sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Governo custeia (!) travão ao aumento brutal das portagens

 

A 22 de dezembro de 2022, de acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei que impõe a limitação do aumento das portagens, para 2023, em 4,9%, bem como o mecanismo de repartição de responsabilidades.

Quer isto dizer que, em resposta às concessionárias que se propunham, se o Governo nada fizesse, aumentos entre 9,5% e 10,5%, o Estado ficará com o encargo de 2,8%, os utilizadores pagarão mais 4,9% e as empresas renunciarão à restante fração do aumento (entre 9,5% e 10,5%, conforme as concessionárias). E, além dos 2,8% a suportar pelo Estado ao longo do tempo da concessão, em matéria de compensações para empresas, Pedro Nuno Santos, ministro da Habitação e das Infraestruturas, assinalou um pormenor: nos quatro anos posteriores (entre 2024 e 2027), as concessionárias podem aumentar as portagens em 0,1% adicional face à taxa de atualização a que têm direito pela aplicação dos contratos.

É nisto que assenta o mecanismo de repartição de responsabilidades. Ironia legal, para dizer que os contribuintes que não utilizam autoestradas e pontes portajadas participam nos custos de viagem e de transporte dos cidadãos utilizadores, o que foi duramente criticado quando os governos de António Guterres criaram o mecanismo de construção de estradas sem custos para o utilizador (SCUT), no sistema de parcerias público-privadas (PPP), à luz do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de outubro, cabendo, teoricamente, às empresas de construção e de manutenção as verbas correspondentes ao volume de tráfego das mesmas SCUT no futuro. Na prática, era o Estado que arcava com os custos. Tal situação foi revertida pelos governos seguintes, pois o Orçamento do Estado dificilmente poderia responder às exigências do estabelecido.

Agora, como sustentou Pedro Nuno Santos, em declarações aos jornalistas no Fundão, no dia 22 de dezembro, o coletivo aprovou a subida de 4,9% (inferior a metade do que as concessionárias tinham solicitado), pois o valor proposto era “insuportável”. É, no dizer do ministro, “uma solução equilibrada que partilha responsabilidades entre utilizadores, Estado e concessionárias”.

Já na conferência de imprensa após Conselho de Ministros, Pedro Nuno Santos avançou que o Governo aprovou um travão ao aumento das portagens, fruto de acordo com as concessionárias. Com efeito, estas manifestaram-se disponíveis para negociar o valor com o Governo, tendo em conta a crise inflacionista que o país atravessa.

Porém, o ministro, dizendo que os contratos preveem “a possibilidade de o Estado intervir e controlar o aumento das taxas de portagens”, esquece que o Estado só tem o dinheiro que retira aos cidadãos. E este encargo para o Estado é de 140 milhões de euros. Portanto, uma boa parte do aumento das portagens é suportada pelos contribuintes, muitos deles altamente sobrecarregados com impostos, e os utilizadores, que também são contribuintes, pagam a parte de leão do aumento.   

A percentagem de cerca de 10% que as concessionárias propuseram decorre da fórmula constante dos contratos de concessão com o Estado e tem por base a inflação, que atingiu, neste ano, valores inesperados. Por isso, o ministro dizia que este “aumento era insuportável, mas também há contratos e tentámos encontrar uma solução equilibrada que permitisse um aumento menor”. Ou seja, o Governo recusou o aumento proposto, mas não ignora os contratos de concessão.

Aliás, o Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de outubro, determina que a variação a praticar em cada ano tem como referência a taxa de inflação homóloga, sem a habitação no Continente, verificada no último mês para o qual haja dados disponíveis antes de 15 de novembro, devendo o Estado pronunciar-se no prazo de 30 dias.

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Assim, com a taxa de inflação homóloga de outubro, sem habitação no Continente, a fixar-se em 10,46%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), baseados na estimativa rápida do Índice de Preços no Consumidor (IPC), os preços das portagens nas autoestradas iriam aumentar na mesma proporção em 2023, se não houvesse qualquer intervenção do Governo. E, após a apresentação das propostas das concessionárias, o Governo poderia interceder e limitar os aumentos, podendo as gestoras de autoestradas negociar, mas exigindo compensações, como o prolongamento dos contratos de concessão.

O presidente executivo da Brisa, António Pires de Lima, advertiu, no final de julho, que as portagens, diretamente relacionadas com a inflação, aumentariam significativamente, a não ser que o Estado mostrasse abertura para mecanismos que compensassem a Brisa do aumento e o pudessem diluir no tempo ou incluir no grupo de trabalho de renegociação da concessão.

Após quatro anos consecutivos de subidas – 0,62% em 2016; 0,84% em 2017; 1,42% em 2018; e 0,98% em 2019 –, os preços das portagens nas autoestradas não foram alterados em 2020 e 2021. Porém, neste ano, a evolução do IPC ditou uma subida de 1,83% das portagens.

A proposta de atualização de preços das portagens nas autoestradas para 2023, em 10%, era “uma brutalidade para o orçamento das famílias e das empresas”, lia-se num comunicado do Automóvel Club de Portugal (ACP), em comunicado.

É certo que, segundo o documento, “a proposta dos concessionários está em linha, como vem sendo prática, com o valor da inflação”, que “Portugal regista valores recorde da inflação dos últimos 30 anos” e que, a confirmarem-se as projeções, o aumento das portagens rondaria os 10%. A isto o ACP junta “todos os aumentos que têm vindo a fustigar paulatinamente os automobilistas e os contribuintes em geral: combustíveis, eletricidade, gás, alimentos, prestação da casa e tantos outros bens essenciais”.

Por outro lado, revelou “outra consequência, se o preço das portagens disparar: a sinistralidade rodoviária”, destacando que, “ao empurrar massivamente as viaturas ligeiras e de pesados para as estradas nacionais, muitas delas sem condições para receberem tráfego intenso, é expectável a insegurança rodoviária e o aumento do número de acidentes e vítimas”.

A Ascendi propôs o aumento das portagens de 10,44%, mas referiu que, nestas concessões, as receitas de portagens são propriedade do Estado português, pelo que pertence ao Estado a faculdade de determinar o valor final das taxas a cobrar. E a Brisa adiantou que o preço das portagens é calculado em função da inflação registada em outubro deste ano.

A 19 de novembro, o líder socialista e primeiro-ministro, intervindo na Covilhã, no  XX Congresso Federativo do PS/Castelo Branco, afirmou que nada justificaria um aumento de 10% no preço das portagens e prometeu intervir para que não haja um “aproveitamento” da inflação.

Na sua intervenção, António Costa apontou a inflação como uma das questões a que será preciso dar resposta e assumiu que há setores em que o aumento se reflete no custo final, mas não no caso das portagens, pois, “não há aumentos de custos de energia”, nem qualquer aumento do fator de produção que justifique esse aumento. Ao mesmo tempo, considerou não ser pelo facto de os contratos preverem um aumento indexado à taxa da inflação que se deve aproveitar uma circunstância “absolutamente excecional” de um ano em que este indicador sobe como não acontecia “há 30 anos”. Por isso, prometeu que o Governo interviria a fim de não se aproveitar a circunstância para “um aumento injustificado que penalizaria muito o funcionamento da economia e o conjunto dos portugueses”.

Entretanto, a 14 de dezembro, o ministro da Habitação e das Infraestruturas frisou que o Governo considerou o aumento das portagens de 10,5% incomportável e insuportável para as famílias portuguesas, as quais estão a passar por uma fase difícil, razão pela qual “seria incompreensível que, perante a iminência de um aumento das portagens em 10,5%, o Governo ficasse a assistir”.

Se o Estado não tivesse atuado para limitar os aumentos das portagens, na perspetiva do ministro, “as concessionárias teriam um nível de receitas absolutamente inesperado, imprevisto, antecipado, sem sequer existir uma justificação com base em aumentos de custos operacionais que colocassem dificuldades a empresas que não procedessem a atualizações dessa dimensão”. Nestes termos, alegou: “Portanto, há uma responsabilidade coletiva de o Estado travar o aumento dos custos que as famílias e os trabalhadores portugueses têm que enfrentar todos os dias. Por isso, justifica-se a intervenção do Estado.”

Sobre a solução adotada, o governante disse que o Governo “conta com a compreensão e colaboração de todas as concessionárias para esta decisão”. E reforçou: “Esta é a solução equilibrada e justa para o povo português, para os utilizadores das autoestradas e também para as concessionárias, que fazem parte da nossa sociedade e que têm igualmente responsabilidade social. Entendemos que se chegou a uma solução aceitável para todas as partes.”

Questionado se a solução colide com as políticas estruturais do Governo para a descarbonização, o ministro da tutela, separando as questões do ambiente da dos preços das portagens, argumentou que “a transferência modal está em curso, mas não se faz através de um aumento de portagens nesta ordem, mas investindo nos transportes públicos, na ferrovia, promovendo-se passes sociais mais acessíveis. E contrapôs: “É essa exatamente a política que o Governo tem seguido. Essa é a política correta para promover a transferência modal e não com aumentos de 10,5% nas portagens.”

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Enfim, uma no cravo, outra na ferradura: os aumentos são insuportáveis, as famílias e as empresas já estão altamente sobrecarregadas, não se justifica este aumento para as concessionárias (que não têm encargos adicionais: nem com custos de produção, nem com funcionários), a lei permite que os contratos possam, neste âmbito, ser objeto de intervenção do Estado; mas o aumento fez-se e só não foi tão grande, porque nós pagamos através do Estado, ficando as concessionárias com um empobrecimento residual. Por isso, não sei se deva agradecer ao Estado, às concessionárias ou aos utilizadores que ainda continuam a pagar muito. Porém, pensando melhor, talvez se deva exigir ao Estado e aos empregadores que aumentem os salários e as pensões em linha com a brutal inflação. Como reza a filosofia do sapateiro de Braga, “ou há moralidade ou comem todos”.

2022.12.23 – Louro de Carvalho

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