segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Da suficiência das medidas de apoio à sua flexibilidade

 

O Governo prometeu para 5 de setembro o anúncio de um pacote de medidas de apoio às famílias para obviar ao aumento dos preços, com destaque para os bens essenciais e para os atinentes à energia e aos combustíveis, por via da guerra, situação que gerou a taxa de infeção mais elevada dos últimos 30 anos. Em comentário-relâmpago, o Presidente da República preconizava que as medidas tinham de ser suficientes. Entretanto, da exigência de medidas suficientes passou à exigência de as medidas serem de apoio a todas as famílias de menores rendimentos e às da classe média, tal como passou a defender que as medidas devem ser flexíveis, de modo a poderem ser redimensionadas conforme a evolução da inflação.

Obviamente que as medidas decretadas e a decretar serão sempre insuficientes em tempo de guerra, pois a economia de guerra funciona como a bola de neve que se avoluma cada vez mais.         

Na verdade, a 5 de setembro, o Kremlin veio a terreiro dizer, através de Dmitry Peskov, seu porta-voz, citado pela agência de notícias Interfax, que a Rússia não retomará o fornecimento de gás à Europa enquanto o Ocidente não suspender as sanções contra Moscovo, apesar de saber que as preocupações com o fornecimento de gás continuam a aumentar os preços da energia. Com efeito, culpa as sanções introduzidas por países ocidentais, incluindo Alemanha e Reino Unido, pelo corte da Rússia no fornecimento do gás através do gasoduto Nord Stream 1, não havendo “outras razões para os problemas com o fornecimento”.

As declarações de Peskov são a indicação clara de que a Rússia pretende forçar a União Europeia (UE) a suspender as sanções impostas contra Moscovo graças à invasão da Ucrânia, em troca das entregas de gás durante o outono e inverno que se aproximam.

A principal fornecedora de energia russa, a Gazprom, anunciou, na noite do dia 2, a suspensão do fornecimento de gás em direção ao ocidente através do gasoduto Nord Stream 1 – o maior gasoduto de gás da Rússia para a Europa (entre a Rússia e o Norte da Alemanha) com capacidade para fornecer 55 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano. Este gasoduto, que deveria ter retomado o serviço após a interrupção de três dias para trabalhos de manutenção, ficará parado e inoperacional até que haja a reparação de uma turbina (em mau funcionamento), mas sem que a Gazprom tenha avançado qualquer prazo. Mas a empresa também culpou as sanções ocidentais por interromper as entregas de gás, dizendo que a fabricante Siemens não podia realizar reparos nas turbinas usadas no Nord Stream 1 por causa de sanções contra a empresa de energia russa.

Já a UE, que rejeitou as alegações da Gazprom, acusando Putin de controlar as exportações de gás, acusa Moscovo de arranjar aquele pretexto para reagir à decisão anunciada, no dia 2, pelos países do G7 de limitar os preços do petróleo, atingindo assim os lucros da Rússia.

O fornecimento contínuo através do gasoduto é visto como crucial para evitar o aprofundamento da crise energética. Paralelamente, a crise energética na UE, desencadeada pelos menores fluxos de gás russo, é vista como um grande teste ao apoio do bloco dos 27 à Ucrânia. Alguns analistas acreditam que o Kremlin, não tendo atingido a maioria dos objetivos militares na Ucrânia, espera que os preços recordes de energia, combinados com a escassez de alimentos no inverno, levem a UE a forçar a Ucrânia a uma trégua nos termos de Moscovo. E as autoridades russas estão ansiosas para apontar a crescente raiva na UE pelo aumento dos preços, com Peskov a dizer que está claro que a vida está “pior para pessoas, para empresários e para empresas na Europa, sendo claro que “os cidadãos comuns nesses países terão cada vez mais perguntas a fazer aos seus líderes”.

Do lado da UE, o comissário europeu para a Economia, Paolo Gentiloni, garantiu que a UE está preparada para enfrentar uma paralisação total no fornecimento de gás russo, mercê de medidas de armazenamento e economia de energia, resistindo ao uso extremo do gás da Rússia como arma, sem medo das decisões de Vladimir Putin, apenas lhe solicitando que respeite os contratos. Porém, se a Rússia falhar no cumprimento dos contratos, Gentilonim, que falava à margem do Fórum Económico organizado pela Casa Europeia-Ambrosetti, em Cernobbio, no Lago Como, Itália, no dia 2, declarou que “estamos prontos para reagir”. Para o comissário, na UE, “o armazenamento de gás está atualmente em cerca de 80%, graças à diversificação de fornecimento”, embora a situação seja diferente de país para país.

No dia 2, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que “está na hora” de colocar um teto no preço do gás importado da Rússia, apoiando a solução defendida por Mario Draghi, primeiro-ministro italiano. E, no dia 4, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, garantiu que a UE vai “acelerar o seu caminho para a independência energética”, dizendo não ter ficado surpreendido com a suspensão do fluxo de gás da Rússia. E assegurou que “a utilização de gás como arma não irá alterar a determinação da UE”.

Neste contexto, Putin defendeu que, para reduzir a poluição, são necessárias ações oportunas que contemplem a adaptação da indústria e afirmou que alguns países cometeram erros do ponto de vista da ecologia, na tomada de muitas decisões.

O líder russo, no dia 5, num fórum na região russa de Kamchatka, alertou para as consequências ecológicas adversas da rejeição da UE ao gás russo, alegando que vai obrigar ao uso de minerais fósseis que são mais prejudiciais ao meio ambiente. E especificou que adquirir gás russo barato e cortar o seu fornecimento e usar imediatamente tudo o que foi declarado anátema, incluindo carvão, “não é a melhor solução para os problemas ecológicos globais”. Assim, preconizou que, para reduzir a poluição, são necessárias ações oportunas que contemplem a adaptação da indústria, o que “exige cooperação à escala internacional, visto que “é impossível resolver problemas globais com soluções locais, mesmo que na base desses esforços locais existam objetivos nobres”. E, ao dizer que alguns países cometeram erros do ponto de vista ecológico, ao “tomar muitas decisões” com objetivos nobres, mas inatingíveis, que acabaram por levar a consequências adversas, acusa a UE de procurar diminuir a sua dependência da energia russa, depois da invasão da Ucrânia, no âmbito de sanções económicas. Mas, para ser coerente em termos ecológicos, deveria cessar de queimar petróleo a esmo, pois isso também é contra o ambiente.  

Efetivamente, os países europeus acusam Moscovo de preparar o corte de energia, no próximo inverno, questionando as razões para a suspensão de fornecimento de gás à Europa através do gasoduto Nord Stream 1. Porém, o porta-voz do Kremlin disse que só uma turbina do gasoduto está operacional e, mesmo assim, com falhas, o que justifica a interrupção de fornecimento”.

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No atinente às medidas constantes do pacote prometido, há que especificar o seguinte:

Após a reunião extraordinária do Conselho de Ministros de 5 de setembro, o primeiro-ministro foi dar conhecimento das medidas tomadas ao Presidente da República, a que se seguiu a sua apresentação ao país através dos órgãos de comunicação social a parir do Palácio da Ajuda.

António Costa reconheceu um “brutal aumento da inflação”, como não se viu há mais de 30 anos, e apresentou o novo pacote de medidas, abrangente, de apoio às famílias para fazer face à crise.

Assim, a pagar de uma só vez, em outubro, e diretamente aos cidadãos, anunciou:

1. A entrega de 125 euros por pessoa, a quem tenha um rendimento bruto mensal até 2700€.

2. O apoio adicional de rendimento de 50 euros por criança ou jovem até aos 24 anos – aplicado a todos os dependentes (a quem viva, por exemplo, com os pais).

3. O apoio adicional de meia pensão, paga apenas uma vez, a todos os pensionistas que tenham pensões com atualização obrigatória por lei (face à subida da inflação).

Com outros horizontes temporais:

4. A proposta de Lei de descida do IVA da eletricidade, de 13% para 6%, a partir de outubro de 2022 até dezembro de 2023.

5. No gás, o já anunciado mecanismo de transição para o mercado regulado para assegurar, redução de 10% na conta do gás, sendo esta a poupança mínima para um casal com dois filhos.

6. O prolongamento – sem mais – das medidas de apoio à redução dos preços dos combustíveis, até ao final deste ano, o que garantirá, num depósito de 50 litros, menos 16 euros na gasolina e menos 14 euros no gasóleo.

7. No próximo ano, o limite de 2% do aumento das rendas, tendo este limite da atualização das rendas (que seria pela lei superior a 5%) a compensação no IRS/IRC dos senhorios (conforme o senhorio seja pessoa singular ou pessoa coletiva).

8. A manutenção, no próximo ano, da manutenção do preço dos passes urbanos e das viagens CP.

9. Por fim, também para o próximo ano, a proposta de lei do aumento das pensões: 4,43% para pensões até 883 euros brutos; 4,07% entre 886 e 2649 euros; 3,53% para outras pensões sujeitas a atualizações.

Foi agendada para o dia 6, uma conferência de imprensa com vários ministros para pormenorizar cada uma das medidas acabadas de anunciar. E, além destas medidas, o Governo prometeu anunciar, no dia 8, um conjunto de medidas de poupança de energia, como outros países fizeram, e, no dia 9, um conjunto de apoios dirigidos às empresas, cujo anúncio foi remetido para depois do Conselho de Ministros da Energia da UE, agendado para esse mesmo dia.

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É certo que estas medidas são insuficientes, pois, neste ano, os salários reais baixaram em média 4,6%, pelo que baixou imenso o poder de compra dos portugueses. E a guerra está para durar.

O pacote anunciado ultrapassa os quase dois mil milhões previstos pelos comentadores, passando aos 2400 milhões, a que se juntam os 800 milhões que o Governo já despendeu em apoios a partir do primeiro trimestre. Porém, quanto à tipificação das medidas os comentadores pouco acertaram.

Fica por satisfazer o aumento de salários na administração pública e não se vislumbra a reposição consolidada do rendimento, tendo em conta as vicissitudes do futuro. Mas António Costa promete, em termos da flexibilidade, avaliação permanente e, escudado no objetivo de redução da dívida, no sentido de que, mercê da subida dos juros, não fique tão oneroso o serviço da mesma.

Resta saber se a oposição faria melhor ou se, chegada à governação, acharia razões para fazer igual ou pior. É a vida!

2022.09.05 – Louro de Carvalho

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