quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

As sanções económicas são armas maléficas para os dois campos

 

Por decreto assinado a 27 de dezembro de 2022, para vigorar de 1 de fevereiro a 1 de julho de 2023, a Rússia vai proibir a venda do seu petróleo aos países que aplicarem o teto aos preços da commodity russa, estabelecido em 60 dólares por barril pela União Europeia (UE) pelo G7 e pela Austrália, no início de dezembro de 2022.

A este respeito, Vladimir Putin, presidente russo, assegurou que estará proibido “o abastecimento de petróleo e de produtos petroleiros russos a entidades jurídicas estrangeiras e a outros particulares”, se estas implementarem o teto aos preços. Não obstante, a proibição pode ser suspensa em casos concretos com base numa “decisão especial” do presidente.

Esta medida vem na sequência da entrada em vigor, a 5 de dezembro, do acordo sobre o preço máximo do seu petróleo, negociado a nível político entre o grupo G7 das democracias mais ricas e a UE, juntamente com um embargo da UE ao petróleo bruto da Rússia.

O embargo impedirá os embarques de petróleo russo por navios-tanque para a UE, que representam dois terços das importações, privando o cofre de guerra da Rússia de milhões de euros.

O G7 e a Austrália chegaram a um consenso sobre um preço máximo de 60 dólares americanos por barril para o petróleo bruto de origem russa transoceânico em linha com a UE. E o G7 disse que está a cumprir a promessa de “evitar que a Rússia lucre com a sua guerra de agressão contra a Ucrânia, apoiar a estabilidade nos mercados globais de energia e minimizar os efeitos económicos negativos da guerra de agressão da Rússia”. O limite de preço tem como objetivo tornar mais difícil para a Rússia contornar as sanções vendendo fora da UE.

A Casa Branca descreveu o acordo como “boa notícia”, dizendo que um teto de preço ajudará a limitar a capacidade de Putin de financiar a “máquina de guerra” do Kremlin.

Logo a 5 de dezembro, a Rússia advertiu que não reconhece um limite para o preço do seu petróleo e que está a preparar uma resposta à decisão da UE e do G7 de estabelecer o preço de 60 dólares por barril. “A resposta está a ser preparada. É evidente que uma coisa está clara: não vamos reconhecer limite algum”, disse, na sua conferência de imprensa diária por telefone, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, acrescentando que tanto o limite de preço como o embargo europeu ao fornecimento de petróleo russo por navio mudarão o mercado. “É evidente e indiscutível que a adoção dessas decisões é um passo para a desestabilização do mercado energético mundial”, enfatizou a alertar todos os países para a iminência de novos aumentos de preços.

Peskov porfiou que essas restrições não afetarão a campanha militar russa na Ucrânia, já que a Rússia tem reservas suficientes para as combater. Com efeito, “a economia russa tem potencial suficiente para cobrir todas as necessidades da operação militar”, como a Rússia intitula a campanha de guerra na Ucrânia.

O porta-voz da presidência russa frisou que as sanções “não afetam criticamente” o país e que a economia se adaptou. E sublinhou: “Certos problemas surgem naturalmente devido às sanções […] Os especialistas veem perfeitamente o processo de adaptação da economia russa a essas condições, negar isso seria pouco profissional.”

Em suma, o Kremlin, que acusou o Ocidente de reformular, por sua própria conta e risco e de forma perigosa e ilegítima, os princípios do livre mercado, avisa que a Rússia está a preparar uma resposta à decisão da UE e do G7 de estabelecer o preço de 60 dólares por barril.

Também a 5 de dezembro, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, advertiu o Ocidente de que “o inverno ainda agora começou”, depois de entrar em vigor o limite imposto ao preço do petróleo russo. “Isto não será bom para o consumidor. Por isso, abasteçam-se de água, fogo, cobertores e aquecedores”, disse Medvedev no Telegram.

Medvedev sustentou que as tentativas de regular os preços levam, não raro, ao desaparecimento do produto ou ao aumento do custo. “Ninguém anulou a lei dos preços. É assim que vai acontecer com o petróleo. Claro que não irá desaparecer, mas o inimaginável irá acontecer com os preços”, disse o antigo presidente russo, ironizando que a situação lhe lembra um “grupo de burgueses europeus bêbados” que decidem banhar-se em água gelada, razão pela qual alguns se afogam.

Há outra medida com que Moscovo poderá responder à decisão da UE, do G7 e da Austrália em adotar um limite de preço ao petróleo russo: a redução da produção diária de petróleo em 5 a 7%.

Na verdade, a 23 de dezembro, o vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, afirmou que a Rússia poderá reduzir a produção de petróleo em 500.000 a 700.000 barris diários em 2023, como resposta à adoção do limite de preço aos seus combustíveis por parte dos países ocidentais.

Além do teto do preço do petróleo, as empresas são proibidas de fornecer os serviços que permitem o seu transporte. O objetivo desta medida dos países ocidentais é prejudicar a enorme receita que Moscovo obtém com a venda dos hidrocarbonetos e, assim, diminuir a sua capacidade de financiar a guerra na Ucrânia. Porém, Vladimir Putin, poucos dias após a introdução do limite de preço, classificou a medida como sendo uma “decisão estúpida” e ameaçava o Ocidente com a “redução da produção de petróleo, caso seja necessário”.

***

As sanções económicas à Rússia, embora possam prejudicar a economia daquele país, o que as suas autoridades negam ou minimizam, prejudicam a economia dos países da UE, os quais têm dificuldade em cortar a dependência dos produtos russos e parecem gostar da dependência dos Estados Unidos da América (EUA), como se essa fosse mais barata e sadia, ou de países em que os direitos humanos são puramente vilipendiados. Ao fim e ao cabo, as sanções comportam-se mais como fogo amigo do que de armas de ofensiva. 

Fez-me pensar, seriamente, um artigo do Público, de 24 de dezembro, intitulado “Sanções à Rússia: quo vadis Europa?”, da pena de José Jorge, José Pedro Teixeira Fernandes e Jorge Rodrigues, codiretores do programa Risco Geopolítico e Estratégia para Executivos da Porto Business School – em parceria com o Instituto da Defesa Nacional (IDN), a fim de promover a compreensão dos temas geopolíticos e riscos derivados, permitindo adquirir conhecimentos sólidos na relação com as organizações, bem como tendências, incertezas, acontecimentos e riscos globais que impactam localmente, criando ferramentas para definir uma estratégia resiliente e adaptativa e para transformar todos os fatores de risco em oportunidades sustentáveis .

Citando o livro mais recente Nicholas Mulder, The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool on Modern War, os autores do artigo verificam que as sanções económicas dominam a política mundial. Inicialmente desenvolvidas para a defesa do internacionalismo liberal, baseiam-se nas “técnicas devastadoras” da guerra que dizem querer evitar. Pura hipocrisia interesseira!

O debate sobre as sanções centra-se no impacto na economia e na eficácia de limitar a máquina de guerra russa – processo iniciado em 2014, com a anexação da Crimeia, e que mostra o esforço ocidental de suposta solidariedade contra a invasão. Porém, é impensável resolver o conflito entre a Rússia e o Ocidente retirando Vladimir Putin do poder. E deve pensar-se que a crise se manterá para lá de um cessar-fogo na Ucrânia e que as sanções prolongarão as restrições a longo prazo.

Embora não sendo os promotores do conflito, os EUA estão entre os grandes ganhadores. Retiram múltiplos dividendos, que lhes permitem concentrar-se na competição global com a China – o competidor crescentemente capaz de reorganizar a ordem internacional a seu favor.

De facto, o objetivo de contrariar o controlo chinês sobre as indústrias mais importantes levou a Administração Biden à política protecionista expressa, por exemplo, no Inflation Reduction Act, programa que, entre proteções e apoios à descarbonização, incentiva as empresas europeias a deslocalizarem-se para os EUA – medida pouco amigável dos aliados no atual contexto.

À UE interessava que a primeira resposta à invasão da Ucrânia fosse rápida e firme. Também seria bom assegurar a “autonomia estratégica” que não a colocasse em posição sensível. Porém, todos os indicadores económicos – inflação, desemprego, fraco crescimento, quebra da confiança e sinais de recessão – são preocupantes e a questão energética centra as atenções (o custo do gás natural na Europa é quase o quádruplo do dos EUA e o da gasolina é sensivelmente o dobro). Nestes termos, as sanções (sobretudo a partir do 9.º pacote) agravaram a situação da economia europeia, mormente em setores mais expostos aos efeitos da guerra, e puseram os EUA, a China, a Índia e outros países em posição mais vantajosa.

Descuidando o risco geopolítico da Rússia, a UE ignorou os passos de “gestão de risco”: compreender, analisar, mitigar e responder. Preocupada com a recuperação pós-pandémica e com o decoupling das cadeias de abastecimento, enredou-se numa perigosa dependência energética da Rússia. A mitigação, que deveria ter sido preparada e estar em execução, deverá ser orientada com celeridade para riscos futuros acrescidos. Por outro lado, a UE deve manter a pressão, mas sem incorrer em desvantagem económica significativa. Com efeito, o risco de desindustrialização da Europa enfraquece-a e, não sendo do seu interesse, também não é do interesse dos próprios EUA, devido à competição com a China.

Por isso, a UE tem de encontrar o seu caminho no contexto mundial de inusitada turbulência, mantendo-se firme nos seus valores, mas identificando riscos geopolíticos e prosseguindo políticas que os mitiguem. Nestes termos, deverá empreender uma transformação ambiciosa e complexa na energia, substituindo as energias fósseis pelas renováveis e promovendo um mercado da energia aberto, que favoreça a sua afirmação internacional e a adaptação às mudanças geopolíticas. E, no curto prazo, deve promover ajustamentos no gás natural, através de processos negociais integrados e complementares, assegurando o acompanhamento e apoio à economia.

Por fim, ante os sinais de que as sanções causam impacto na capacidade militar da Rússia, a UE deverá, como sugerem os referidos peritos, “ter uma atitude pragmática eficaz, para não ser envolvida num turbilhão geopolítico e geoeconómico que a fragilize de forma irrecuperável”.

Importa que as sanções não sejam fogo amigo. E há que ter pena de quem morre do lado de lá.

2022.12.27 – Louro de Carvalho

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