sábado, 10 de setembro de 2022

Os desafios de Manuel Pizarro aos “olhos” da saúde

 

O eurodeputado socialista Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro, de 58 anos, tomou posse, a 10 de setembro, como ministro da Saúde, sucedendo a Marta Temido, que apresentou o pedido de demissão a 30 de agosto, segundo o que diz, após a escolha do sucessor, porque sentiu, a determinada altura, que estava a ser mais parte do problema do que da solução.

Regressado a Portugal “cheio de determinação e vontade de trabalhar”, disse, à margem da Academia Socialista, que decorreu entre 7 e 11 de setembro, que, pelo seu “percurso enquanto médico, não podia recusar este convite para voltar a Portugal”. E elogiou a antecessora: “Queria prestar a minha homenagem e o meu reconhecimento à Dra. Marta Temido pelo trabalho extraordinário que fez nestes quatro anos em defesa da saúde dos portugueses e do SNS”, sendo que dois “coincidiram com pandemia de covid-19”.

Nascido a 2 de fevereiro de 1964, é, desde 2019 eurodeputado no Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu. Além disso, é líder da distrital do Partido Socialista (PS) do Porto. Licenciado em medicina e especialista de Medicina Interna, foi secretário de Estado da Saúde, primeiro, e secretário de Estado Adjunto e da Saúde entre 2008 e 2011, nos governos de José Sócrates, com a ministra Ana Jorge. Posteriormente, em 2013 e em 2017, foi candidato pelo PS à Câmara Municipal do Porto, tendo perdido as duas eleições para Rui Moreira, ficando em segundo lugar.

O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) e o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP) consideram que a escolha é “sensata” e “equilibrada”, mas sustentam que é preciso mudar as políticas na Saúde, nomeadamente ao nível da gestão e da atratividade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já a bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE) lembra que o governante foi o responsável pelo fim da carreira destes profissionais, pelo que, segundo diz, é uma “oportunidade para corrigir essa questão”.

Segundo Miguel Guimarães, bastonário da OM, o novo ministro “conhece bem o sistema de saúde português, não só o SNS, mas também o setor privado e social”, bem como os sistemas de saúde na União Europeia (UE), devido à sua passagem pelo Parlamento Europeu (PE). Tem a noção do que está a acontecer e a fazer-se noutros países, o que é importante, porque “não estamos sozinhos no mundo, nem na Europa”. Por outro lado, enaltece a “relação mais empática” e “fácil” de Manuel Pizarro com as pessoas, o que lhe permite ser “um bom gestor de recursos humanos”. E, porque é “um homem que se dedica à política há muitos anos” no PS, “tem peso político dentro do próprio Governo“, o que pode ser “positivo”.

Já Gustavo Tato Borges, presidente da ANMSP, aponta a nomeação de Pizarro como “escolha equilibrada” entre a manutenção das políticas do primeiro-ministro e a “aproximação às vontades e às reclamações dos profissionais de saúde”. Sendo próximo de António Costa, seguirá a linha que o Governo traçou, mas pode trazer uma oportunidade aos restantes profissionais de saúde.

Todavia, tanto o bastonário da OM como o presidente da ANMSP admitem, que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças poderão travar algumas mudanças na Saúde. Com efeito, o primeiro-ministro disse que as políticas de saúde são as “definidas independentemente do ministro que vem”Por isso, Miguel Guimarães pede ao chefe de Governo que adapte essas políticas ao titular da pasta. E Tato Borges avisa que Pizarro pode “trazer um consenso aprimorado [com] algumas das soluções que vão sendo apontadas pelo setor”, desde que António Costa e Fernando Medina “lhe deem as condições e o espaço necessários”.

Menos otimista surge Ana Rita Cavaco, bastonária dos Enfermeiros, esperando que o ministro diga que políticas vai implementar. Mas insta, desde já, o governante a corrigir o erro nas carreiras, pois, como explicita, “quando, em 2009, o Dr. Pizarro foi secretário de Estado, terminou com a nossa carreira, que tinha precisamente o risco, a penosidade, fazia a distinção e a valorização de graus académicos de todos os profissionais, uma idade de reforma mais baixa”. A bastonária lembra que, na altura, ficou acordado criar um outra, em substituição, que nunca entrou em vigor. Portanto, sustenta que, agora, o Dr. Pizarro tem oportunidade de corrigir a situação.

Por seu turno, os partidos com assento parlamentar exigem transformações profundas no SNS, nomeadamente no respeitante à falta de capacidade do sistema e à falta crescente de cuidados de saúde. A Iniciativa Liberal defende que “só uma reforma profunda do sistema”, baseada “na concorrência entre prestadores e na liberdade de escolha dos doentes, poderá dar aos portugueses cuidados de saúde com a qualidade e celeridade que merecem”. Outros partidos querem que o ministro não coloque à frente de tudo a ideologia ou as perspetivas pessoais.

O bastonário da OM observa que o ministro terá dois grandes desafios pela frente. O primeiro diz respeito ao capital humano. “Temos muitos médicos em Portugal, mas cerca de 50% estão fora do SNS”, diz. Por isso, o ministro é desafiado a criar as condições adequadas para que os médicos optem por ficar no SNS e não por trabalhar no setor privado ou no estrangeiro, opinião partilhada por Tato Borges, que estende esse quesito a outras categorias profissionais do setor, como os enfermeiros. A par disso, Miguel Guimarães considera “urgente” criar um novo modelo de gestão do SNS que valorize “a flexibilidade de processos e procedimentos para contratar pessoas, para comprar equipamentos”, dê autonomia às unidades de saúde – hospitais e agrupamentos de centros de saúde (ACES) – e permita o financiamento destas unidades de saúde “de acordo com as necessidades que têm perante a sua população de referência”. Isto é, que sejam orçamentos reais e não fictícios, como tem acontecido até agora. E Tato Borges insiste igualmente na “autonomização das diferentes entidades funcionais do SNS”, dotando-as de “financiamento adequado e dando-lhes competências e ferramentas”. Aliás, o Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, pretende, entre outras medidas, mais autonomia para os ACES, nomeadamente nas contratações.

Além do capital humano e do novo modelo de gestão, o bastonário da OM elenca outros problemas a resolver no atinente aos serviços de urgência e aos cuidados de saúde primários, pois, como refere, “não temos atualmente médicos de família para todos os portugueses e é importante atingir este objetivo”, quando “existem meios para o fazer porque existem médicos de família suficientes no país para que cada doente possa ter médico de família”.

Numa altura em que o SNS enfrenta maiores debilidades na sequência da pandemia de covid-19, especialmente na área da obstetrícia, com encerramentos de urgências, Tato Borges sublinha que o desafio mais urgente “é a questão da organização dos serviços de urgência hospitalares e a maneira como eles se articulam uns com os outros e com os cuidados de saúde primários”. Por outro lado, e no que toca à área da saúde pública, o presidente da ANMSP refere a urgência de acabar com as juntas médicas nas unidades de saúde públicas, para que “possam desenvolver o seu trabalho adequadamente”, bem como dotá-las do financiamento necessário para poderem responder às necessidades. E dramatiza a necessidade de criar um sistema de informação em saúde pública, que permita aos médicos analisar os dados e “servir melhor a população”.

No dia 9, o Presidente da República associou a escolha de Manuel Pizarro para ministro da Saúde ao decreto-lei que cria a direção executiva do SNS, enquadrado no novo estatuto do SNS, e que Marcelo Rebelo de Sousa entende ser uma aproximação à sua opinião sobre a matéria. “Tudo indica que é uma solução que evolui para uma posição próxima daquela que tinha defendido, no sentido de haver uma separação clara entre as decisões políticas ao nível de ministro e ministério e a gestão mais independente, mais autónoma, mais isenta através de outra instituição que não diretamente o Ministério”, explicou o chefe de Estado.

Por sua vez, o primeiro-ministro disse que o governante “tem todas as condições para prosseguir a execução do programa de Governo e dar continuidade às reformas que estão em curso”, prosseguindo a estratégia de reforço do SNS. Para cumprir essa tarefa, poderá contar com mais dinheiro. “Desde que sou primeiro-ministro, o orçamento do SNS já subiu mais de 40% e o número de profissionais de saúde mais de 20%. Iremos continuar a reforçar o plafond e haverá um novo reforço em 2023”, adiantou o chefe do Governo. Este ano, a despesa do SNS cresceu para um valor recorde de 13,321 mil milhões de euros, com o peso da Saúde na despesa total das Administrações Públicas a representar 13,2%. A “fatia de leão” vai para as despesas com pessoal (5,204 mil milhões), para a aquisição de bens (2,595 mil milhões) e para pagar aos fornecedores (4,751 mil milhões). O financiamento é quase todo feito através de transferências do Orçamento do Estado, sendo as receitas próprias quase residuais. Em 2022, a Saúde vai receber o dinheiro da cobrança do imposto sobre as bebidas alcoólicas, bem como a contribuição extraordinária da indústria farmacêutica e sobre os dispositivos médicos.

No entanto, como alertou o ministro das Finanças, além de dinheiro, é preciso “investir muito na gestão e na organização”. Lembra a aprovação do estatuto do SNS, em julho, que dará “novas perspetivas para a carreira – designadamente a possibilidade de regulamentar a dedicação plena dos médicos”, como as “ferramentas para ter não só mais meios como sobretudo melhor organização e uma gestão mais eficiente”.

Manuel Pizarro, admitindo que “serão sempre necessários mais meios” e que é muito importante utilizar da forma mais eficaz possível os meios de que dispomos, disse abraçar “este desafio muito exigente com determinação e vontade de trabalhar em prol da saúde dos portugueses e do SNS”.

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A demissão e a sucessão de ministro deviam ser normais em democracia, sem se esperarem desafios, já que o Programa de Governo foi redigido com solidez. Não obstante, dada a polémica, nem sempre justa, com Marta Temido, a demissão e a sucessão foram matéria repenicada na comunicação social. Deparam-se objetivos, porque a realidade mudou. Porém, é de questionar a quem atribuir a culpa do falhanço. Por exemplo, como se justifica o iminente encerramento da Maternidade Alfredo da Costa quem tem 55 obstetras e mais 16 formandos na área, como refere Vital Moreira no blogue “Causa nossa”. Não haverá excesso de comodidade corporativista?

2022.09.10 – Louro de Carvalho

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