domingo, 4 de setembro de 2022

O que se espera do novo líder do IGCP

 

A 19 de agosto 2022, era pública a informação de que Miguel Martín, então gestor da Ascendi, sucederia a Cristina Casalinho, a partir de 1 de setembro, na liderança Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), entidade responsável pela gestão da nossa dívida pública.

O novo líder do IGCP receberá o mesmo salário que auferia enquanto gestor da Ascendi, graças a uma autorização do ministro das Finanças, Fernando Medina. Na verdade, o n.º 9 do artigo 28.º do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, prevê que os gestores “podem optar pela remuneração do lugar de origem, mantendo as regalias ou benefícios remuneratórios que aí detinham” quando “ocorrer autorização expressa do membro do Governo responsável pela área das finanças”.

Em julho, uma fonte do Governo referia que  Medina valorizou, no líder do IGCP, a experiência como administrador financeiro e em setores regulados, como a energia, a banca e água. E o ministro das Finanças dizia já ter definido os objetivos para o gestor, o mais importante dos quais é posicionar a dívida pública nacional como um ativo atrativo para os investidores e prosseguir a estratégia de melhoria da notação de rating da República. E caberá a Miguel Martin inovar em novos instrumentos de dívida, como as emissões verdes, e otimizar a relação com o cliente de retalho, isto é, com os particulares que investem em títulos de dívida pública.

Cristina Casalinho saiu do IGCP em meados de julho, após uma década naquela agência: nos primeiros dois como vice-presidente de João Moreira Rato e, a partir de 2014, como presidente.

Integram o novo conselho de administração do IGCP mais dois elementos, que iniciam mandato também a 1 de setembro: Rita Granger, que se mantém como vogal, posição que ocupa desde 2019; e Rui Amaral, que transita da unidade de investimento da Caixa Geral de Depósitos (CGD) (Caixa BI – a sociedade gestora de fundos de capital de risco do Grupo CGD). Rita Granger receberá um prémio de desempenho, mediante o cumprimento dos objetivos fixados no contrato e sujeitos a avaliação por parte da área das finanças.

O primeiro desafio do novo gestor público é gerir dívida pública de 280 mil milhões.

Em outubro, o IGCP tem de devolver um cheque de 8,4 mil milhões de euros aos investidores, para o que a agência está em “posição confortável”, no dizer da antecessora.

Portugal tem calendário de reembolsos exigente nos próximos anos, resultante da elevada dívida pública. Dados do Banco de Portugal (BdP) indicam 280 mil milhões de euros de endividamento público. E é ambicioso o plano do Governo para baixar a dívida, sobretudo tendo em conta a atual inflação e os custos de financiamento. O rácio é de 126,7% do Produto Interno Bruto (PIB).

Fernando Medina quer tirar Portugal do grupo de economias com a maior dívida pública da Europa e aponta para o rácio de 100% em 2026.

Depois, Miguel Martín tem de lidar com subida dos juros. Se a antecessora beneficiou do período de taxas de juro baixas, em função das políticas ultraexpansionistas do Banco Central Europeu (BCE), o novo gestor lida com um contexto completamente diferente. O BCE aperta as condições financeiras na Zona Euro para travar a escalada da inflação. Já subiu as taxas de juro em 50 pontos base em julho e, em breve, fará outra subida de 50 pontos ou mais.

Os países com elevadas dívidas não têm boa notícia na inversão da política monetária, embora tendente à normalização. Juro mais elevado implica serviço da dívida mais caro. Mas Portugal ainda vai emitir dívida, neste ano, com custo inferior ao custo médio da dívida, o que significará que continuará a poupar. Mas a janela de oportunidade está a fechar-se. O trabalho de Cristina Casalinho na gestão ativa da dívida, através de operações de recompra antecipada, de troca de dívida e de alongamento dos prazos, ajuda nesta missão.

Outro desafio é aumentar confiança dos investidores. Miguel Martín chega ao IGCP com boa notícia: a DBRS elevou o rating de Portugal para o nível “A”, a melhor posição desde 2011, o ano do resgate da troika. Mas o impacto desta decisão é limitado. Para o país tirar partido de melhores condições de financiamento, as outras agências de rating – as big three – também têm de aumentar a notação. A Fitch e S&P dão nota BBB (perspetiva estável) e a Moody’s atribui Baa2 (perspetiva positiva), três níveis abaixo da notação da DBRS.

Apresentar-se no mercado com um rating A reforça a confiança dos investidores na capacidade de um país, empresa ou banco reembolsarem o que lhes foi emprestado. A melhoria do rating não depende de Miguel Martín no IGCP, pois há indicadores económicos e políticos a considerar.

Outra missão do gestor é fazer a primeira emissão verde. Empresas e bancos nacionais fizeram operações de financiamento através da emissão de obrigações sustentáveis, para financiar projetos amigos do ambiente e com preocupação social. Falta a República fazê-lo, pois isso não é só moda, mas um modo de obter financiamento junto de uma cada vez maior granja de investidores.

Para o anterior secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, que o país precisa de “mil milhares de milhões de euros” até 2050 em investimento público e privado para ser neutro em carbono e que o maior dos investimentos tem de ser em infraestruturas, tecnologia e edifícios eficientes. Ora, a guerra e o fim da dependência energética da Rússia estão a acelerar.

Por fim, o líder do ICGP deve manter produtos do Estado atrativos para as famílias. A política do BCE quase eliminou os ganhos com poupança. O Estado teve papel importante ao manter uma oferta de produtos de aforro com rendibilidades mais atrativas. Agora, com as taxas de juro a subir, o Estado sentirá maior concorrência do mercado na captação de poupanças dos particulares. Os tradicionais certificados de aforro estão a ressurgir com a alta dos juros. Os certificados do Tesouro, embora as condições tenham piorado, continuam a ser um dos produtos mais populares. As Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV) poderão fazer um grande regresso, se Portugal sentir grande aperto nos mercados de dívida. E, para facilitar a consecução deste objetivo, há que proceder à digitalização dos serviços do IGCP. Atualmente, os produtos são vendidos nos balcões dos CTT – Correios de Portugal, SA. A possibilidade de poder subscrever dívida do Estado a partir de casa será um trunfo para captar mais fundos junto dos particulares.

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É indubitável que a subida do rating para o nível A é boa notícia para a dívida soberana e para as empresas, pois poderão beneficiar de custos de financiamento mais baixos. Contudo, o impacto é limitado por ser apenas a DBRS, a mais amiga das agências de rating, a melhorar a notação de risco do país. A DBRS é uma agência tida menos em conta do que as ‘big three’ e tem sido mais benevolente do que estas ao longo do tempo. Nos anos de maior pressão das agências de notação de risco, foram justamente os canadianos a segurar o rating de Portugal com um grau qualidade de investimento (por oposição ao grau especulativo), mantendo assim dívida do país elegível para o programa de compras do BCE, o que ajudou a conter os custos de financiamento.

Desta feita, a DBRS deu mais uma boa notícia, justificando a melhoria do rating para o nível A – o mais alto em 11 anos – com o facto de “as vulnerabilidades de crédito a Portugal associadas a choques externos estarem a diminuir e as perspetivas macroeconómicas a melhorar”. Já as demais agências não acompanham a DBRS. A Fitch e S&P dão nota BBB e a Moody’s atribui Baa2, três níveis abaixo da notação da DBRS. A seguir à República, é expectável que as empresas públicas vejam os seus ratings revistos em alta por esta agência.

Alguns analistas surpreenderam-se com a melhoria da notação de risco pela DBRS e sustentam que o país sentirá maior impacto quando passar a ter um rating “high grade”, ou seja, com duplo “AA”. A passagem para A não traduz alteração significativa em termos qualitativos como a passagem do high yield para grau de investimento ou a passagem para high grade, pois os juros e o spread da dívida nos mercados secundários até aumentaram por via do discurso mais duro dos responsáveis do BCE. Por isso, os economistas julgam importante reduzir o stock da dívida pública – que atingiu os 280 mil milhões de euros – para consolidar a melhoria do rating e não se sentir tanto o efeito do custo do serviço da mesma nesta fase de subida de taxas de juro. Porém, justificam esta subida de rating a diminuição das “vulnerabilidade de crédito associadas a choques externos” e a melhoria das “perspetivas macroeconómicas” do país. Depois da “severa contração económica” de 8,4% em 2020, “a recuperação foi forte”, diz a DBRS, notando que o PIB cresceu 4,9% em 2021 e que a Comissão Europeia prevê um crescimento de 6,5% da economia portuguesa em 2022. E o choque de preços exacerbado pela guerra da Ucrânia levará o crescimento a estagnar no segundo semestre, mas as crises não causaram danos de longo prazo à nossa economia.

O ministro das Finanças afirma que, 11 anos depois, o País volta a ter a dívida pública considerada como um investimento de qualidade dos grupos de notação ‘A’ e que “este é um marco para a avaliação da dívida pública aos olhos dos investidores e mais um importante sinal de confiança internacional em Portugal. E, segundo o governante, “os efeitos positivos nas taxas de juro da dívida soberana refletir-se-ão nos juros também suportados por empresas e famílias” e “Portugal continuará empenhado numa estratégia de contas certas, traduzida numa marcada redução de dívida pública que visa proteger Portugal da incerteza global, e na promoção do potencial de crescimento da nossa economia”. Seja!

2022.09.03 – Louro de Carvalho

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