segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Professor Vítor Aguiar e Silva morreu quase com 83 anos

 

Distinguido com o Prémio Camões em 2020, nome central dos estudos camonianos e autor de uma Teoria da Literatura que serviu sucessivas gerações de estudantes universitários, Vítor Manuel Pires Aguiar e Silva, conhecido simplesmente por Vítor Aguiar e Silva, nascido a 15 de setembro de 1939, na freguesia de Real, do concelho de Penalva do Castelo e do distrito de Viseu, morreu, a 12 de setembro, aos 82 anos, como anunciou a Universidade do Minho (UM), onde ensinou desde 1989 até à sua aposentação, em julho de 2002.

Camonista e teórico da Literatura, este professor emérito e catedrático aposentado da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas (ELACH) da UM era “um dos mais reconhecidos especialistas na obra de Luís de Camões, a nível mundial”.

“Foi um nome maior da universidade portuguesa e deixa a sua ação inscrita de forma indelével na história da Universidade do Minho. A sua obra científica marcou decisivamente os campos dos estudos literários e da Teoria da Literatura, do ensino da Língua Portuguesa e das políticas de língua” – acentua o texto do comunicado da UM.

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Tendo aprendido a ler e a escrever com a mãe, frequentou o Liceu Nacional de Viseu (atual Escola Secundária Alves Martins), onde os seus bons estudos motivaram a conquista de Prémio de Melhor Aluno. Licenciou-se na Universidade de Coimbra (UC), onde obteve o doutoramento, em 1971, com a tese Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, e onde passou a lecionar, até que a revolução abrilina o retirou do ensino. Porém, depois de reintegrado, retomou as funções docentes na UC, fez-se professor catedrático em 1979. Porém, em 1989, requereu transferência para a UM, onde exerceu as funções de vice-reitor entre 1990 até 2002, ano em que se aposentou, e onde fundou o Centro de Estudos Humanísticos e a revista Diacrítica.

Para lá dos cargos universitários, esteve na comissão de avaliação dos cursos superiores de Letras; participou na criação do Instituto Camões, como coordenador do grupo de trabalho. Também coordenou, entre 1988 e 1992, a Comissão Nacional de Língua Portuguesa (CNALP), tendo ainda sido membro do Conselho Nacional de Cultura. E reviu o texto do Dicionário Terminológico.

Como ensaísta recebeu vários prémios, entre os quais o Prémio Vergílio Ferreira de 2002, atribuído pela Universidade de Évora, o Prémio Vida Literária, em 2007, instituído pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) e pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural, em 2018, e finalmente, em 2020, o Prémio Camões o mais importante prémio literário de língua Portuguesa.

A 4 de outubro de 2004, foi agraciado pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública. E, a 16 de outubro de 2018, foi distinguido com o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade dos Açores.

Justificando a escolha pela “importância transversal da sua obra ensaística e o seu papel ativo relativamente às questões da política da Língua Portuguesa e ao cânone das Literaturas de Língua Portuguesa”, o júri que lhe atribuiu o Prémio Camões​ resumiu, deste modo, a relevância do seu trajeto de camonista e teórico da literatura: “No âmbito da teoria literária, a sua obra reconfigurou a fisionomia dos estudos literários em todos os países de Língua Portuguesa. Objeto de sucessivas reformulações, a Teoria da Literatura constitui-se como exemplo emblemático de um pensamento sistematizador que continuamente se revisita. Releve-se igualmente o importante contributo dos seus estudos sobre Camões.”

Na investigação, dedicou-se à Literatura Portuguesa dos séculos XVI e XVII, à obra camoniana e às metodologias literárias. Os seus escritos – em que sobressaem Teoria da Literatura (1967), reformulada em várias edições, A Estrutura do Romance (1974), Teoria e Metodologia Literárias (1990), Camões: Labirintos e Fascínios (1994) – incluem: Para uma interpretação do classicismo (1962); O teatro de actualidade no romantismo português: 1849-1875 (1965); Notas sobre o cânone da lírica camoniana (1968); Maneirismo e barroco na poesia lírica portuguesa (1971); O significado do episódio da Ilha dos Amores na estrutura de Os Lusíadas (1972); A oposição democrática e sua ideologia totalitária: discurso proferido na sessão de esclarecimento dos eleitores e apresentação dos candidatos a deputados pela ANP [Ação Nacional Popular], que teve lugar na Figueira da Foz, em 16 de Outubro de 1973 (1973); Reforma do sistema educativo (1973); Competência linguística e competência literária: sobre a possibilidade de uma poética gerativa (1977); Crítica de Livros: teoria literária (1977); Fialho de Almeida e o problema sociocultural do francesismo (1983); Imaginação e pensamentos utópicos no episódio da “Ilha dos Amores” (1988); Maria Alice Nobre Gouveia: 1927-1988 (1991); Camões: labirintos e fascínios (1994); A lira dourada e a tuba canora: novos ensaios camonianos (2008); Jorge de Sena e Camões: trinta anos de amor e melancolia (2009); As humanidades, os estudos culturais, o ensino da literatura e a política da língua portuguesa (2010); e Dicionário de Luís de Camões (2011).

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A sua morte “é uma perda impossível de reparar”, escreveu no Twitter António Cunha, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), caraterizando de Vítor Aguiar e Silva como “uma personalidade maior na promoção da cultura e literatura portuguesas” e louvando a sua “grandeza humanista e intelectual”.

Além dos “labirintos e fascínios” camonianos, “interessavam-lhe os clássicos, maneiristas e barrocos, e os contemporâneos como Jorge de Sena ou Manuel Alegre, tendo também publicado diversos estudos sobre metodologias, humanidades, ensino da literatura, estudos culturais, política da língua e a problemática do cânone”, diz o Presidente da República, que reconhece o trabalho de Vítor Aguiar e Silva, o recorda como “camoniano ilustre” que, “entre outras atividades culturais e de cidadania, esteve na origem da fundação do Instituto Camões” e destaca a sua Teoria da Literatura, de 1967, obra “marcante e várias vezes reeditada”.

Também o presidente da Assembleia República lamenta morte do professor Vítor Aguiar e Silva, que classificou como “um brilhante ensaísta e historiador da literatura portuguesa”. Numa mensagem na sua conta oficial no Twitter, Augusto Santos Silva lembra o Prémio Camões que o historiador ganhou em 2020.

Por seu turno, Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, manifestou a “grande consternação” pela morte do professor universitário Vítor Aguiar e Silva, lembrando que “foi até à presente data o único bracarense” a receber o Prémio Camões. Em mensagem da página de Facebook do município, sublinha que “é indelével” a ligação de Vítor Aguiar e Silva a Braga e aos bracarenses.

“Galardoado com a medalha de mérito Grau Ouro da cidade em 2014, assumiu funções como presidente do júri de vários prémios literários, tendo dado o nome ao Prémio Vida Literária Vítor Aguiar e Silva, da Associação Portuguesa de Escritores e do Município de Braga”, refere.

“Nesta ocasião, obriga a memória recordar o homem de enorme capacidade intelectual, ampliador de causas e de especial sensibilidade social e disponibilidade para o próximo. Foi este um dos mais importantes obreiros na defesa da língua portuguesa, da cultura e do ensino superior em Portugal”, diz Ricardo Rio, sublinhando que Vítor Aguiar e Silva foi, até à presente data, o único bracarense a receber o Prémio Camões, “um dos mais importantes reconhecimentos da lusofonia”.

Em 2021, a APE e a Câmara Municipal de Braga lançaram o Prémio Vida Literária Vítor Aguiar e Silva que, no valor de 25 mil euros, é atribuído de dois em dois anos.

É um dos eminentes professores signatários da Petição em Defesa da Língua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico, que recolheu, desde 2 de maio de 2008, mais de 128 000 assinaturas.

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Conheci-o pessoalmente, admirei o seu poder de rigoroso raciocínio aliado a enorme facilidade de comunicação. Se é certo que foi um dos insignes contestatários do novo Acordo Ortográfico, também o é que, a 10 de julho de 2010, em Sernancelhe, esclareceu o auditório de que os inúmeros falantes de Português no Brasil serão quem liderará a política da Língua Portuguesa nos grandes areópagos, pois são também quem mais produz em estudos linguísticos e literários no âmbito da Língua de Camões, o que, digo eu, implica uma aproximação à ortografia do Português do Brasil.

Por fim, recordo ter sido um dos homens a quem, num Encontro de Língua Portuguesa, chamei (os outros foram Óscar Lopes e José Carlos Seabra Pereira) “monstros sagrados da Literatura”, no encalço do que afirmará o Professor Henrique Maximino.  

2022.09.12 – Louro de Carvalho

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