quinta-feira, 15 de setembro de 2022

“Que a paz e a prosperidade reinem em todos os povos e países”

 

É o voto formulado na Declaração Final do VII Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais, que se realizou em Nursultan, no Cazaquistão, de 13 a 15 de setembro e que foi encerrado no dia 15. O Papa Francisco participou nas sessões plenárias de abertura e de encerramento, ouvindo e discursando.

Na sessão de abertura oficial, o Bispo de Roma falou em nome da “fraternidade que a todos nos une enquanto filhos e filhas do mesmo Céu”, numa comunhão de criaturas livres que nos leva a crescer uns com os outros. E, considerando que o congresso decorre “numa terra que, ao longo dos séculos, foi percorrida por grandes caravanas” e que, nestes lugares, incluindo a antiga rota da seda, se entrelaçaram “tantas histórias, ideias, crenças e esperanças”, fez votos para que “o Cazaquistão continue a ser uma terra de encontro entre quem está distante”, numa “rota fraterna para, juntos, caminharmos rumo à paz”.

Observando que “chegou a hora de despertar daquele fundamentalismo que polui e corrói toda a crença” e de “tornar límpido e compassivo o coração”, acentuou que “precisamos de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que habita o coração de cada homem” e reivindicou a liberdade religiosa – que não se pode limitar à liberdade de culto, mas que deve incluir o direito de professar publicamente a sua fé e de a propor (não impor) – “como condição essencial para um desenvolvimento verdadeiramente humano e integral”. Por isso, são de favorecer contextos de respeitosa convivência das diversidades religiosas, étnicas e culturais como a forma melhor de valorizar os traços específicos de cada um, de unir os seres humanos sem os uniformizar, e de promover as suas aspirações mais altas sem cortar as asas ao seu impulso.

E Francisco aproveitou o ensejo para deixar quatro desafios, convocando a todos “para uma maior unidade de intentos”: ajudar os irmãos e irmãs a não esquecer a vulnerabilidade que nos carateriza para não cairmos em falsas presunções de omnipotência suscitadas por progressos técnicos e económicos, que não bastam por si sós, mas para nos tornarmos artesãos da solidariedade e da comunhão; lutar pela paz, tudo fazendo para que ela nunca seja destruída, em vez de promovida; abraçar o estilo do acolhimento fraterno, sem descartar quem quer que seja, em nome do lucro ou da comodidade, mas receber, promover e integrar todos os que se sentem desenraizados; e assumir claramente a custódia da casa comum, que é preciso proteger ante as convulsões climáticas e a mentalidade da exploração, espelhada na desflorestação, no comércio ilegal de animais vivos, nas explorações agropecuárias intensivas, levando ao eclipse da visão respeitosa e religiosa do mundo desejada pelo Criador, que impõe como “imprescindível favorecer e promover a custódia da vida em todas as suas formas”.

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O congresso, organizado pela presidência do país, dividiu em grupos de trabalhos as mais de cem delegações de participantes para analisarem o tema central sobre o papel dos líderes no desenvolvimento espiritual e social da humanidade após a pandemia de covid-19.

Na sessão de encerramento, foi lida A Declaração Final, documento que pensa nas gerações futuras para aumentar o diálogo e a paz no mundo. E Francisco, que participou também nessa sessão, fez um discurso em que falou sobre a Declaração Final, do direito concreto da liberdade religiosa, do caminho urgente do diálogo inter-religioso e do apelo para nos empenharmos pela paz e não pelos armamentos.

De facto, o documento, que visa ajudar a reforçar os pontos citados pelo Papa em discurso, será compartilhado com autoridades, líderes políticos, figuras religiosas em todo o mundo, bem como com importantes organizações regionais e internacionais, organizações da sociedade civil e especialistas. E será distribuído como documento oficial da 77.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, podendo os seus princípios ser disseminados em todos os níveis regionais e internacionais, para que “a paz e a prosperidade reinem em todos os povos e países”.

O documento, que representa a posição comum dos participantes do Congresso, é dividido em 35 pontos para “aumentar o diálogo entre confissões, religiões e civilizações”. E os líderes declaram que o evento consigna “esforços conjuntos para reforçar o diálogo civil em nome da paz e da cooperação”.

Sobre conflitos militares, assume-se que são atos que geram tensões e reações em cadeia, destruindo o sistema de relações internacionais. Além disso, “o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e todas as outras formas de violência e guerra, seja qual for o seu fim, não têm nada a ver com a verdadeira religião e devem ser rejeitados nos termos mais fortes possíveis”.

O pluralismo e as diferenças de religião, bem como de raça, género e linguagem “são uma expressão da sabedoria da vontade de Deus, com a qual Ele criou o homem”, razão pela qual é inaceitável qualquer ato de coerção “para com uma determinada religião ou doutrina religiosa”. O texto, que pede apoio para todas as iniciativas que implementem o diálogo inter-religioso e interconfessional, enfatiza a comunhão com os esforços das Nações Unidas e de qualquer outra entidade para promover o diálogo entre civilizações, religiões e nações; exorta os Estados a garantir condições de vida dignas para os seus cidadãos e a reduzir a discrepância de bem-estar entre os diferentes países do mundo; encoraja a preservação dos valores espirituais e das diretrizes morais nas sociedades; e reconhece a importância do papel dos líderes das religiões e da diplomacia religiosa. Assim, devem ser “o objetivo de toda pregação religiosa” a tolerância, o respeito e a compreensão mútua.

A pari, exige a não identificação do extremismo e do terrorismo com nações e religiões amantes da paz; a expansão do papel da educação e instrução religiosa; o reforço da instituição familiar; a igualdade de género nas sociedades e a proteção da dignidade e dos direitos da mulher; e o apoio às áreas do mundo afetadas por conflitos militares e desastres naturais ou causados pelo homem. 

Os líderes das religiões do mundo assinaram o documento na promessa de dar novos passos em favor da paz e reconhecendo a importância e o valor do Documento sobre a Fraternidade Humana de Abu Dhabi, assinado em 2019 pelo Papa e pelo Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib. 

No seu último discurso no Cazaquistão, que concluiu o VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais, Francisco comentou a Declaração Final, que enaltece a liberdade religiosa como um direito concreto e o diálogo inter-religioso como caminho urgente, insubstituível, necessário e sem retorno.

O Papa agradeceu a todos por “caminharem juntos” durante esta visita ao país, através da riqueza de crenças e culturas da população, “testemunha de tantos sofrimentos passados”, mas que oferece um exemplo de futuro com “a multirreligiosidade e multiculturalidade extraordinárias” – tudo “sob o signo do diálogo, ainda mais precioso neste período tão difícil sobre o qual se grava, para lá da pandemia, a loucura insensata da guerra”. Discorreu o Santo Padre:

“Há demasiados ódios e divisões, demasiada falta de diálogo e de compreensão do outro. Isto, no mundo globalizado, é ainda mais perigoso e escandaloso. Não podemos avançar assim, ora unidos ora separados, ora interligados ora dilacerados por demasiadas desigualdades. Obrigado, pois, pelos esforços que visam a paz e a unidade.”

Lembrando que o lema da viagem, Mensageiros de paz e de unidade, “está no plural, porque o caminho é comum” e tem sido abraçado desde o início da história do Congresso, em 2003, até à Declaração Final, deste ano, segundo a qual “o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e qualquer outro incentivo ao ódio, à hostilidade, à violência e à guerra nada têm a ver com o autêntico espírito religioso e devem ser rejeitados nos termos mais decididos que for possível”. Além disso, acrescentou o Pontífice, o respeito mútuo deve ser essencial, “independentemente da sua pertença religiosa, étnica ou social”.

Por isso, a Igreja Católica crê na “unidade da família humana” e que “os homens constituem todos uma só comunidade”. Assim, desde o início destes congressos, a Santa Sé, sobretudo através do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, é participante ativo. Com efeito, “o caminho do diálogo inter-religioso é um caminho comum de paz e para a paz”, necessário e sem retorno, pois não se trata apenas de “uma oportunidade”, mas de “um serviço urgente e insubstituível à humanidade, para louvor e glória do Criador de todos”.

Maia: o Papa assegurou que “o homem é também o caminho de todas as religiões” – o ser humano concreto, frágil e maravilhoso, “que, sem o Criador, se obscurece e, sem os outros, não subsiste”. E destacou o espírito que permeia a Declaração Final em três palavraspazmulher e jovens. A paz, além de urgente “é a síntese de tudo, a expressão dum grito do coração, o sonho e a meta do nosso caminho”. A mulher, que “é caminho para a paz”, precisa ter a dignidade defendida a condição social melhorada. E os jovens, que são “os mensageiros de paz e de unidade de hoje e de amanhã”, precisam de que lhes coloquemos nas mãos “oportunidades de instrução, não armas de destruição”, de que os escutemos sem medo de nos deixar interpelar por eles e, sobretudo, de que edifiquemos um mundo pensando neles e com eles.

2022.09.15 – Louro de Carvalho

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