sábado, 3 de dezembro de 2022

Sanções ao petróleo russo e suas implicações

 

De acordo com aquilo que noticiou o Financial Times, de 2 de dezembro, e com as declarações do embaixador polaco na União Europeia (EU), Andrzej Sados, citado pela Reuters, os países da UE acordaram em implementar, para entrar em vigor antes do dia 5 de dezembro, o teto máximo de 60 dólares (57 euros ao câmbio atual) por barril no crude russo, transportado por via marítima, negociado a nível global. E, no dizer de Sados, este mecanismo tem capacidade para manter o teto de preços pelo menos 5% abaixo do valor de mercado.

A par desta medida, a 5 de fevereiro de 2023, ficarão proibidas as importações de produtos refinados da Rússia.

Tudo isto se adiciona ao embargo parcial ao petróleo russo decertado em junho pela UE, no quadro do sexto pacote de sanções.

O objetivo é limitar as receitas provenientes da venda de combustíveis fósseis pela Rússia, retirando-lhe rendimento e prejudicando, também por esta via, a sua capacidade de manter a guerra na Ucrânia.

A hipótese da tomada desta medida tinha sido avançada pelos países Grupo dos Sete (G7), na cimeira do passado mês de setembro, com o objetivo de reduzir os lucros obtidos pela Rússia, mas sem correr o risco de haver um aumento generalizado dos preços do petróleo depois da entrada em vigor do embargo europeu ao crude russo.

O G7 é o grupo dos países mais industrializados do mundo – Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América (EUA), França, Itália, Japão e Reino Unido, mas em que a UE está representada –, os quais constituem as sete economias mais avançadas do mundo, segundo os critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI), pois representam mais de 64% da riqueza líquida global.

Em relação à medida agora acordada, havia no seio da UE, divergências de fundo, que acabaram por ser ultrapassadas. Enquanto, inicialmente, a proposta do teto máximo a estabelecer era 70 dólares, um grupo de países europeus exigia um teto máximo de 30 dólares. E a Polónia, que se contava entre os países que impediram que o acordo se realizasse mais cedo, pois o governo de Varsóvia também exigia um preço muito mais baixo do que os 70 dólares, logrou a descida para os 60 dólares e, conseguiu, para lá desta medida, o compromisso por parte da Comissão Europeia de começar a trabalhar num novo pacote de sanções à Rússia.

O teto ora acordado tem sido encarado como uma forma de manter petróleo a circular nos mercados internacionais, sem provocar escassez repentina, para não pôr em causa o mercado energético internacional, e serve de referência para a Índia e a China conseguirem negociar preços ainda mais baixos com a Rússia nas importações de crude que fizerem com aquele país.

Os países fora da UE poderão continuar a importar petróleo russo transportado por via marítima, mas o acordo impõe uma série de proibições ao seu transporte e comercialização, a não ser que seja vendido a um preço abaixo do teto fixado. E, apesar de compradores como a Índia e a China não se terem comprometido a cumprir o limite aventado no G7, este terá efeito nos importadores globais, na sua maioria garantidos por instituições e segurados por seguradoras ocidentais.

Por sua vez, Moscovo declarou que não irá vender crude a nenhum país que implemente este teto e que recorrerá a petroleiros que não operam com seguros ocidentais.

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Dizem os analistas que a medida ora tomada, na sequência da proposta do G7, não constitui um limite, de facto, ao preço a que a Rússia pode vender o crude, visto que pode continuar a colocá-lo no mercado internacional ao preço que entender. É, porém, um limite aplicável às seguradoras e outras empresas europeias que atuam no comércio global de petróleo e estão proibidas, a partir de 5 de dezembro, de firmar novas transações que envolvam petróleo russo a mais de 60 dólares por barril. Este preço-limite atuará em simultâneo com outra medida anunciada há meses: o embargo europeu ao petróleo russo. O objetivo é pressionar a Rússia, já que grande parte da compra e venda do seu crude tem como compradores clientes europeus ou de outros mercados, mas sendo os negócios segurados, muitas vezes, por empresas europeias.

Assim, desde 5 de dezembro, os Estados-membros da UE estão proibidos de receber petróleo russo por via marítima. Todavia, vários países continuam a receber crude russo por oleoduto, por não terem alternativa de abastecimento por via marítima. E, a partir de 5 de fevereiro de 2023, a UE não receberá produtos refinados russos, medida que pode ter implicações mais relevantes (para a Europa e para a Rússia) do que o preço máximo ora acordado, pois este embargo cobrirá 90% das exportações russas de petróleo e de produtos petrolíferos para a Europa.

No respeitante ao limite de preço, que pretende baixar as receitas russas, os 60 dólares por barril terão impacto reduzido, pois grande parte das exportações russas de crude faz-se com um forte desconto face a produtos como o Brent (referência na Europa) e o West Texas Intermediate (referência nos EUA). Recentemente, a cotação do crude dos Urais deslizou para menos de 60 dólares por barril, embora ainda muito acima do custo de produção do petróleo russo. E Moscovo diz não aceitar verter nas cláusulas dos novos contratos as limitações deste teto.

O investigador Simone Tagliapietra, do instituto Bruegel, citado pela Associated Press (AP), admite que uma limitação de preço de 50 dólares já poderia ter um impacto relevante nas contas russas, que precisam de vendas do crude na casa dos 60 a 70 dólares por barril.

No que toca ao embargo à importação de crude por via marítima, a partir de 5 de dezembro, e de produtos petrolíferos refinados, a partir de 5 de fevereiro de 2023, há também muita incerteza sobre o que sucederá. Com efeito, desde o início da guerra, a Rússia mantém exportações para grandes consumidores como a Índia e a China, mais confortáveis com a importação do crude russo a desconto do que a Europa e os EUA. E Moscovo sinalizou a disposição de suspender as exportações para alguns mercados, compensando a perda de volume exportado com um aumento no preço de venda, devido ao facto de o mercado petrolífero global ficar mais apertado.

Como nas demais sanções, o efeito destas é residual no destinatário-alvo, a Rússia, que lá vai encontrando as suas vias de sustentação do seu comércio externo, mas é desastroso para a UE, que vai somando à carestia dos géneros, excessiva para o padrão de salários que se praticam nos países periféricos, a dolorosa crise energética, pois ainda não encontrou vias de mercado mais vantajosas em termos de fluência, de abundância e de preços. Além disso, corre-se o risco de, também nestes capítulos, a UE prosseguir a várias velocidades.

Este é um dos principais riscos do embargo petrolífero à Rússia. A Rússia é o segundo maior produtor mundial de petróleo, com produção diária em cerca de 10 milhões de barris e com exportação de metade. A UE é cliente de referência da Rússia, em especial no concernente ao gasóleo. O desenvolvimento do parque automóvel, mais centrado nos motores a gasóleo, tornou a Europa mais dependente do diesel, mas a capacidade de refinação na Europa não basta para cobrir a procura deste combustível, obrigando os seus países a importar crude e gasóleo russos. Com menos petróleo e refinados da Rússia em circulação, as cotações dessas referências russas e das dos restantes produtos (como o Brent) acabarão por subir. O banco de investimento Goldman Sachs admite que o Brent, agora a cerca de 85 dólares por barril, atinja 110 dólares por barril em 2023 (em março de 2022, após o início da guerra, aproximou-se dos 130 dólares).

A Rússia exportará por navio para outros mercados parte da sua produção petrolífera, substituindo outros fornecedores e libertando esses volumes para os países que embargarem a produção russa.

Segundo a Comissão Europeia, em 2021, a UE importou 48 mil milhões de euros em crude russo e 23 mil milhões de euros em produtos refinados. Mas, em 2022, os produtos energéticos encareceram e as receitas russas aumentaram. Em outubro, o CREA – Centre for Research on Energy and Clean Air estimava que a Europa importava diariamente da Rússia 260 milhões de euros em petróleo bruto, produtos petrolíferos, gás natural liquefeito e gás por gasoduto. Assim, a Rússia terá faturado 243 mil milhões de euros (até 2 de dezembro), dos quais mais de 122 mil milhões em compras de países da UE (54% em produtos petrolíferos, 44% em gás e 2% em carvão). Por outro lado, o CREA estima que a Europa esteja agora a pagar cerca de 300 milhões de euros por dia pelos combustíveis importados à Rússia. Por países, a China é o maior comprador de produtos petrolíferos russos, seguida da Holanda, da Índia, da Alemanha e da Turquia. E a Itália e a Polónia são compradores de produtos petrolíferos russos com alguma expressão. O petróleo e o gás representam cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia, tendo contribuído, em 2021, em 36% para as receitas do Estado russo.

Segundo a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), em 2020 e em 2021, Portugal não importou petróleo bruto da Rússia, e a última vez que o fez foi em 2019, quando importou de lá 1,2 milhões de toneladas de crude (mais de 10% das importações de petróleo desse ano, apenas atrás das de Angola e da Arábia Saudita). Porém, a DGEG reporta para o ano 2021 a importação de 800 mil toneladas de produtos petrolíferos intermédios oriundos da Rússia (num total de importações de 1,35 milhões de toneladas), ficando a Rússia fora nas importações portuguesas de gasóleo (1,5 milhões de toneladas em 2021), de gasolina (202 mil toneladas) e de gás de petróleo liquefeito (652 mil toneladas). E a GALP, que estava entre os clientes da Rússia em Portugal, anunciou, após o início da guerra, que acabaria com as importações de produtos petrolíferos da Rússia, mas ainda não há dados da DGEG para 2022 relativos às origens do petróleo e refinados.

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Afinal, o argumento europeu, a reboque dos EUA, para embargar os produtos energéticos russos é o de privar Moscovo de relevante fonte de receitas. Mas a sua eficácia é quase nula para Rússia. No entanto, é extramente gravosa para a UE, a menos que pretenda ser um protetorado dos EUA, em nome dos valores do Ocidente, que matam, geram a pobreza e albergam os agentes da exploração, enquanto esquecem os genuínos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. É o negócio das armas de guerra e do petróleo! É o dinheiro!

2022.12.02 – Louro de Carvalho

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