quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Adriano Moreira: percurso político complexo e sabedoria em alto grau

A 6 de setembro, Adriano Moreira foi homenageado no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, em cerimónia organizada pela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa, pois nasceu o homenageado em Grijó de Campo Benfeito, no concelho de Macedo de Cavaleiros.

No decurso da sessão, Isabel Moreira uma das filhas do homem (advogado, professor, político, ministro, líder partidário e conselheiro de Estado) e deputada do Partido Socialista (PS), proferiu um discurso genuinamente emocionado.

Para a cerimónia o Presidente da República escreveu um longo texto em referência aos 100 anos do político com a maior longevidade da história democrática portuguesa.

Marcelo Rebelo de Sousa recordou o político centenário como ministro do Ultramar no período da ditadura e como presidente do Partido do Centro Democrático Social (CDS) em democracia, agradecendo, em nome dos Portugueses, “tudo o que fez, tudo o que faz, pelas nossas Forças Armadas, pela nossa Língua, pela nossa Cultura, pela nossa Portugalidade”. 

Destacando que Adriano Moreira foi também professor universitário, recordou o percurso do político, que se dividiu entre dois regimes, e frisou que este homem, há muito, entrou na História apesar de toda a sua vida ter sido feita de “desencontros históricos”. Com efeito, no dizer do Chefe de Estado, “chegou sempre cedo demais ou tarde demais a esses encontros”, mas, “vindo de Trás-os-Montes profundos, ostensivamente orgulhoso das suas raízes, subiu os degraus da vida, se fez estudioso, e académico”. 

Considerou o Presidente da República que Adriano Moreira chegou “cedo de mais”, ao sonhar converter uma escola de quadros coloniais, depois ultramarinos, em Academia tão nobre quanto outras de outros tempos”, tendo de “encontrar atalhos e esperar pacientemente para que o óbvio acontecesse”. E sublinhou que foi “pioneiro, em domínios da Ciência Política, das Relações Internacionais, da Geoestratégia prospetiva”, sendo precisas “décadas até se entender como antecipara o futuro”.

Evocando as ambições do homenageado, o Presidente da República observou que o jovem governante quis reformar Política e Direito Coloniais e Ultramarinos, o que, para muitos, “trazia rutura em excesso, e, para muitos outros, aportava com, pelo menos, uma década de atraso”.

Todavia, nas palavras de Marcelo, os seus quarenta anos de idade contrastavam com a “anciania do poder instalado” e o perfil deste político “não tinha os pergaminhos do cursus honorum do regime, nem a rede de lealdades no seu seio, nem a aquiescência de um líder, que encontrara na guerra o argumento moral e vocal para continuar, como se o tempo fosse eterno e tudo à sua volta acompanhasse esse seu tempo fora do tempo”.

Marcelo enfatizou que, na apreciação deste homem, “não há nem direita, nem esquerda, nem civis, nem militares, nem apóstolos das suas lutas, nem críticos de algumas das suas atitudes, nem antigos, nem novos, nem novíssimos, nem conhecedores de há tempos sem fim”, mas apenas Portugueses. E assentou em que a História “acolheu bem Adriano Moreira, antes de a Providência ou o Fado lhe terem proporcionado o mais raro do raro – viver e tão intensamente que se pôde permitir o por todos invejável – ser o último a contar o que viu e viveu, sem a possível contradita dos contemporâneos”, sendo sempre “ímpar no pensamento, na oratória, na conquista das almas, na natural adesão dos alunos, discípulos, seguidores, na intuição do essencial”.

Paulo Portas, observa que que “Adriano Moreira é um sábio”, no que é acompanhado por muitos dos que o leem os seus escritos ou lhe escutam as entrevistas. Augusto Santos Silva, atual presidente da Assembleia da República e, como Portas, ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, aponta que Adriano Moreira se distingue por duas grandes qualidades: a solidez e coerência do percurso intelectual e a capacidade de abertura e diálogo com outras correntes de pensamento e opinião – duas áreas em que Portugal beneficiou da sabedoria do centenário político e académico, num século de vida, com muitas décadas de serviço a Portugal no Direito, na Academia, na política, em ditadura e em democracia. E João Bosco Mota Amaral, ex-presidente do Governo regional dos Açores e da Assembleia da República, arrumando a faceta política de Adriano Moreira no domínio do “complexo”, prefere exaltar o “mestre” com influência além-fronteiras e acentua que “mais do que o seu notável percurso político, aliás complexo”, o impressiona, neste vulto, o “grande apego à Universidade e ao magistério correspondente”.

Na verdade, estamos perante um percurso de vida bem complexo. Adriano Moreira, enquanto jovem, começa como simpatizante da Oposição Democrática, assinando uma lista do Movimento de Unidade Democrática (MUD), em 1945. Por ter acompanhado Teófilo Carvalho dos Santos na defesa da família do general Marques Godinho, acaba preso, tal como a viúva e um filho do general, no Aljube, acusado de “ofensa à dignidade do Estado”, sendo companheiro de cela de Mário Soares, que ali se encontrava preso por motivos políticos, circunstância que os tornou amigos. Não obstante, movido pelas teses do tropicalismo (ideia desenvolvida por Gilberto Freyre de 1900 a 1987) – pelas quais a colonização feita pelos Portugueses, nos trópicos, foi diferente das restantes colonizações europeias, diferença que se manifestou na miscigenação e na inerente interpenetração cultural – aproxima-se do regime do Estado Novo, mas mantendo relações de amizade com antissalazaristas históricos, como Fernando de Abranches Ferrão e Acácio de Gouveia, além do já referido Carvalho dos Santos.

Como ministro do Ultramar no Estado Novo, fica associado ao fim do estatuto de Portugueses de segunda, mas também à reabertura do Campo do Tarrafal.

O artigo 2.º do Estatuto do Indigenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.666, de 20 de maio de 1954, considerava indígenas “os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo habitualmente nelas, não possuam ainda a ilustração e hábitos individuais e sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses”. Foi abolido pelo Decreto-Lei n.º 43893, de 6 de setembro, com Adriano Moreira. Pela Portaria n.º 18539, de 17 de junho de 1961, assinada por Adriano Moreira, ao abrigo dos artigos 4.º e 5.º do Decreto n.º 43600, de 14 de abril de 1961, foi criado, em Chão Bom (Ilha de Santiago, Cabo Verde), o campo de concentração do Tarrafal, eufemisticamente “Campo de Trabalho de Chão Bom”. E, pela Portaria n.º 18702, de 24 de agosto de 1961, criou igualmente o campo de trabalho de Missombo, em Angola. Os dois últimos são atos políticos hoje altamente criticáveis.

Na sua ação como governante viria estabelecer uma política reformista, que teve como principal marca a abolição do Estatuto do Indigenato (que impedia a quase totalidade dos habitantes das colónias de adquirir a nacionalidade portuguesa) permitindo aos indígenas acederem à cidadania portuguesa, usufruindo do direito a fixarem-se e circularem em todas as parcelas do território nacional e também o do acesso à educação; levou a cabo a adoção de um Código de Trabalho Rural; criou escolas do Magistério Primário; e fundou o ensino superior nas colónias, ao fazer arrancar os Estudos Gerais Universitários, em Angola e em Moçambique.

Salazar revelou-lhe que não podia concordar com várias das suas políticas, pelo que mudaria de ministro se não as alterasse. E, como revelou o próprio (que apoiou a ação de Dom Sebastião Soares de Resende, Bispo da Beira), respondeu: “Vossa Excelência acaba de mudar de ministro.”

Frustrados os seus planos, foi na academia que sempre encontrou lugar de recuo na atividade política, mas de avanço no conhecimento. É “um dos pioneiros da introdução da Ciência Política nos estudos de nível universitário no nosso País. Possuindo grande capacidade de fazer discípulos, espalhou influência pelas Universidades Portuguesas, dos Países de Língua Oficial Portuguesa e do Estrangeiro, onde os seus livros são lidos e o seu ensinamento respeitado, como salienta Mota Amaral. Santos Silva distingue três “facetas fundamentais” na atividade académica de Adriano Moreira. A primeira relaciona-se com o estudo do Estado português na perspetiva histórica e da longa duração, procurando identificar os interesses nacionais permanentes de Portugal, consolidados ao longo dos tempos. A segunda tem a ver com os estudos sobre Segurança e Defesa, em que é pensador crucial no contexto português e mestre de sucessivas gerações de militares e outros profissionais de segurança. E a terceira relaciona-se com o pensamento político, onde tem procurado partir da matriz democrata-cristã para consolidar um pensamento político de centro-direita democrático em Portugal, inspirado na doutrina social da Igreja.

Centenário, Adriano Moreira não desiste e continua a partilhar a sua sabedoria. O gosto de refletir em público e de fazer pensar leva-o a manter o seu magistério ativo, em conferências e artigos de jornal, que “não são meras provas de vida e de domínio pleno das suas faculdades mentais, mas verdadeiras lições de sabedoria de quem viveu muito e partilha generosamente a experiência adquirida”, como enaltece Mota Amaral. E Santos Silva, em quadrante diverso, não tem dúvidas quanto ao seu contributo de para Portugal, dizendo que a sua contribuição nas facetas académicas apontadas “tem sido absolutamente essencial para o avanço dos estudos em Portugal sobre o Estado, sobre a Segurança e Defesa e sobre o pensamento político na pluralidade de correntes e opiniões que é, sem dúvida, um fator de enriquecimento desses estudos”.

2022.09.07 – Louro de Carvalho 

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