteração do investimento e o lançamento de concursos públicos para a implementação do PGDL, o município aprovou, em 2017, a contratação do empréstimo de 100 milhões de euros com o Banco Europeu de Investimento (BEI), o primeiro de um total de 250 milhões de euros.

O engenheiro José Silva Ferreira, coordenador do projeto, disse, em fevereiro de 2019, que as obras começariam no primeiro semestre de 2020 e estimou, em setembro de 2019, que os túneis entre Monsanto e Santa Apolónia e entre Chelas e o Beato estariam concluídos em 2024.

Em dezembro de 2020, a Câmara aprovou a adjudicação da empreitada de construção dos dois túneis, no valor de cerca de 133 milhões de euros.

Após as eleições autárquicas de 2021, o executivo municipal requereu ao Governo a declaração de utilidade pública, “com caráter de urgência”, da expropriação de imóveis e da constituição de servidões administrativas, para a implementação do Plano Geral de Drenagem 2016-2030.

Em julho deste ano, a autarquia viabilizou a contratação, junto do BEI, de um empréstimo de até 90 milhões de euros, a última parcela do empréstimo-quadro de 250 milhões. Depois, a Câmara informou que as obras para a construção dos dois túneis começariam em setembro, na zona de Campolide, sem indicar datas concretas, mas antecipando condicionamentos no trânsito.

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É de registar que, em 2008, o arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, em declarações à agência Lusa, defendia a recuperação das ribeiras e a retenção a céu aberto das linhas de água através de pequenas barragens. Sem comentar as soluções propostas, por desconhecer o plano, adiantava que a “manutenção das ribeiras, a céu aberto, e não como canalizações, é uma solução barata” para a prevenção de cheias. Além disso, propunha a construção de uma bacia de retenção à saída de Amadora, para acabar com as frequentes inundações na zona de Alcântara.

O plano de drenagem, então apresentado, previa construção de um túnel de um quilómetro, com profundidade de 65 metros, entre o Martim Moniz e Santa Apolónia, como expôs o engenheiro José Saldanha Matos, da Hidra. Era solução de “transvase” devido à impossibilidade de se fazer um reservatório na zona. A par disso, previa a construção de quatro grandes reservatórios “para atenuação dos caudais máximos”, construção ou reconstrução de coletores com falta de capacidade de escoamento, aumento da capacidade elevatória da zona ribeirinha, entre outras medidas. Na bacia de Alcântara, previa a construção de um reservatório, na zona de Benfica-Campolide, e de outro no ramal das Avenidas Novas. Previa a construção de quatro comportas, junto ao centro comercial Fonte Nova, junto ao largo General Sousa Brandão, junto à rua Inácio de Sousa e em São Domingos de Benfica. E previa a construção de reservatórios no Intendente, no Vale de Chelas e na zona da Avenida de Berlim e Infante D. Henrique.

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O PGDL é apontado como uma obra importante para enfrentar cheias e inundações na capital, mas as grandes intervenções, como a construção de túneis, só arrancaram este ano. “Nós não evitamos cheias. Temos é que estar preparados para elas”, dizia, em outubro de 2002, Carmona Rodrigues, vice-presidente da Câmara, referindo que o município estava a preparar um plano para minimizar os efeitos das cheias em Lisboa. Porém, as inundações da noite de 7 de dezembro na capital, em particular na zona de Alcântara, Baixa, Campo Grande, Campo Pequeno e Benfica, voltaram a trazer à tona a importância da concretização do PGDL, com o presidente da Câmara, Carlos Moedas, a prometer a construção dos dois túneis até 2025, considerando que, se a empreitada já tivesse feita, as situações de cheias registadas não teriam acontecido.

Com o período de execução 2016-2030 e o investimento total de cerca de 250 milhões de euros, o PGDL é a obra invisível que protegerá a cidade para os impactos das alterações climáticas, nomeadamente para evitar cheias e inundações; permitir a reutilização de águas para alimentar e reforçar a rede de rega de espaços verdes, a lavagem de ruas e as redes de combate a incêndios; e diminuir a fatura da água potável. Considerado a obra municipal de maior envergadura alguma vez levada a cabo pela Câmara, o PGDL prevê a construção de dois grandes túneis de drenagem para transvase de bacias, numa empreitada de cerca de 133 milhões de euros e que se prevê concluída no início de 2025. Um deles começa em Campolide (na Quinta José Pinto) e sai em Santa Apolónia, com a extensão de cerca de cinco quilómetros, e o outro será construído a partir do Beato, na Avenida Infante D. Henrique (perto da Rua do Açúcar), até Chelas (perto do Convento de Chelas), com a extensão de um quilómetro. A obra terá sete estaleiros (Campolide, Avenida da Liberdade, Rua de Santa Marta/Barata Salgueiro, Avenida Almirante Reis/Rua Antero de Quental, Santa Apolónia, Chelas e Beato) e apresentará condicionamentos à superfície.

Dada a sua complexidade, garantem-se as condições possíveis em termos de condicionamentos, mantendo circuitos pedonais, acessibilidades, mobilidade suave, e serão atenuados os impactos no trânsito da cidade, em particular garantindo condições de operação aos transportes públicos, corredores de emergência e de socorro. O trabalho, feito ligação com a União de Associações do Comércio e Serviços (UACS) e com a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), é acompanhado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).

Sobre os impactos da perfuração nos edifícios à superfície, a Câmara sustenta que a tuneladora opera à profundidade média de 30 a 40 metros e não se prevê qualquer dano em qualquer imóvel. A construção dos dois túneis será feita com a tuneladora H2OLisboa, fabricada na China, que tem 130 metros de comprimento e “avança cerca de 10 metros por dia”.

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São múltiplas as causas das cheias: a forte pressão urbana, sobretudo desde 1960, traduzida pelo aumento da área construída, incluindo as áreas urbanas ilegais; o desordenamento do território daí resultante; o aumento do escoamento superficial e da carga sólida transportada (destruição do coberto vegetal, aumento de erosão das vertentes, impermeabilização dos solos); o incremento da vulnerabilidade decorrente da ocupação indevida dos leitos de cheia (areias e outros inertes) e, dos leitos menores dos cursos de água; maior impermeabilização do solo; tempestades com origem no mar; degelos nas serras; e a diminuta altura e espessura do molhe do Tejo.

Por isto e porque a Grande Lisboa precisava de um plano intermunicipal, pois as linhas de água impedidas e atreitas ao transbordo têm muitas proveniências, o PGDL não será suficiente. Porém, é de saudar que, a par do escoamento das águas, se montem mecanismos eficazes de retenção e reutilização das mesmas. Aguardemos em crítica ativa e cooperante.

2022.12.13 – Louro de Carvalho

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