quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A premência ou a vacuidade da polémica em torno do IRC

 

Quando não há nada de importante para discutir ou não se querem discutir os problemas mais candentes, os decisores perdem-se em questões menores ou na afirmação das suas agendas pessoais e/ou políticas. Efetivamente, um membro do governo deve sintonizar com o coletivo que integra e, se não está disponível para tal, deve demitir-se. Contudo, não é censurável que ministro ou secretário de Estado tenha opinião prévia sobre determinado tema a discutir nos órgãos da governação, desde que não a dê como definitiva, imperativa ou “irrevogável”. Já vimos disso!

A 18 de setembro, António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, afirmou que uma redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) transversal a todas as empresas seria “um sinal extremamente importante para toda a indústria” e “extremamente benéfico” face à atual crise, devendo ver-se, a partir daí, “qual é o impacto que pode ter no futuro”.

Foram declarações prestadas aos jornalistas à margem da sua visita às empresas portuguesas que participaram na feira de calçado MICAM, em Milão, Itália. Porém, disse esperar que, “na negociação do acordo de rendimentos e de competitividade e, depois, no Orçamento do Estado, possamos ter esse desígnio da redução do IRC”. Enfim, tudo dependeria das negociações em sede de concertação social no âmbito do acordo de rendimentos.

A taxa de IRC é de 21% sobre o lucro das empresas até 1,5 milhões de euros. A esta taxa acresce uma derrama estadual para as empresas com maior lucro e, ainda, uma derrama municipal.

Há, de facto, aqui uma pressão sobre a dinâmica da negociação em sede de concertação social e desejavelmente sobre o próximo Orçamento do Estado (OE). Não mais do que isso.

Também revelou que não mudara de ideias, pois o programa de Governo fora largamente discutido, mas o que ficou inscrito foi “a figura da redução seletiva do IRC, dirigida a empresas que reinvestem parte dos seus lucros na atividade económica, apostam na inovação tecnológica ou contratam jovens qualificados”. Não obstante, garante que sempre teve “muito claro que o país, algures, tinha que fazer essa redução transversal do IRC”. Agora, disse pensar que “vamos a caminho de uma redução transversal, que vai ser um sinal extremamente importante para toda a indústria”, pois, se tivermos as empresas associadas a isso [e] também os sindicatos, no âmbito da concertação social, podemos ter a capacidade da ação coletiva para superar todas estas crises”.

Porém, relativamente à discussão do acordo de rendimentos, nada avançou, antes disse: “Eu não queria antecipar o que é que se vai passar. Mas nós vamos levar propostas que eu penso que são muito interessantes também para as empresas.”

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As reações não se fizeram esperar. Desde logo, António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a 20 de setembro, na conferência “Fiscalidade no OE2022” promovida pelo Global Media Group, em Lisboa, disse acreditar que haverá uma agradável surpresa de descida nominal transversal da taxa do IRC dos atuais 21% para 19%. Com efeito, num painel que tem como tema geral “O choque fiscal é fundamental. Como pode a abordagem aos impostos no OE 2023 ajudar famílias e empresas”, Saraiva acentuou que, no IRC, Portugal “compara mal” com outros países pelo que “mais importante do que a taxa é o sinal que é dado”, porque há “um efeito reputacional” com a descida da taxa nominal do IRC.

O presidente da CIP referiu que a confederação discute, em sede de concertação social, o acordo de competitividade e rendimentos, insistindo na necessidade de estabilidade e de descida “gradual e fatiada” da carga fiscal, mas afirmou que não fará depender o acordo da descida daquela taxa.

Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças disse que até concorda com o ministro, mas que tal comunicação cabe ao primeiro-ministro ou ao ministro das Finanças. E Siza Vieira, ministro da do XXII Governo, diz que, embora a medida conste do programa do Governo, surge enquadrada como uma forma “de “apoio ao investimento empresarial” e “no contexto do famoso acordo de rendimentos e produtividade”. Afinal, não disse nada que o ministro da Economia não tenha dito.

Fernando Medina, ministro das Finanças avisou que a decisão sobre a matéria é da competência do coletivo, cuja voz é o primeiro-ministro. Nisto, foi acompanhado pelo secretário de Estado da Economia, João Neves, e pela secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Margarida Marques – o que levou alguma opinião pública a dizer que o ministro da Economia está isolado no governo e no próprio ministério da Economia. João Neves sustenta que não é a redução do IRC (só teria um efeito marginal) que salva as empresas nem as leva ao investimento, pois são os mercados que ditam as regras. E Rita Marques lembrou que o primeiro-ministro tem “a primeira e a última” palavra no que diz respeito à redução do IRC transversal a todas as empresas.

Convenhamos que ninguém quis tirar a palavra ao primeiro-ministro. Porém, diga-se que, em matéria de impostos, a última palavra cabe à Assembleia da República, salvo autorização ao governo, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.

A partir de Nova Iorque, onde estava para a Assembleia Geral das Nações Unidas, António Costa, questionado sobre a intenção do ministro da Economia de reduzir o IRC de forma transversal para as empresas, referiu que o tema “não esteve no discurso do engenheiro António Guterres”.

Não foi a primeira vez que o primeiro-ministro desautorizou o ministro da Economia. Já quando este, no debate do programa de Governo, na Assembleia da República, defendeu a possibilidade de o Governo avançar com um imposto sobre os “lucros caídos do céu”, António Costa e Fernando Medina viraram o discurso para a “avaliação” dessa possibilidade – o que agora já admitem em consonância com a Comissão Europeia. E, agora, o ministro da Economia já diz que é preciso olhar para o sistema fiscal português. Assim, para já e à medida que os alarmes vão soando entre os socialistas, que querem uma maior valorização salarial e pulso mais firme contra os lucros excessivos das empresas, o governo não se compromete com este tipo de redução do IRC.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a 20 de setembro, rejeitou que a redução de impostos (o choque fiscal) seja a “panaceia” para todos os problemas. Sem antecipar que medidas constarão no OE 23 (a apresentar a 10 de outubro), na já referida conferência sobre fiscalidade organizada pelo grupo Global Media, António Mendonça Mendes insistiu que o país não está em condições de fazer choques fiscais, devendo continuar a desagravar impostos às famílias e às empresas, de forma seletiva e à medida que as necessidades forem identificadas. “Não são os impostos que vão resolver o problema dos elevados custos da energia, isso faz-se acelerando a transição energética” – disse ainda, num claro volte-face em relação ao que tinha dito antes o ministro da Economia.

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O ministro da economia diz que não está “nem sozinho, nem acompanhado” no executivo e que, muitas vezes na vida, teve muitas batalhas difíceis em que esteve sozinho e que está habituado “a ter razão antes do tempo, que é uma coisa que às vezes é muito difícil de sustentar”.

Na audição, de 28 de setembro, na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação da Assembleia da República, Costa Silva confessou não ter “medo nenhum, nem de pensar, nem de exprimir os meus pensamentos nas alturas em que acho que devo exprimir”, prometendo aguardar para ver quais vão ser os desenvolvimentos. E vincou: “Luto com as armas que tenho, de acordo com as ideias que tenho, em consonância com o programa do Governo e em articulação com o senhor primeiro-ministro. É isso que me move (…); o governo e o primeiro-ministro estão alinhados com isso e estão a buscar as várias soluções.”

Porém, aos deputados diz pensar a longo prazo: “Independentemente dos partidos e dos governos que se alternam, a questão do país é a questão vital (…) aquilo que não fizermos nos próximos anos vai ser pago e pago de uma forma muito difícil”. Com efeito, custa-lhe ver empresas que podem claudicar se não se fizer “tudo que está ao nosso alcance, agora, para auxiliar aquilo que pode acontecer e evitar uma tempestade maior no futuro”.

O governo propôs, a 28 de setembro, aos parceiros sociais redução seletiva do IRC às empresas que promovam o aumento de salários e invistam em investigação e em desenvolvimento. Isto é: as empresas têm de enveredar pela contratação coletiva dinâmica, valorizar progressivamente os salários de modo que, em quatro anos, aumentem 20% e diminuir a amplitude salarial; e devem investir em investigação e desenvolvimento (I&D), reforçando o governo as condições do Sistema de incentivos fiscais à investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II) na componente do investimento direto, avançando para a criação do incentivo à capitalização de empresas (ICE), pela dedução de lucros retidos e reinvestidos (DLRR) e pela remuneração convencional do capital social (RCSS), e simplificando os incentivos fiscais à capitalização e ao investimento, pela eliminação de redundâncias e limitações inerentes aos instrumentos atualmente existentes e pela melhoraria do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI).

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Afinal, esclarecimentos palavrosos para nada: empresas que pretendam singrar farão o que se estipular. Mais de 36% delas não pagam IRC. As pequenas empresas não têm lucros, não pagam IRC e sobrevivem ou, cedo ou tarde, caem. Dada a volta, Costa e Silva acaba por ter razão. Só não trava os altos custos de produção. De resto, apenas incidentes de discussão e pruridos inúteis!

2022.09.28 – Louro de Carvalho

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